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Memória sobre o reconhecimento da foz e porto do rio Doce

Vista do rio Doce, 1944.  Acervo Vale.
Vista do rio Doce, 1944.  Acervo Vale.

Até duas léguas e meia acima da mesma foz, respondendo-se aos artigos das instruções dadas sobre este objeto; e também acerca da parte da costa, que decorre desde a mencionada foz até à do Riacho, e subindo por este à confluência do rio Comboios:[ 1 ] trata mais do reconhecimento dele, e termina no do rio Preto, e lagoa Parda; organizada segundo as instruções e ordens do Ilmo. e Exmo. Sr. Manuel José Pires da Silva Pontes, presidente da província do Espírito Santo.

Por
Luiz D’Alincourt, sargento-mor engenheiro.
Vila de Linhares, em agosto de 1833.

Dignou-se o Excelentíssimo senhor presidente comunicar-me por sua respeitável portaria a resolução do conselho do governo, para o fim de cumprir-se a Lei de 23 de outubro do ano próximo passado, pela qual tem de levar ao conhecimento do ministério a planta do canal do rio Doce, com observações sobre os obstáculos que dificultam a sua navegação, e sobre os meios de removê-los; em virtude, pois, desta resolução, tive a honra de ser encarregado de tão importante tarefa, à vista das instruções que juntas à mencionada portaria me foram entregues.

Conhecendo o Excelentíssimo senhor presidente que não seriam poucos os dias a empregar até chegar-se ao resultado final desta comissão, e desejando prestar prontos esclarecimentos ao ministério, ao menos sobre alguns pontos mais importantes, houve por bem dirigir-me segunda portaria a este respeito, com duas cópias de informações que marcam estes pontos, e porque eles entram nas instruções juntas à primeira portaria, eu as segui, dando princípio ao meu trabalho do modo seguinte: e assim julgo preencher as vistas de Sua Excelência, senão em toda a plenitude, conforme aos meus desejos, ao menos quanto foi possível à curta esfera de minhas idéias. Desenvolverei, pois, na presente Memória o que exigem os artigos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º (este até duas léguas e meia acima da foz do rio Doce), 6º, 7º, 8º, 12° e 13° (somente por agora no que diz respeito à barra e porto). À Memória juntarei quatro mapas (por enquanto em borrão, pois falta-me tempo para os desenhar melhor).[ 2 ]

O primeiro mostrará no maior grau de exatidão possível o rio Doce desde a sua foz até duas léguas e meia acima dela, ou à curvatura do rio para terceiro estirão. Devo declarar, que este mapa ou planta foi levantado em fins de junho e princípios de julho do corrente ano, o que se faz mister por ser variável a formatura do álveo do rio relativamente à direção dos canais, altura d’água nos mesmos, posição das coroas de areia, e extensão dos baixios, e dos pontais que limitam a barra, ou barras, e à do cordão, ou grande cinta que semi-circunda as mesmas; dependendo estas variações da maior, ou menor pressão das torrentes periódicas do mesmo rio, e dos ventos fortes que açoitam sua ampla superfície.

O segundo mapa descreve a costa atlântica desde a foz do rio Doce até a do Riacho, o curso deste a contar da confluência do rio Comboios para baixo, toda a extensão do mesmo Comboios até acima do arruinado quartel, o rio Preto, o finalmente a grande lagoa Parda.

O terceiro apresenta o ancoradouro do rio Preto, o melhoramento fácil que se lhe pôde fazer para tornar-se em um excelente molhe, aonde as embarcações fiquem ao abrigo de todos os ventos, e o curso do mesmo rio até que sai, pelo seu braço da direita, da lagoa Parda, notando-se que do ponto — A — para cima deixa de ser navegável, não por falta de altura d’água até ao braço, mas por muito atravancado.

O quarto finalmente patenteia a barra do Riacho, o seu porto, a concha formada por meio de recifes, que demora ao sul-sudeste da mesma barra, junto à praia; a valeta por onde se deve encanar o rio, e a direção da muralha que se precisa construir, para tornar-se este porto, atualmente insignificante, em uma doca proveitosa.

Antes de dar princípio ao desenvolvimento dos supracitados artigos, julgo conveniente apresentar algumas idéias acerca do rio Doce e terrenos adjacentes, idéias formadas das minhas observações, com o auxilio do juízo crítico que fiz combinando as disposições de uns com as de outros práticos, e conhecedores do país.

A posição geográfica do rio Doce o torna de um interesse reconhecido às províncias de Minas Gerais e do Espírito Santo; a esta porque a sua prosperidade depende incontestavelmente de francas e livres relações comerciais com aquela, que a seu turno obtém por este canal comunicação fácil com o oceano; e porventura serão somente estas províncias as que tirem real proveito de facilitar-se a navegação do rio Doce? Não certamente; as de Goiás e Cuiabá a devem ambicionar também: seus comerciantes escusarão de descer dos 16 graus e meio, com pouca diferença, de latitude austral, aos 23 e mais, para chegarem aos portos marítimos, conduzindo seus efeitos (os poucos que o podem fazer) às costas de animais pelo espaço de centenas de léguas, com tantos riscos, e fadigas: encare-se bem a direção do rio Doce relativamente a estas províncias e às suas principais povoações, que, de certo não restará a menor dúvida em concluir-se que é um bem necessário aos povos, e mui proveitoso ao Estado, cuidar-se com eficácia dos meios que, podem tornar cômoda a sua navegação.

