A colonização alemã no Espírito Santo começou em 1847 com a vinda de emigrantes para o vale do Jacu [ou Jucu] na localidade que tomou o nome de Santa Isabel. Dez anos mais tarde outra colônia foi fundada no vale do rio Santa Maria da Vitória, entre os rios Mangaraí e Santa Maria. Esta colônia dividia-se em duas partes distintas: Colônia Velha, ou de Santa Ma ria, e Colônia Nova, ou de Santa Leopoldina. A Colônia Velha situava-se em uma região distante do uma “légua” ao norte do porto do Cachoeiro, ponto final da navegabilidade do rio Santa Maria. Até a abertura da estrada do rodagem, em 1928, era a única via de acesso da capital ao interior nesta região. Na referida colônia se estabeleceram os primeiros colonos chegados em março do 1857. Eram na sua maioria suíços descontentes com contratos de parceria e transferidos pelo governo imperial de Ubatuba para Santa Maria. O solo na região era em geral pouco e bastante montanhoso. Reconhecendo estes defeitos, mandou a presidência, em fins de 1857, explorar novos sítios que se prestassem melhor ao desenvolvimento da colônia. O local escolhido, veio a constituir a segunda parte dela, a oeste do porto de Cachoeiro e cognominada de Colônia Nova de Santa Leopoldina. Quase tão montanhosa quanto a primeira, era, porém, “mais fértil e cortada de ribeiros cristalinos”.
É interessante notar-se que esta distinção entre Colônia Velha e Nova, que foi feita no espaço de menos de um ano, atualmente não mais aparece no Espírito Santo. Poderia, presentemente haver tal distinção entre os núcleos fundados no século XIX nos já citados vales dos rios Jacu e Santa Maria da Vitória, e aqueles existentes a partir do início do século XX nos vales dos três principais afluentes da margem direita do rio Doce: Santa Maria do Rio Doce, Santa Joana e Guandu. Entretanto, hoje a distinção se faz pela diversidade do clima decorrente da topografia: Terra Fria (alta) o Terra Quente (baixa), com uma diferença de 4 a 5 graus em média. É perfeitamente aceitável e compreensível que o número de descendentes alemães seja acentuadamente maior na Terra Fria, zona serrana com altitude média de 700 a 800 metros, onde 4/5 da população é de origem germânica, enquanto que na Terra Quente somente 1/6 o é.
Para as duas partes da colônia, velha e nova, vieram suíços, alemães, tiroleses, luxemburgueses e holandeses. Os colonos faziam um contrato com o governo, alguns, contudo, não tinham contrato algum “confiados na generosidade do governo brasileiro”. Todos, porém, tinham direito a um prazo (hoje colônia) que era sorteado o formava um quadrado de 250 braças de lado (25 ha.), casa provisória, diária durante 6 meses (subsídio freqüentemente ampliado para 12, 24 meses e até mais, em casos de doença), derrubadas (inicialmente feitas pelos nacionais, e, depois, pelos próprios colonos, pois além de ficarem menos dispendiosas, eram mais uma fonte de renda e evitava uma fiscalização no trabalho dos brasileiros, cuja deficiência acarretava sérios prejuízos. A extensão das derrubadas variava de 1.000 a 10.000 b².
Os prazos de 250 braças de lado, transformaram-se em propriedades, tendo na sua maioria (85%) uma superfície de 10 a 100 ha; metade dos proprietários possui 25 a 75 ha (de 1 a 3 “lotes”). Entre os colonos, quando se trata do tamanho da propriedade, ela se define por “colônia”, que corresponde a 25 ha. Como se observa, foi conservada como padrão, a medida inicial dos prazos.
Nesses prazos instalavam-se os imigrantes alemães em ranchos provisórios que mais tarde serviriam como “moinhos de farinha”. Os pomeranos, segundo um memorial do Dr. Rudio, diretor da colônia, em 1864, eram a “pérola da colônia, gente forte, lavradores de infância, mulheres bonitas, adolescência alegre com faces gordas vermelhas”. Ainda segundo o mesmo depoimento, todos tinham “boas casas definitivas, cobertas com taboinhas, uma casinha para o forno, estrebarias separadas para vacas. bezerros, porcos, aves” e ainda “preparos para socar o café e o milho com água”. Podendo-se “distinguir um Pomerano entre outros colonos à primeira vista”.
