46 anos (?) documentarista em audiovisual, nascida em Aimorés (MG), mora em Vitória desde 1966, residindo atualmente no centro da cidade, onde também trabalha. (20.09.2005)
– Moro há dois anos no Centro e encontro as dificuldades comuns a todas as coisas. Até mesmo as repartições públicas estão se retirando aos poucos. Facilidade pra mim é o Mercado da Vila Rubim. Adoro um mercado, pois acho que um mercado é o maior celeiro cultural de uma região. Pra minhas necessidades o Mercado da Vila Rubim me satisfaz; lá encontro meu arroz integral, flores, temperos. Lá é bastante frequentado, gente de A a Z, desde o que cria um passarinho, ou aquele que quer comprar um queijo de boa qualidade, um peixe de boa qualidade, quem quer temperos frescos. Depois daquele incêndio o mercado ganhou uma roupa nova, ele está entendendo o papel social que ele desempenha, sua estética é muito bonita, suas barraquinhas, seu artesanato em palha. Em termos de preço acho que é o mesmo nível encontrado nos supermercados. Tem a Ponte Seca que a gente conhece como a “ponte dos Palmitos”, pela sua função na Semana Santa. Acho até que ela tem que ficar ali como está, não acho que ela deva ser modificada. A segurança lá melhorou, você não encontra mais menino se drogando. Já naquele trecho indo pra rodoviária é meio sombrio, há um entulho de árvores plantadas.
– Sou frequentadora daquela região, indo pra Santo Antônio, o Cais do Avião, etc., inclusive costumo sair de minha casa, na região do Parque Moscoso, e ir a pé até São Pedro, faço muito isso pela manhã, indo pela orla. Na zona norte sou mais consumidora do espaço da UFES, o qual inclusive achava que deveria estar mais aberto pra projetos culturais. Em Jardim da Penha o que mais curto é o restaurante japonês. Eu gosto de andar mais pelo lado de cá, é meio intuitivo.
– O Centro está maltratado, está abandonado, mas nunca morreu. Não vejo ações concretas pra se resolver isso, inclusive nesta questão do lixo acho que Vitória já foi mais limpa, nossos mendigos estão maltratados, as administrações dos abrigos do município não comparecem muito para recolher esse pessoal, às vezes jogados no chão. A gente deveria discutir mais o nosso cotidiano. Há uma acomodação quando à gente deveria estar discutindo essa transversalidade, da cultura, por exemplo, mas as pessoas resistem. E esse terceiro setor existe, tem o seu cordão de esperança, mas é lavagem de dinheiro, é uma empresa, mas a empresa tem muito mais valor do que a fachada da esperança.
– Quanto à prostituição ela está em todos os lugares, mas me parece que está mais pro lado de Camburi porque aqui a coisa é mais limitada, não passa de doze, quinze putas, lindas, assim dentro da pobreza, são todas conhecidas. Há sim uma tolerância quanto a essa situação, temos até um cinema erótico aqui na Avenida República, uma área de prostituição, em frente a uma delegacia, prostituição até mesmo mais de homens, homossexuais, embaixo de um edifício residencial, de família. Aqui já foi uma região de cinemas, mas esses foram abandonados porque ninguém aguenta pagar um IPTU tão alto, agora é tudo igreja porque não se cobra de igreja, não existe imposto pra igreja. Tem muita loja fechando pra colocar igrejas evangélicas, pentecostais, vejo até como uma ameaça, se dá muito privilégio, vejo como um desserviço, uma exploração de pessoas desesperançadas e acabam entrando nesses espaços, tem muita lavagem cerebral, exercem uma espécie de domínio sobre essas pobres pessoas. Tem que haver algum tipo de vigilância sobre esse desserviço prestado à sociedade. Lembra de São Pedro quando era um lixão? Hoje o bairro é o que mais concentra igrejas por metro quadrado.
– Do que sobrou de nossas tradições religiosas considero muito a procissão de Nossa Senhora da Boa Morte, da [igreja de] São Gonçalo, que reúne umas duzentas pessoas, e a procissão de São Benedito, da igreja do Rosário, que reúne umas quinhentas pessoas e, claro, a Festa da Penha. Das tradições profanas só sobrou mesmo o carnaval, do qual não sou muito fã, apesar de gostar do batuque que acontece nos ensaios, mas não acredito sermos muito fiéis, acho que acontece mais nos balneários.