Mas que outras e grandes vantagens resultam de facilitar-se a navegação do rio Doce! A indústria, a agricultura, o comércio e a mineração partilham estas vantagens. Os terrenos adjacentes a este rio produzem exuberantemente diversas e ricas plantas, frutas e legumes; por eles se estendem longas e pingues vargens, fundas o piscosas lagoas; dilatadas e virgens matas, auríferos rios; preciosas e ainda não revolvidas serras, e morros; finalmente terrenos tanto na província do Espírito Santo, como na de Minas, em que a natureza prodigalizou seus dons para ventura e regalo da espécie humana: todavia tão grandes bens têm sido até agora desprezados! A idéia terrível, que se há concebido e espalhado acerca da barra do rio Doce, será talvez a causa motriz deste país abençoado estar ainda tão escassamente povoado; nunca se entrou em serão e rigoroso exame dos motivos por que se julga mui perigosa a entrada deste rio, nem tão pouco porque se hão perdido nela facilmente algumas e pequenas embarcações; e é tal o terror pânico, que nem o seguro quer segurar para este porto: vamos, pois, à exposição destes motivos.

É, perigosa a barra do rio Doce para os ignorantes que a demandam, e por falta de providências que auxiliem a sua entrada; eis aqui tudo. Conhecendo os navegantes que devem esperar no seguro e franco porto da Aldeia Velha vento próprio para demandar a dita barra, e que saindo com ele firme, como geralmente se mostra em ocasião de luas, nos meses de maio, junho, julho, agosto e setembro, ele não lhes faltará de certo no curto espaço de 26 a 27 milhas, que têm a navegar para chegarem à mencionada barra; e que, ou com diminuição de pano, ou com algum bordo no mar e na terra, se devem sustentar para não varar a mesma barra, esperando que a maré chegue a meia enchente, para então a buscarem com força de vela, caso não seja despropositado o vento; conhecendo mais os navegantes a simples linguagem do sinal que se lhes há de fazer da atalaia, e que, sendo mais de uma embarcação, devem guardar entre si distâncias suficientes para se não embaraçarem na entrada, podem sem receio acometer o cordão, que facilmente hão de vencer, bem como o esganadouro, ficando a salvo em poucos minutos. O cordão nunca apresenta menos de 14 palmos d’água, quase em baixa-mar, como observou o patrão-mor, e mais no canal do esganadouro, altura bastante para as embarcações de cabotagem, que demandem 10 palmos, que são as próprias para este porto: isto acontece quando há duas barras; mas quando o rio apresenta somente uma, como o ano passado, e como é geral, então ainda sobe a sonda a maior altura.

Está, pois, o primeiro risco na passagem do cordão caso o navegante não haja tomado as indicadas precauções, e não esteja atento a obedecer ao sinal, que lhe indica o rumo para vencer o mesmo cordão, e logo se há de orçar ou arribar para correr o esganadouro, onde encontra já maior fundo, e é nele que está o segundo risco, no caso de acalmar o vento de repente, porque não podendo a embarcação voltar atrás, e correndo o rio sempre para fora, ainda que encha a maré, forçosamente há de encostar à praia: é pois para desviar este risco, que proponho adiante o auxílio de uma catraia, com espias firmes nos arganéus de boias, como igualmente proponho; pois que neste lugar não pode a embarcação usar de seus ferros, que não unham, por ser o fundo de areia mui ligada e dura, de superfície lisa e escorregadia. Aqui temos, pois, desviados os dois únicos riscos, com estas poucas atenções a executar.

Suponhamos agora, que a embarcação que se dirige à barra é de porte de 10 palmos d’água, e que o cordão não está capaz de consentir-lhe a entrada, até por ser mui forte nele o rolo do mar; neste caso o patrão-mor, ou o prático da barra faz-lhe sinal para não acometer, e a embarcação tem amplo mar para navegar, sem o menor receio de dar à costa; pois que a posição da foz do rio Doce relativamente à mesma costa, tanto para o norte como para o sul, assim o permite, mesmo por não haver ali travessia, favor que não experimentam todas as barras de areia; e até se quiser, não sendo rijo o vento, pode fundear ao mar do cordão, porque acha excelente fundo de lama, e não tem que temer baixio ou recife algum, que o não há, tendo somente cuidado de não fundear de 12 braças d’água para a terra.

Guardadas estas precauções, e com o auxilio do sinal da atalaia, eu vi entrar pela barra do sul, no dia 15 de julho, duas lanchas e um iate carregados de sal, tocados por vento sul fresco, e sem o menor risco salvaram o cordão e o esganadouro em 4 a 5 minutos cada uma, e correram velozmente a amarrar-se dentro do rio Preto; com a mesma facilidade tenho visto sair duas. Com que desabusem-se os incrédulos, a barra do rio Doce é má só para os loucos, que a procuram temerariamente, entregando-se aos vaivéns de cega fortuna; foi assim que se perdeu o iate novo do negociante da Vitória Domingos Rodrigues Souto, e é assim que se têm perdido outras embarcações; mas nem uma só, se conta havendo-se tomado as convenientes, precauções, e com o auxílio somente do sinal.