Atualmente também distinguem-se ainda os teuto-capixabas dos outros núcleos rurais do Espírito Santo. Conservaram a construção em estuque e a cobertura de “taboinhas” de madeira. Segundo documentos da época, a escolha deste tipo de cobertura foi motivada pelo fato da facilidade de obtenção de madeira, ausência de cerâmica e mais a influência do país de origem. Vamos encontrar, principalmente na zona pioneira, esta cobertura característica. Devido à sua grande durabilidade, é comum encontrar-se, ainda hoje, nas colônias mais antigas, este tipo singular mas eficiente de cobertura.
As casas apresentam um aspecto agradável, sobre estacas (correção da umidade), caiadas de branco, janelas pintadas geralmente de azul e com barras de sustentação pintadas de preto. Na fachada nota-se, para uma adaptação ao nosso clima, a presença de uma varanda com balaústres de madeira que ocupa, às vezes, toda a frente da casa.
Como em 1864, os anexos são numerosos e necessários; surgem eles à medida que as necessidades o exigem: o forno para o pão, o paiol, o chiqueiro, o galinheiro, o terreiro para socar o café, o quitungo (casa de farinha)…
Em 1857 o número de imigrantes que habitavam a região era de 140, compondo-se de 17 famílias suíças com 99 pessoas; 5 famílias de Hannover, com 24 componentes; 2 famílias de Luxemburgo, com 6 pessoas; 1 família prussiana, com 3 elementos; 2 viúvas de Holstein, com 3 filhos cada uma, sendo os mais velhos de 11 e 10 anos. No ano seguinte chegaram mais prussianos e luxemburgueses. Em julho de 1859 vieram os pomerânios, os hessianos com 12 famílias (61 pessoas), os tiroleses e de Baden também chegaram 12 famílias (34). Em 1860 além dos provenientes de Nassau, recebeu a colônia 13 famílias (62) de Westfalia e 15 famílias (68 pessoas) da Saxônia. Para sintetizar diremos que o total de colonos em janeiro de 1861 era de 1.014 pessoas.
Hoje o número do teuto-capixabas é de aproximadamente 72.000 (1960). A grande diferença entre o número de imigrantes — 6 000 (aproximadamente 5.000 de 1847 a 1914 e 1.000 entre 1918 o 1939) — e o de seus descendentes mostra que a expansão da colonização foi devida á forte natalidade. Em 1960 2/3 das famílias de origem alemã tinham mais de cinco crianças.
Quanto às qualificações dos primeiros imigrantes, assim se referia em seu relatório de 1861 o diretor da colônia: “era bem variada, da Baviera, Hannover e dos Estados alemães pequenos temos muita gente e esta é misturada, superior a inferior, alguns quase inválidos. Havia fabricantes de cerveja, marinheiros, mineiros, guarda-livros, músicos, alfaiates, decoradores de teatro, agrimensores e até mesmo alguns lavradores”. Os pomerânios, citados em todos os relatórios como os melhores colonos, “gente forte e incansável foram na sua pátria servos dos proprietários, aqui são possessores da suas terras e muito contentes com as suas sortes”. Os Westfalos, os renanos e os prussianos também, de um modo geral, eram bons trabalhadores, embora existisse “entre eles alguma gente que não prestava para a imigração”. Os tiroleses também são citados como bons trabalhadores, apesar de ”na Alemanha serem conhecidos como uma nação de preguiçosos; em Santa Leopoldina isto não se pode dizer”, Os saxões, operários de fábricas, desconhecendo o trabalho na lavoura, achavam-no pesado, encontrando sérias dificuldades para o seu progresso.