– A saúde é um caos. Os hospitais parecem um inferno. Vejo aquelas pessoas que estudaram tantos anos, se prepararam e acabam tendo que trabalhar naquele lugar, têm que se adaptar a uma situação de casa dos horrores. Se eu vou lá dois dias seguidos, adoeço. Eu estou falando dos médicos terem de conviver com aquela sujeira. Nossas ruas são sujas. Nossas calçadas estão infestadas de ratos, imundas, nossos mendigos viraram depósitos de doenças e a gente em contato com essas pessoas – o dinheiro que passa na mão deles é o dinheiro que está na nossa carteira.
– O capixaba é retraído, fechado. Olha, eu cheguei aqui mineira há anos e até pouco tempo fui tratada como mineira. Ele tem essa coisa de isso não lhe pertence, quem é você? Sinto que ele faz isso com os cariocas, tem apenas uma aparência; é que nem o preconceito de raça, como se fizesse um branqueamento: eu não digo que você é preto e deixo você ali até eu ter condição de lhe adotar. Esse é o capixaba. Vejo alguns turistas por aí, principalmente; aí é mais fechado. O capixaba conhece superficialmente suas coisas e aí quando elas somem ele não sente falta. Aquela irmandade da igreja de São Gonçalo era de negros e, hoje, só restam dois, que são os sineiros. O dia em que eles morrerem não vai ter mais ninguém negro, nem pra tocar o sino. E aqueles documentos, aquelas peças sacras? É tudo branco agora. O capixaba esquece. Falta até referência nas ruas, que não têm nome, sinalização. O Carmélia, por exemplo, era na curva do Rabaióli, agora tá num bairro que ninguém conhece, tem outro nome.
– Com a expectativa da cidade crescer em função do petróleo eu vejo uma horizontalização. Do mesmo jeito que virão pessoas com grandes salários haverá também aquelas com pequenos salários, fundindo-se com Guarapari, Serra, Fundão. Mas não olhando só pra Vitória, temos que enxergar a civilização como um todo, a demanda de alimentação, a degradação do meio ambiente. Nós aqui estamos sim, acordando um pouquinho pra essas questões. Aqui teremos uma quantidade muito grande de navios, o que vai prejudicar o ar, o mar, pode ficar insuportável. Já temos uma reforma de navio no Centro da cidade, onde há centenas de residências. É barulho, é poeira, e ninguém reclama. Já temos um cais novo da Codesa, vamos ter uma nova marina pra navios perto das Cinco Pontes, tem a Flexibras na Vila Rubim. Acho que o Centro de Vitória está condenado. O prefeito está com uma visão romântica de determinar que a gente deva ter um olhar para o mar. Ver o quê? Teríamos que fazer uma exploração comercial mais pra longe daqui. O que fizeram com o Penedo, com a Pedra dos Olhos, é insuportável. Temos dois grandes parques, o da Fonte Grande e aquele na região das paneleiras. Mas como assegurar segurança, como andar livremente, sem medo? A perspectiva é de maior insegurança. O idoso não convive muito com a cidade. Meu pai teve que ir pra uma região de praia, buscar sossego, senão ele é assaltado, não é bem aceito nos ônibus, o povo não é educado pra se relacionar com o idoso. Temos muitas ladeiras também, o que é ruim pro idoso, pro deficiente também. Não temos calçadas. Cinema tá caro e só tem em shopping. Em sala alternativa, no caso só tem o Metrópolis, o capixaba não frequenta muito não, são dez, quinze pessoas por sessão, numa sala de 200 lugares, e só em filmes de grande apelo você chega a 70% de ocupação. Só acontece cinema cheio no Vitória Cine Vídeo. Propaganda tem, não é falta de mídia. Acho que anos atrás a frequência era maior, talvez pela resistência naqueles anos de ditadura, mas nada perdurou. A frequência em espetáculos locais ficou restrita a grupo de amigos, panelinhas. O pessoal gosta de bar, tem muita tribo. Agora acho que o capixaba lê muito, é bem informado.
– O capixaba come muito em casa a comida mineira, o arroz, feijão com carne, farinha. O peixe está muito caro, é mais coisa de fim de semana.
– O esporte de Vitória é o futebol de areia.
– A cidade é linda, parece um presépio, e as pedras de Vitória lembram isso.
– A cara de Vitória pra mim é o Penedo.
– Os táxis de Vitória são bons, uso muito, não é tão caro.
– Acho que eu diria pra cidade de Vitória ter duas coisas muito importantes. Mente sã num corpo são. Ela deveria investir na cultura, manter uma relação com suas raízes, com sua família, quem foi seu vovô, de onde veio, o que fez, e ter um corpo são, criar espaços públicos pra esportes, quadras de jogos.
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