Diz-se mais. os canais, as coroas, os baixios, os esganadores, e até a barra do rio Doce, sofrem mudanças o alterações, causadas, já pela força das cheias, já pela veemência dos ventos. Respondo, que isso nada influo para este porto deixar de ser frequentado, porque sempre há canais, sempre há barra, e sempre há fundo bastante para as embarcações que não excedam a 10 palmos d’água; o que resta, pois, averiguar é a nova direção dos canais, posição de coroas e baixios, estado do cordão, do esganadouro e da sonda: eis o que deve conhecer o patrão-mor; eis aqui necessária a mudança das boias como proponho, e com estas medidas estamos no primeiro caso. Além disto a barra é quase sempre, a que se dirige para sudeste, e é raro apresentarem-se duas, como este ano, o que proveio da exorbitante cheia, que obrigou o rio a subir muito além das suas barreiras, a romper o pontal do sul e a deslizar grande porção d’água pelo sítio do capitão José Maria Nogueira da Gama, duas léguas e meia acima da foz, para ir entrar em um pequeno rio, e sair ao mar pela medíocre barra de Monsarás.

Espanta o rio Doce nas suas máximas cheias, que carregam nos meses de dezembro, janeiro, fevereiro, e ainda em março; isto é, na força das chuvas, principalmente nas províncias centrais, como a de Minas, onde ele tem as suas remotas fontes: mas teremos só um meio de comunicação do rio Doce com oceano, e reciprocamente? Eu me lisonjeio de mostrar mais de um no fim da minha comissão, assegurando desde já o do rio Preto, Lagoas, e rio Comboios à barra do Riacho, como em seu lugar demonstrarei. Passo agora ao desenvolvimento dos indicados artigos das instruções; queira a minha estrela que acerte no seu justo desempenho, para que, preenchendo assim as sábias intenções de Sua Excelência, se torne o meu trabalho proveitoso à nação e ao Estado.

Artigo I — Reconhecer a capacidade do porto da Regência, com a determinação da altura a que chegam as marés ordinárias, e a duração do preamar.

Respondo: O porto da Regência dentro do rio Preto, onde as embarcações se vão amarrar, tem fundo suficiente, e pode tornar-se com facilidade em um excelente molhe, como adiante descrevo; fora deste rio há também bom ancoradouro, mui perto da margem direita do rio Doce, à sombra da ilha das Bexigas, como mostra a planta n. 1,[ 3 ] que igualmente manifestam com precisão as sondas tomadas em baixa-mar, subindo as marés ordinárias a perto de 4 palmos, e a 6 na ocasião de águas vivas. A maré gasta 6 horas, com pouca diferença, a tocar o preamar, e outras 6 a vazar, varia, porém a hora de começar a encher, com a variação da lua, e, na ocasião de lua nova, ou cheia, é preamar às 2 horas pouco mais depois do meio-dia, ou da meia-noite. A inclinação do rio Doce é tal que, não obstante o fluxo do mar, ele corro sempre para fora, conservando-se a água doce até nos esganadouros mesmo nas marés grandes; o que sucede é que, no fluxo do mar, torna-se a corrente mais branda, subindo a superfície do rio não só pela pressão resultante do mesmo fluxo, como por causa da água salgada que penetra por baixo da doce: no rio Preto, porém, há enchente e vazante, quero dizer, vê-se correr a água para cima naquela, e para baixo nesta, entrando-lhe água do rio Doce na enchente.

Artigo II — Sondar também o ancoradouro, declarando a natureza do fundo, e os melhoramentos que precisa.

A planta n.1 mostra a altura do fundo do ancoradouro em baixa-mar, o de fora, ou no rio Doce é de areia grossa, bom, e permanente; e porque as águas correndo à margem direita, e deslizando-se pela curva do barranco com força, não consentem que por ali se formem coroas, o ancoradouro do rio Preto tem o fundo de lama, e, pode melhorar-se como direi.


Artigo III — Reconhecer as causas que tornam perigosa a entrada deste porto, oferecendo as reflexões que ocorrerem sobre os meios de remover ou prevenir o perigo.

Já expus as causas que tornam perigosa a entrada no rio Doce, que não são outras mais do que a falta das indicadas precauções e de providências; causas nascidas, portanto, na maior parte, da ignorância, temeridade, e mesmo do interesse dos que geralmente têm acometido a barra: o maior número de embarcações que se têm perdido hão sido grandes canoas de coberta, governadas e manobradas por índios, não só ignorantes, mas até, saindo de Aldeia Velha com a cabeça enfumaçada, tornam-se temerários e assim acometem a barra, dando-se-lhes pouco de perder-se a embarcação, porque, salvando eles facilmente suas vidas, tiram o proveito, e outros companheiros que logo aparecem, de colher os despojos do naufrágio.

A barra do rio Doce é boa; fora do cordão não se encontra um só baixio, um só recife, e o fundo é excelente, e não há vento que lhe seja travessia: esta barra não é, como geralmente são as de areia, encravada no fundo de uma enseada, sofrendo ventos de travessia, e outros obstáculos; ela existe em uma espécie de tromba mui saliente, fugindo-lhe de repente a costa tanto para o norte como para o sul, seguindo para o Riacho ao sudoeste e para São Mateus ao norte e ao norte-nordeste; vê-se, portanto, que as embarcações, que estiverem ao mar do cordão, têm bordada franca com todos os ventos, ou seja para o norte ou para o sul.