As qualificações citadas não correspondiam, em Santa Leopoldina, a uma diferenciação social, uma vez que ali todos os imigrantes começaram como lavradores, nas mesmas condições e com as mesmas oportunidades. A constituição de classes sociais foi se firmando com o correr dos anos como uma decorrência do sistema no qual se baseou a colonização: a propriedade da terra, com interferência do grupo étnico. Hoje encontramos nas classes sociais dois grupos: os proprietários e os que não possuem terras. Entre estes últimos temos os assalariados e os meeiros. Os assalariados correspondem às criadas, o diarista ou “camarada” e os meeiros. As criadas vivem em condições muito modestas e ocupam uma posição muito humilde; percebem como ordenado uma insignificância, menos de 1/3 do que recebe o diarista. Este, em 1960, ganhava do 50 a 100 cruzeiros antigos por dia. A procura do seus serviços é pequena; em zonas pioneiras, onde os homens não são suficientemente numerosos para derrubada, plantio e colheita, encontram estes proletários mais trabalho. Os meeiros dividem com os proprietários a metade do que plantam e colhem da cultura principal; das culturas secundárias (geralmente de subsistência) conservam a totalidade ou reservam uma fração para o dono da terra. Em troca este lhes fornece alojamento, utensílios, sementes e eles entram com o serviço. Alguns meeiros têm uma renda superior aos pequenos proprietários e conseguem, após alguns anos, adquirir seu próprio lote. Constituem 40% dos exploradores agrícolas, apesar da animosidade e desconfiança acentuadas e recíprocas.
Quanto ao proprietário há os pequenos (com menos de 10 ha., 6%), médios (com 10 a 100 ha., 85%) e grandes (mais de 100 ha., 9%). A renda vai depender do tamanho da propriedade e o valor desta depende, em parte, do estado dos cafezais e, principalmente, das matas restantes. Entre os proprietários, pois todos ou quase todos o são, encontramos os comerciantes, que representam a elite, a classe mais rica e poderosa, cujo prestígio tem relação com o seu grau de riqueza, que surge como resultado de atividades que vão desde a casa do comércio puramente rural, com pequeno raio de ação (3 km mais ou menos), até a grande casa comercial, quando o seu raio de atividade chega a atingir até 30 km.
A situação atual, do ponto do vista comercial, não difere muito da do século XIX. Um dos problemas do abastecimento da colônia era o custo dos transportes, que até hoje se faz sentir. O produto que o colono tem para vendar e o que necessita comprar é onerado pela despesa com o transporte resultante da distância que o separa do centro que consome e abastece. Esta situação oferece vantagens somente para o comerciante, que na maioria das vezes, é o próprio transportador, percebendo lucro na compra e venda da mercadoria e, ainda, no seu transporte. Com a expressão “o que têm os colonos para vender é barato e o que eles têm para comprar é caro”, percebe-se que já se queixavam deste problema os diretores da colônia. Diante desta situação, em 1862 sugeria um dos diretores a desapropriação de lotes no Porto do Cachoeiro que seriam aforados por comerciante, oferecendo-se assim mais recurso aos colonos. Procurava, também evitar com isto “as demoradas e prejudiciais viagens” que faziam os colonos à capital”.
Constata-se hoje que os colonos jamais se tornaram auto-suficientes. Em 1860, o barão Pfuhl, diretor da colônia de Santa Leopoldina, dizia que o colono era mais especialista na lavoura e negociava mais com os produtos que o fazendeiro brasileiro, cuja ambição era “que sua lavoura, a sua fazenda lhe produza tudo do que precisa e assim é que há tão pouco comércio, entre duas províncias como são Minas Gerais e a do Espírito Santo”. Já em 1865, o diretor Rudio acusava 4 ou 6 “vendas” existentes no Pôrto de haverem desvirtuado a sua função dando lugar a “bacanais a paixão excessiva de jogar”, transformando Santa Leopoldina na “colônia da miséria o do mistério”. O futuro iria demonstrar que o comércio estava fazendo a fortuna do Pôrto, e que o transformaria na mais importante cidade do Espírito Santo no início do século XX , com a existência ali de casas comerciais que operavam diretamente com o exterior, principalmente com a Alemanha. Durou pouco este apogeu. Hoje não encontramos em toda a colônia teuto-capixaba uma casa de exportação-importação.
