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O alegre mês das raias

Foto: Guilherme Santos Neves.
Foto: Guilherme Santos Neves.

Pode ser que nos enganemos. Pode ser que, como nos garantiu um garoto capixaba — “as brincadeiras infantis não têm tempo: basta um ou dois meninos fazerem uma, para os outros invejarem”. Mas, o certo é que, neste ano de 1950, o mês de abril foi o mês das raias e papagaios

Lá para os fins de março, empinou-se a primeira raia; alteou-se, bonita, nos ares capixabas. E, como se de fato a inveja dominasse a garotada toda, logo, outra, e mais outra, e muitas outras, de várias cores e diferentes formatos — retangular, hexagonal, “estrela”, “roncador”… — lá se alçaram também, enfeitando e colorindo os claros céus de Vitória.

A “febre” cresceu no mês de abril. Em cada elevação de terreno, empinavam-se papagaios. Vimo-los, soltados do morro Moscoso, do Cabral, do São Francisco, do morro dos Alagoanos, dos altos junto às igrejas de São Gonçalo e do Rosário. E nas praias, e nos bairros, e por toda a parte, moleques, satisfeitos da vida, empinavam suas raias garbosas e multicores.

Depois — e, precisamente, nos derradeiros dias de abril como se um vento mau os levasse ou destruísse, desapareceram do céu os belos papagaios.

Hoje, os céus estão tristes e vazios, sem as raias azuis, vermelhas, verde-amarelas, coloridas. Hoje, delas só restam, pendurados dos fios e das árvores — seus maiores inimigos — os disformes esqueletos das flechas partidas e sacudidos ao vento, os esguios farrapos dos rabichos…

[Artigo publicado em Folclore, Vitória-ES, n. 5, de março-abril de 1950]

Guilherme Santos Neves foi pesquisador do folclore capixaba com vários livros e artigos publicados. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

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