Chegada a embarcação à barra, pode correr dois riscos, o primeiro na passagem do cordão, o segundo no esganadouro; o primeiro eu o julgo menor que o segundo, porque deve contar-se que o cordão será varado facilmente, em meia maré de enchente, tendo o navegante atendido às citadas precauções e ao sinal da atalaia; ficando este perigo assim inteiramente desvanecido; o segundo dentro do esganadouro só pode provir de faltar o vento de repente, e neste caso perder-se-á a embarcação por causa da corrente do rio, e por não poder usar de seus ferros, como já expus: é para evitar no todo este segundo perigo que proponho as providências seguintes:

Necessita-se uma catraia de 12 remos, bem equipada, que possa subir a barra quando se fizer mister, e de popa aberta para poder suspender ferros; esta catraia vem a servir de grande auxilio à barra, não só para com ela se observar o fundo do cordão, e esganadouro, como para suspender os ferros das boias, que igualmente proponho, e fornecer espias às embarcações em ocasião oportuna, indicar-lhes o canal, etc. Deste modo providenciada a barra, conte-se de certo ficar também desvanecido este segundo perigo. Havendo já o patrão-mor, que é sem dúvida excelente prático, faz-se absolutamente necessário que se lhe forneça quanto antes a catraia, para que de uma vez fiquem desvanecidos os terrores pânicos, e bem depressa acreditada a barra, o que fará aumentar a população neste paraíso admirável, conspirando-se assim para lapidar-se este brilhante bruto, que desgraçadamente até aqui tem estado mergulhado no imundo pélago do esquecimento; desafio, pois, aos entendedores e amantes verdadeiros do Brasil para que visitem este rico país, e conhecerão então que não sou exagerado, e suplico ao governo para que haja por bem dar providências a fim dele ser aproveitado em tão grande e manifesto proveito da nação e do Estado.

Sendo duas as barras, precisam de 4 ou 6 boias, com seus fortes arganéus e ferros, ou âncoras capazes, com cadeias, para serem colocadas as ditas boias bem fixas nos lugares convenientes, a fim de marcarem não só o canal de boa entrada, como também de poderem suportar em seus arganéus as espias quando se façam mister. Estas boias postas no esganadouro serão mudadas com a mudança que se experimentar na barra, no que o patrão-mor terá todo o cuidado, e no mesmo lugar serão suspendidos os ferros todos os oito dias, e lançados de novo para não arearem.

Devem haver cabos de cairo de 4 a 5 polegadas para espias; digo de cairo por serem mais duráveis, e boiantes, não fazendo tanto corso, ou peso dentro da água, como os de linho.

Necessita-se mais de duas ostaxas de 7 a 8 polegadas (podem ser de linho) para dar socorro a qualquer embarcação, quando seja preciso, largando-se um ferro suficiente em lugar asado, e seguindo a ostaxa para a embarcação com os cabos de espia, que devem ir dentro da catraia, isto nos casos em que, as boias não venham a ficar em situação proveitosa: para este fim haverá três âncoras de 4, 5 e 6 quintais, que julgo bastar. Precisa-se também uma peça do cairo para uma estralheira, ou talha de suspender as âncoras tanto das boias, como as outras, com seus competentes cadernais bronzeados prontos.

Além destes auxílios deve construir-se uma atalaia em cada barra (havendo mais de uma como agora), de bons paus fincados à prumo, com altura bastante para ser vista de longe, com seu girão e escada de mão fixa: serve a atalaia não só para dela se observar o mar à larga distância, por ser o terreno baixo por ali, como também para se fazerem os convenientes sinais às embarcações, que demandarem a barra.

É de absoluta necessidade cuidar-se já no quartel para o comandante, patrão-mor, e guarnição; pois que o atual está a cair, aproveitando-se dele a telha, e alguma madeira, bem como a telha de outro que existe próximo, com vários portais, o qual pelo estado de ruína em que se acha já não pode ser habitado, nem reparado. Por esta ocasião lembro que se devia aproveitar quanto antes a telha de outro quartel, que está abandonado na barra de Monsarás, telha que se pode conduzir facilmente pelo pequeno rio, que vai daquela barra até ao sítio do capitão José Maria Nogueira da Gama, e dali passar-se ao rio Doce, cujo trajeto é mui curto, e a barra de Monsarás fica perto do dito sítio; do contrário perde-se esta telha, porque o quartel, que dantes ficava à boa distância do rio, está hoje junto ao barranco, e não tarda a cair.

Julgo também mui proveitoso construir-se um armazém por conta da fazenda pública, com suas repartições, para estas se alugarem aos comerciantes por conta da mesma fazenda, a fim de terem onde depositem o sal, e mais mercadorias, pois não há ali uma só casa onde o possam fazer: assim aproveitará o público, e a fazenda bem depressa cobrirá a despesa, vindo a lucrar para o futuro.