Além do papel importante do comércio, temos também que salientar o que desempenhou e vem desempenhando a Igreja representada pelo pastor e sacerdote. Desde o início da colonização era preocupação constante dos colonos e dos próprios diretores a instalação regular de serviços religiosos. Em 1861, o diretor Rudio atribuía os desmandos dos colonos à falta de assistência religiosa e estes desmandos chegavam a tal ponto que ele se envergonhava “de pertencer com esta gente à mesma nação, que esquece Deus e suas obrigações para o Estado, para seus semelhantes e para a humanidade”. Para o referido diretor, filho de “uma família huguenote, que deixou a França depois da revogação do Edito de Nantes, sem ser fanático”, o principal problema da colônia era “a rudeza geral e a incivilidade selvagem”; e somente “a religião poderia domar esta bravidade”. Não havia na época nem escola, nem igrejas. Entre os protestantes, queixava-se ainda o mesmo diretor, “18 casados esperam a bênção da Igreja, talvez 30 crianças não são batizadas o não receberam há 20 meses a eucaristia. São o que isso podem mais do 700 almas”. Continuando na sua queixa, estranhava o fato do Santa Isabel possuir naquela época (1862) um eclesiástico quando contava com apenas a metade dos 720 protestantes que residiam em Santa Leopoldina e aguardando a assistência religiosa. Neste mesmo ano propunha o mesmo diretor a construção de um templo protestante com a sua ajuda financeira e a dos colonos. “Mesmo os católicos se declaram prontos para ajudar, mas excusei seus serviços, dizendo que seja causa de família protestante”. Afirmava que a concórdia religiosa era ótima na sua colônia, ao contrário da de Santa Isabel, e que ele manteria esta ordem “com uma energia, donde me creio talvez não capaz”. Queixava-se ainda o mesmo diretor não terem as autoridades tomado as providências necessárias na época da fundação da colônia, reservando prazos para capelas, escolas e cemitérios . Os cemitérios eram separados, havendo dois para os católicos e somente um para os protestantes, embora estes constituíssem a maioria. O motivo desta disparidade era o fato do culto protestante “não prescrever a terra sagrada” e porque muitos colonos preferiam enterrar seus mortos no prazo onde viveram”.
Em 1864, recebia o diretor ordem para apresentar um projeto para a edificação da Igreja Católica, entendendo-se, para isto, com o capelão da colônia, frei Adriano Lauschner.Apresenta o orçamento de .4:556$786 e organiza o projeto do edifício que seria construído de “pau-a-pique, tendo a nave trinta palmos sobre cinqüenta, o coro 8 sobre 28 e a sacristia 30 palmos, o que dava “uma capacidade para 350 e 380 pessoas”.
Em 1868, servia ainda de capelão o padre missionário frei Adriano Lauschner e para a culto protestante o pastor Germano Reuther. Não tendo os protestantes recebido o dinheiro prometido para a edificação da Igreja, começaram a construção às próprias custas.
O papel da Igreja dentro da zona de colonização alemã continua a ser muito importante. Inicialmente os ministros tinham dupla influência moral e pedagógica. Com a proibição de se ensinar em alemão, esta última influência desapareceu, o que não impediu que grande parte do prestígio dos padres e pastores, que resido no fato de serem as pessoas mais cultas da colônia, continuasse em evidência. É também na Igreja, aos domingos e dias de festa, que se reúnem os colonos para que ao mesmo tempo em que cumprem seu dever religioso, possam também se distrair. Deslocam-se em “animais de sela” ou em bicicletas. Depois do ofício religioso ficam os homens de cócoras (à moda cabocla) conversando. É uma oportunidade de distração num meio, onde ela é escassa ou nula, já que o trabalho na lavoura absorve-lhes todo o tempo disponível (de sol a sol).
O café aparece como a principal cultura secundada pela “lavoura branca”, responsável pelo alimento diário. Com o milho, feijão e mandioca suprem eles suas cozinhas pobres.
Já em 1861, a situação não ara diversa. Desde aquela época os colonos depositavam todas suas esperanças na cultura dos cafezais: “se pudermos vender café, acabará nossa miséria e seremos lavradores completos”.
Mas a maior parte dos imigrantes lutava “naturalmente com obstáculos provenientes não somente de seus defeitos físicos e morais, mas também do emprego em um serviço novo e penoso para elles”. E tanto isto era verdade que “os colonos mais abastados e com culturas mais prósperas ‘eram’ os que tinham sido agricultores em sua pátria tais os pomerânios e a maioria dos luxemburgueses. O desejo de lucro imediato também levava os colonos a fazerem a derrubada em áreas de mata maiores do que as que realmente necessitavam, tendo em vista o dinheiro com que lhe seriam pagos os seus serviços. Devia ainda se acrescentar a diferença nossa lavoura. e a da Europa: “o lavrador brasileiro derruba, queima a planta suas terras até ser muito cansada, que não dê mais colheitas, depois do qual derrubam o outro terreno. É outra coisa com o colono alemão”.