Com estas precauções e auxílios, contem os incrédulos que é muito boa a barra do rio Doce, e que até pode ser acometida no tempo das cheias com vento fresco desde o sudoeste até leste-sudeste pelo sul, buscando-se sempre as grandes marés em meia enchente, o que já se tem visto.

Artigo IV — Informar que embarcações entram, ou podem entrar no porto.

Por segurança digo, que podem entrar todas aquelas que não demandem mais de 10 palmos d’água, como lanchas, sumacas etc. Além das três embarcações, que eu citei, e vi entrar, e das duas que saíram, já entraram mais duas lanchas, e saiu uma e um iate, com a mesma facilidade, e já se vê em Linhares alguns gêneros de comércio que dantes não havia, como vinho, carne-seca, louça de cozinha etc.

Artigo V — Reconhecer a direção e largura do rio Doce desde a foz no oceano até ao sítio em que ele se precipita nas gargantas e catadupas das Escadinhas etc.

Do que exige este artigo está somente satisfeito o que pertence à distância da foz até ao sítio do capitão José Maria, distância que monta a duas léguas e meia; portanto, a planta responde a esta exigência no maior grau de exatidão que me foi possível; enquanto à velocidade da corrente neste espaço, é variável segundo a direção dos estirões, e da correnteza das águas, sendo mais veloz nos canais, e menor nos espraiados e coroas: próximo aos esganadores e nos mesmos pode reputar-se a velocidade média do rio neste tempo da seca de 45 segundos para 20 braças, e nos baixios, ou fora dos canais, de 55; quero dizer, gasta a corrente 45″ ou 55″ em 20 braças.

Artigo VI — Reconhecer até onde chega a maré, e até onde pode ter lugar o auxílio de velas.

O máximo luxo do mar faz-se sentir somente até meio da povoação dos índios, marcada na planta; e o auxílio de velas pode empregar-se em toda a extensão de duas léguas e meia de rio, que reconheci; daqui para cima a seu tempo direi o que ocorrer a este respeito: a inclinação do leito do rio tornando veloz a corrente, apesar da sua largura, é a causa de não subir mais longe a maré, ainda em águas vivas.

Artigo VII — Indagar a época e duração das enchentes periódicas, e se elas obstam ou facilitam a navegação, no todo ou em parte.

Estas cheias acontecem nos meses em que chuvas copiosas ensopam a superfície das províncias centrais; principiam em outubro algumas pancadas d’água, tornam-se mais repetidas em novembro, e grandes torrentes desprendem as nuvens em dezembro, janeiro, fevereiro, e ainda em março; então os mais humildes ribeiros ficam soberbos e pujantes, e como à porfia vão conduzir as suas águas aos amplos rios, formando-lhes suas enchentes periódicas: tal acontece ao rio Doce, que tem as suas fontes na província central de Minas; é, pois, em dezembro, janeiro, fevereiro e março, que este rio se esforça para romper suas barreiras, principalmente em janeiro e fevereiro, dependendo a maior ou menor veemência de suas cheias de ser a estação chuvosa mais ou menos abundante. O ano passado foi notável a enchente deste rio, subiu a 25 palmos, alagando terrenos que há longos anos estavam intactos das cheias, rompeu o pontal do sul, de não pequena largura, abriu a barra que hoje demora àquele rumo, e cobriria todo o terreno aonde está o quartel da Regência se não trasbordasse, como já disse, logo acima da casa do dito capitão José Maria. Quando para o futuro se empregarem na navegação deste rio barcos de vapor, construídos tanto para servirem no tempo das águas como da seca, ver-se-á que as cheias favorecem a navegação até onde tenho idéias claras do rio, quero dizer até às Escadinhas; porque livremente se navega por cima das coroas, tanto subindo como descendo, havendo só o cuidado de buscar a curvatura dos estirões para cima, em que for menor a correnteza: as canoas podem também navegar para cima naquela época, ou buscando as coroas onde firmem as varas, ou sirgando: e para facilitar-se a sirga tanto a canoas, como a outros barcos, que se venham a empregar nesta navegação, devem descortinar-se os barrancos do mato que os cobre, que geralmente oferecem bom cômodo para a sirga.

Artigo VIII — Informar que embarcações podem ser empregadas na sua navegação.

As ordinárias são canoas de mais ou menos porte; mas frequentando-se a navegação deste rio devem construir-se embarcações de propósito, que demandem pouca, quantidade d’água e satisfaçam, ao mesmo tempo a carregar volumes do maior número de arrobas que for possível; para estas embarcações devem-se preferir-se madeiras leves, serem de fundo de prato, e carregadas que não demandem mais de 4 palmos d’água. Temos barcaças em Campos, que não excedem a 4 palmos d’água, carregadas com 20 e 25 caixas de açúcar, e pode ser melhorada a construção praticando-se o método moderno anunciado este ano nas folhas públicas, e aplicado à embarcações do lote que se pretende.

Artigo XII — Reconhecer a barra, o curso e profundidade do rio dos Comboios, com observações sobre a sua capacidade, ou incapacidade de servir à união do oceano com o rio Doce, defronte de Linhares, pelo rio Preto e enfiada de lagos adjacentes.

Falando primeiro do rio Comboios, digo, que por ele se pode comunicar o rio Doce com o oceano: o Comboios segue em rumo geral ao norte-nordeste e nordeste, quase paralelo à costa; ele deságua no rio Riacho (de que tratarei) por um esteiro de pouco fundo, em repetidas voltas, e de perto de meia légua; navegando aquele esteiro, entra-se em espaçosos, fundos e lindos estirões, limpos e unidos por brandas curvas, de modo que a variação dos rumos destes estirões, ou lagos contíguos, é de uma quarta até quarta meia (a planta n. 2 mostra a direção deste rio), estirões de 200 braças de comprido, e alguns de mais, e largos de 30, 40 e mesmo 50 braças, e seu fundo geralmente de 10, 12 e 14 palmos, e em partes de 20 e 30, e no penúltimo estirão, antes de chegar-se ao arruinado quartel, me aportou o prático de nome Benedito Barbosa, um lugar onde ele pescando emendava duas linhas de 20 braças cada uma para chegar ao fundo! Este rio é fechado por alta mataria, tanto a leste como a oeste, à exceção de alguns espaços baixos junto ao mesmo rio, que ficam geralmente cobertos d’água no tempo das cheias; e a passada subiu por ali a 16 palmos acima da superfície atual do rio, que tem desde a sua barra no Riacho até ao dito quartel arruinado 4 léguas e 3 quartos. É este rio abundante de peixe, como tainhas, robalos, jundiás, carapebas, piáus, acarás, traíras, marobás etc.; e suas matas e margens de caça, como antas, cutias, pacas, lontras, capivaras, macacos, barbados, preguiças, tamanduás grandes e pequenos porcos e animais ferozes, onças; aves, grandes taboiaiás, papagaios, pavoas, mutuns, jacupemas, araçaris e diversas qualidades de pequenos pássaros; as águas são claras, saborosas e frescas neste tempo da seca.

Logo acima do sobredito quartel estreita o rio, e vai ao norte 1/4 noroeste procurar a língua da mataria, que brevemente encontra; para seguir então ao norte-nordeste, começando a ficar atravancado com madeiras, diferentes arbustos, aguapé etc.; o dito prático que me acompanhou, que foi pedestre, e esteve anos destacado no dito quartel dos Comboios, segurou-mo que, andando várias vezes à caça, observara que este rio para cima do quartel vem de lagoas, que se unem, e vão puxando ao nordeste; eu mesmo vi que ele alarga para cima do quartel. Com efeito, a comprida lagoa Parda[ 4 ] fica em posição tal que, dirigindo-se na sua maior extensão ao sudoeste, vem a frontear o rio Comboios, ou lagos seguidos que o formam: aquela lagoa acaba em um brejo, inclinando ele algum tanto para o sul, e ao mesmo rumo sudoeste há um esteiro, que, me afirmaram caçadores ir a outras lagoas; e em Linhares acabam de certificar-me o mesmo, ao que dou inteiro crédito por combinarem as disposições de uns com as de outros; o dito esteiro tem 11 palmos d’água na sua entrada; eu o não segui por estar muito atravancado: a distância da lagoa Parda aos lagos observados do Comboios não é grande, e nada há que faça ajuizar que esta enfiada de lagos não seja continua e sucessiva, acompanhando o grande e largo areal que vai à costa, seguindo do sudoeste ao nordeste.

Do princípio daquela lagoa sobe um braço, que, juntando-se a outro, que parte duma lagoa fronteira à povoação dos índios, formam o rio Preto,[ 5 ] que vai alargando em estirões abundantes d’água, mas muito atravancados por madeiras, que para ali deitaram no tempo das derrubadas para plantações, tempo em que se empregou bastante gente, no serviço dos quartéis da Barra, administrado pelo coronel, já falecido, Julião Fernandes Leão, de cujos quartéis só existe o da Regência arruinado. Acha-se, pois atravancado o rio Preto até ao ponto — A — da planta, seguem-se dali lindos estirões de bom fundo, entre 10, 12 e 14 palmos geralmente, e em partes 16 e 20 neste tempo da seca. Tem o rio Preto desde que principia a alargar em seus aprazíveis estirões 495 braças até ao portinho do caminho que mandei abrir para a lagoa Parda,[ 6 ] e por onde se varou uma pequena canoa para fazer o reconhecimento da mesma lagoa. No fim dos estirões estreita este rio muito, por algum espaço, de maneira que não tem mais de 10 a 12 palmos de largura, e fundo de 4, 5 e 6, ao mesmo tempo que não descreve grandes voltas; o motivo de existir por ali tão estreito é porque de suas margens se estendem sobre ele densas ramagens, crescendo por entre elas o capim; entra depois a ser mais largo e mais fundo, descrevendo então voltas mais fortes até ao ancoradouro, e portinho da Regência, seguindo daqui a leste em estirão de 26 braças até à sua barra no rio Doce, contando-se ao todo desde que principia a estreitar até à dita barra 525 braças. A planta mostra os rumos que descreve o rio até que pelo seu braço direito vai à lagoa Parda, da qual o fundo e a direção também o manifesta a mesma planta; é esta lagoa limpa, de livre navegação, águas turvas, e duma légua de comprido, e somente de 150 braças na sua maior largura.