Hoje não podemos mais repetir as palavras do citado diretor, pois o colono alemão não mais difere do lavrador brasileiro do século XIX, que não evoluiu até hoje. A técnica agrícola nas zonas teuto-capixabas é precária, quase todo trabalho, 99%, é feito à mão, com pouco rendimento e muito desgaste. A este desgaste físico soma-se o desgaste da terra. O sistema de queimada, a erosão intensa provocada pelas chuvas violentas caindo sobre grandes declives onde, sem cuidado e nenhuma precaução, estão situados os cafezais, provocam uma desastrosa transformação, substituindo, após algum tempo, por abandono, a cultura do café em desfigurado capoeiral. Contudo este sistema tradicional de cultura de café com sistema de rotação das terras foi substituído numa pequena parte da superfície da zona teuto-capixaba no distrito de Santa Maria, município ao Santa Leopoldina, onde nos fundos dos vales, em lugares impróprios ao plantio do café se desenvolve com sucesso, obedecendo a processos modernos, a cultura de legumes que conseguem, agora, graças a algumas estradas de rodagem, alcançar Vitória. Infelizmente, porém, este conhecimento moderno de agricultura (com irrigação o adubação) e boas estradas ainda são raros na paisagem espírito-santense.
Na zona de colonização alemã encontramos associação entre a cultura e a criação, fato que já preocupava o diretor no tempo da colônia quando ele afirmava “que somente lavoura junto com criação daria a Santa Leopoldina a força necessária para se tornar uma das melhoras colônias do Brasil”. Acrescentava ainda que “o único remédio de melhoramento do chão é a estercação e por esta conseqüência a criação do gado vacum”. Nas suas sugestões diz ainda no relatório que a adubação podia ser aplicada “na forma de composto”, como aplicava na sua terra nos vinhedos do Reno, ou ainda “pela troca de terra”, fazer “dois ou três anos de pasto, depois arrancar e acumular as relvas, fazer apodrecer-lhe e plantar mandioca, feijão a outras plantas”. Sistema semelhante a este encontramos sendo feito apenas por um colono alemão, homenageado este ano como agricultor modelo do Espírito Santo. Sua cultura principal é a cana associada à do milho ou à do feijão.
Aliás, na alimentação dos colonos tanto o feijão como o milho (Brot) têm uma grande importância, sendo que as preferências são em ordem decrescente: feijão (75%), arroz (43%), batata (28%), carne(14%) e ovos idem. Dão preferência ainda, naturalmente, pela facilidade de criar, à carne de porco e galinha, que não falta nos domingos e dias de festa. Fazem três alimentações diárias: café da manhã (brot, café puro ou com leite, linguiça manteiga e geleias), almoço e jantar. Alguns fazem ainda uma quarta refeição “café da tarde” (hábito bem difundido no Espírito Santo e quiçá no Brasil). Este caminho de adaptação é ainda acentuado pelo uso generalizado de cachaça, que já era reclamada pelos colonos em 1859 no Porto, enquanto aguardavam a distribuição de lotes, “os 139 colonos gritam por aguardente e por negros ou animais para conduzir suas cargas pesadas”. Mo relatório de 1861, declarava o diretor que os alemães achavam mais lucrativa a plantação de batatas doces e “para dizer a verdade”, continua o mesmo, “que me parecer que se mudou o gosto de nossa colônia”, dando preferência “às batatas doces, dizendo que acham insípidas as batatas inglesas”.
Houve, portanto, a assimilação de muitos hábitos, mas não uma integração dificultada pelo isolamento em que se encontram a pelo desconhecimento da língua portuguesa.
Desde a início da colonização, os diretores reclamavam escolas para os recém-chegados. Em 1864 , para um total de 664 crianças, dos quais 280 em idade escolar, havia três aulas com 116 alunos:
1 – A de Manoel Passos, 6 alunos.
2 – A de frei Adriano Lauschner, 25 alunos.
3 – A do pastor Germano Reuther, 85 alunos de 13 a 18 anos. Depois receberiam instruções os de 6 a 13 anos. O objetivo do pastor era que seus discípulos pudessem ler a Bíblia, ameaçando de não dar a bênção do casamento a quem não soubesse ler ou escrever.
O professor brasileiro, além de ter a sua classe longe da colônia, em Ribeirão dos Pardos, tinha, ainda, contra si, o pouco conhecimento do alemão; ganhava 400$000 por ano.