O rio Preto para baixo dos seus estirões formava, em outro tempo, um medíocre esteiro; mas o coronel Julião o mandou limpar, e alargar desde a sua foz, e de então para cá serve de mui bom ancoradouro aos poucos navegantes que têm freqüentado o rio Doce. Tem portanto, a cadeia de lagos dois escoantes, um para o rio Doce, que é o rio Preto, o outro para o Riacho, que é o já citado esteiro do Comboios; e eis aqui uma comunicação do rio Doce com o oceano, sem ser pela sua barra. Que resta, pois, fazer? Melhorar esta comunicação profundando e alargando competentemente os canais estreitos, que a natureza apresenta, fazendo-se o mesmo que facilmente fez o coronel Julião no baixo rio Preto; cortar algumas voltas nos esteiros, pois o terreno baixo por onde serpenteiam bem o permite, e deste modo se tornará fácil a navegação por dentro desde o rio Doce até à barra do Riacho no oceano.

Respondo mais a este artigo, que pelo rio Preto, e Comboios, nunca se comunicará o Doce com o oceano defronte de Linhares; a planta o mostra. Outra comunicação pode ter lugar fronteando esta vila para o sul, e é pela comprida lagoa de Aguiar e Riacho, que dela nasce, como a seu tempo tratarei depois de medir o trajeto o reconhecer a lagoa e o rio.

Para que o porto do Riacho, de medíocre que é, se torne em uma doca proveitosa a lanchas e a sumacas, precisa fazer-se-lhe os seguintes melhoramentos, ou outros que se julguem mais adequados. O Riacho logo para cima da ilha, ou, coroa de areia perto da barra, apresenta mui bom fundo; está, pois, o caso no curto espaço que, vai dali para baixo, em que o fundo é, em partes de areia, e geralmente de pedra carcomida e arenosa, fácil a despedaçar-se; é mister, portanto, fazê-lo, levar o rio a desaguar na concha ao sul-sudeste,[ 7 ] construir-se um paredão (para o que pode servir a pedra arrancada do leito) da parte do mar, desde a terra firme até ao recife, da Concha, cuja direção se mostra pela linha grossa — A B —,[ 8 ] com 194 braças; é de acreditar que este paredão vá assentar em rocha, senão no todo, ao menos em grande parte, pois que o alvêo do rio e da valeta assim o indica, o que muito convém: desta sorte escorregando pelo paredão as águas do rio, sem grande pressão, por causa do rumo do curso que trazem, irão pela valeta a entrar na Concha, impedindo-se, como se pretende, que o rio rompa o pontal que lho fica a leste, em qualquer ponto, o que torna incerta e de nenhuma capacidade a barra: a atual serve só para canoas, e à do ano passado, também no tempo da seca, aconteceu o mesmo; ela ficava 15 braças mais ao sul da existente: o barranco da margem direita do Riacho será cortado quando se faça mister para dar ao porto a capacidade conveniente. O paredão, e pontal, e os recifes da Concha, suportando a fúria do mar, tornam abrigado o porto, semelhantemente ao de Pernambuco; a boca da Concha não muda, demora a Leste-sudeste, e, colocando-se na terra firme duas boas balizas na direção deste rumo, as embarcações, enfiando-as e correndo à Concha, têm segura a entrada: há nesta Concha outra entrada da parte do sudoeste, que serve para canoas, que venham costa a costa da parte do pequeno rio Saí que fica a uma légua de distancia, aproveitando-se da serenidade do mar, que quebra a sua força na linha do recife, que acompanha a mesma costa alguma distância: a dita concha tem fundo para as lanchas, e sumacas, não sendo estas de grande porte.

O quartel do Riacho é mui necessário, por isso mesmo que não há outro lugar onde se abriguem os caminhantes; ele se acha abandonado, e já em ruína pela parte de trás, tendo ainda as paredes da sala, cozinha, e quartos em bom estado; é, pois, para lamentar deixar-se perder aquela casa por se lhe não assentar nova coberta, que é de palha, e por se não reparar o que está arruinado, conservando ali dois homens que tenham conta dele, e das passagens, do contrário sofre muito o público, e os correios demorados muitas vezes por não haver quem passe, porque os moradores do Riacho ficam distantes, e há ocasiões em que nem existem na sua casa; com aquela mui pouco dispendiosa providência tudo fica sanado.

O porto do rio Preto precisa também melhorar-se, fazendo-se-lhe um molhe capaz para conter as embarcações, que assim ficam ao abrigo de todos os ventos; para isto não há mais que limpar o fundo e margens do pequeno estirão de 26 braças que vai da barra a oeste até ao portinho da Regência, garganta que não precisa alargar-se, e desde o dito portinho para cima cortar-se o barrando de um e de outro lado, a fazer-se o molhe com a forma elíptica, como mostra o retângulo junto à planta n.3.[ 9 ] Com estes melhoramentos aqui temos uma boa e segura comunicação do rio Doce com o oceano.

É pena que o capitão-mor dos índios da vila de Nova Almeida, Francisco José Pinto, falecesse repentinamente na madrugada do dia seguinte ao da sua chegada à margem do rio Doce, ficando assim privado da relação exata da sua viagem desde o rio Piraqué, braço setentrional do rio da Aldeia Velha: todavia sabe-se que aquele capitão-mor dirigiu a picada pela parte superior, ou pelo poente dum morro de nome Cavalinho, para melhor subir ao Pau Gigante, ou ainda acima se lhe fosse possível; isto porque, quando ele, há anos, acompanhou um seu tio na mesma diligência, saiu este abaixo do dito Pau Gigante, deflorando-lhe o mencionado morro à esquerda, ou para o poente; carregou, portanto, em demasia o dito capitão-mor para o noroeste até que, encontrando uma grande lagoa, teve de costeá-la, puxando então para leste, e veio sair muito abaixo do sobredito Pau, com 6 dias de viagem, e de trabalho, o qual sendo praticado por índios é de acreditar que menos tempo se gastaria fazendo-se a picada por outra qualidade de gente: julgo, portanto, que este mesmo caminho, que de certo não segue a direção mais curta, se pode fazer em dois dias: disseram os índios que o capitão-mor tinha tenção de endireitar a picada na volta para Aldeia Velha, tanto ele conheceu a má direção da mesma picada; disseram mais que o terreno por onde vieram é plano, sem dificuldades, nem morros. Por esta exposição, ainda que sucinta, sou conduzido à probabilidade de que o trajeto do Piraqué ao rio Doce, pela direção conveniente, não é grande, e que talvez se possa ainda diminuir usando-se da navegação de alguma das muitas, fundas e grandes lagoas, que acompanham as margens deste notável rio, a mais ou menos distância delas: eu vou mandar dois homens a examinar a picada, para ver escoteiros quanto tempo gastam até ao dito Piraqué.

Juntarei ao expendido as minhas reflexões baseadas em dados positivos: da Aldeia Velha em linha reta ao nordeste à barra do rio Doce contam-se 27 milhas, ou 9 léguas, e se as barras estivessem na linha norte sul contar-se-iam somente 19 milhas ou 6 léguas e 1/3 (lado do triângulo retângulo isósceles); ora, o mencionado Piraquê vai puxando para o sul, em seus respectivos quadrantes de noroeste e de sudoeste, de maneira que os morros do Pau Gigante ficam ao sudoeste 1/4 oeste, de Linhares, e esta vila já se acha em paralelo ao sul do da foz do rio; eis aqui cada vez mais diminuída a distância das 19 milhas contando-se também norte-sul; portanto, aproximando-se, como mostro, o Piraquê do rio Doce, posso assegurar, se me não engana a fantasia, que virá a ser a jornada do trajeto dum só dia, sem fadiga; que proveitosa circunstância! Bem depressa se comunicará pelo novo caminho de Linhares com Aldeia Velha, e abrindo-se outro, pelo grande assentado, daquela vila para São Mateus, virá a distância desta última vila para a cidade a ser muito mais curta e cômoda.

Enquanto ao que exige o Artigo XIII, só direi por agora, que a barra da Aldeia Velha é muito boa, e não mudável, por causa do recife que a limita pelo sul; a qual pode tornar-se excelente, aplicando-se-lhe a máquina de roçagar, para dar mais fundo à sua entrada; o porto é ótimo, as embarcações até estão chegadas à terra, com prancha lançada, como vi o patacho da madeira, achando-se já carregado: pode acometer-se a dita barra com quase todos os ventos, e fica no fundo de uma notável sinuosidade. Quando escrever a Memória em resultado final da minha comissão, falarei do grande local sobranceiro ao porto daquela aldeia para assento duma linda povoação , da totalidade do rio até onde é navegável, e do proveito que dele pode tirar a navegação do rio Doce, facilitando-se o trajeto.

Vastíssimo campo oferece o rio Doce, com seus terrenos adjacentes, para discorrerem e se recrearem os sábios! Enquanto a mim, escasso de princípios, mas não de ardentes desejos de tornar-me útil ao Brasil, esforçar-me-ei quanto me for possível para satisfazer, noutra Memória mais difusa, as providentes vistas do governo.

Linhares, 16 de agosto de 1833.
Luiz d’Alincourt.
sargento-mor engenheiro.

[Publicado na Revista do IHGB, tomo 29, parte I, 1866. Vol. 32, p. 115-38.]
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NOTAS

[ 1 ] No original Comboys.
[ 2 ] Nota do editor da Revista: faltam no manuscrito. Nota do site Estação Capixaba: trata-se, pelo que pudemos entender, dos quatro documentos a que o autor já se refere mais adiante como plantas.
[ 3 ] Nota do site Estação Capixaba: a planta número 1 não aparece no artigo da Revista.
[ 4 ] Nota do site Estação Capixaba: aqui menciona-se uma planta número dois, que também não aparece no artigo da Revista.
[ 5 ] Idem, planta número três.
[ 6 ] Idem.
[ 7 ] Nota do site Estação Capixaba: menciona-se aqui uma planta de número quatro que não aparece na Revista.
[ 8 ] Idem.
[ 9 ] Nota do site Estação Capixaba: planta mencionada anteriormente que não aparece no artigo da Revista.

Luís D’Alincourt nasceu em Oeiras, em 1787 e faleceu no Espírito Santo, em 1841. Foi militar, oficial do Real Corpo de Engenheiros, escritor, ensaísta, memorialista, pensador, ativista, intelectual e pesquisador português radicado no Brasil. (Para obter mais informações sobre o autor, clique aqui)

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