O padre e o pastor trabalhavam gratuitamente tendo, contudo, o primeiro recebido 200$000 para instalação e utensílios da escola em 1864. No mesmo ano o pastor construiu, com o dinheiro da comunidade protestante, uma casa provisória com um quarto e uma sala de aula; foi prometida, em 1866, uma ajuda do governo imperial de 750$000 para dar “começo às obras do edifício protestante e para escola das primeiras letras da colônia de Santa Leopoldina”. Não tendo recebido o dinheiro, os protestantes iniciaram a construção dois anos depois às próprias custas. Não sendo subvencionada [a escola] pelo governo, os pais dos meninos pagavam ao pastor anualmente, para o ensino de um aluno, seis dias de serviço na lavoura do prazo da igreja protestante; para dois, três ou mais, o tempo de serviço era respectivamente 10 e 12 dias de trabalho. O ensino era dado em língua alemã, apesar da insistência dos diretores no sentido que ele fosse orientado em língua portuguesa.
Esta situação perdurou até que o governo brasileiro proibiu o ensino em língua estrangeira. Mesmo assim, o emprego da língua alemã é extraordinariamente difundido entre os teuto-capixabas. Os velhos ignoram o português, os adultos se exprimem no nosso idioma sem dificuldade e as crianças são bilíngues. O nível cultural de nossos colonos é muito baixo; apenas o ensino primário está ao alcance de todos; o ensino secundário, assim como o superior, é um privilégio dos mais ricos, cujo número é bem reduzido entre os teuto-capixabas.
De dois fatos expostos, parece-nos possível tirar algumas conclusões, tais como:
– a contribuição quantitativa de um núcleo de população ativa que não pôde ainda desenvolver todas as suas potencialidades;
– a existência de “brasileiros de origem” que vivem, como tantos outros brasileiros rurais de condições modestas, esquecidos e mal recompensados;
– a maneira como a situação no século XIX difere tão pouco da atual, permanecendo os colonos numa rotina que vem durando um século, o que dificulta a sua integração com seus irmãos brasileiros, que procuram cada vez mais elevar seu nível cultural para sair de sua frustração econômica o social.
Os colonos ainda não tomaram consciência dos seus deveres o direitos. Não perderam o hábito de viver isolados num meio onde as comunicações limitadas dificultam o contato com outras comunidades. A vida exclusivamente agrícola ocupa a mente e o corpo num só sentido.
A religiosidade intensa restringe ainda mais vôos de liberdade, os comerciantes poderosos exigem dinheiro e o respeito apreensivo, os ministros de culto, influentes, dominam facilmente a sociedade local, e as tradições de seu país de origem são mantidas em língua alemã usada cotidianamente. O círculo, portanto, envolve e, muitas vezes, isola toda uma geração de brasileiros.
Entretanto são vários os caminhos a serem percorridos para que haja uma perfeita integração. Urge a modificação do sistema atual de agricultura, pois as observações demonstram que o solo é destruído impiedosamente, sem nenhuma preocupação de conservação. Urge a abertura de estradas que possam levar a cidade ao colono e o colono à cidade. O que não se compreende é que atualmente a situação estudada, os problemas equacionados, as soluções encontradas, não se faça mais por este bravo povo do campo tão cantado, tão sofrido. Muitos deles descendem de avós que trocaram os louros trigos pelo café moreno o amargo. Eles bem merecem mais colégios, melhores ferramentas, maior produção, melhor mercado e isto só será possível quando as estradas se multiplicarem, no nosso estado e dentro do Brasil, ligando povoados vilas, cidades a pequeninos núcleos onde um pastor, um comerciante alguns proprietários e muitos proletários não se sentirão mais sós.
[FERREIRA, Ângela de Biase. Notas sobre os alemães no Espírito Santo. [Trabalho apresentado no II Colóquio de Estudos Teuto-Brasileiros, em Recife-PE, em abril de 1968 e publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo. Reprodução autorizada pela autora.]
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Ângela de Biase Ferrari nasceu em Vitória, 1923. Graduada em História e Geografia pela Universidade Santa Úrsula-RJ, desenvolveu muitos trabalhos de pesquisa na área de Geografia, à qual se dedicou com maior intensidade. Professora aposentada da Ufes, onde lecionou de 1955 até 1985. Publicou vários artigos.