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O antigo Bosque

Quando escrevia sobre a história do Convento de Nossa Senhora da Penha, tive a oportunidade de relembrar uma formal discussão havida entre o guardião do convento, Padre José Lidwin e o prefeito de Vila Velha, o engenheiro Antônio Francisco de Athayde. A esta parte da história a imprensa da capital deu o nome de “O polêmico Morrinho”. Quando avançava na narrativa, ocorria-me um outro fato antigo que, por várias vezes, ouvi de pessoas mais antigas e eram referidas ao “Bosque”, que fazia parte do Morrinho.

Em primeiro lugar, é importante descrever a geografia do local desta narrativa. O Morrinho é uma extensão baixa do morro do convento, ou seja, a parte que se estende paralela à Rua Luiza Grinalda fazendo divisa com os quintais das ruas Luísa Grinalda e parte da Rua Dom Jorge Menezes. Em resumo, o Morrinho é uma parte do morro do convento que fica situado entre o portão de subida de veículos ao convento até a área do antigo matadouro municipal que existia na rua Don Jorge Menezes. E o Bosque estava exatamente na parte mais alta do tal Morrinho. Devemos lembrar que transcorria a época em que ainda não havia sido construído o portão de veículos, como também ainda não existia a atual casa do vigia, um pouco acima do atual pórtico no início da subida de automóveis, de frente para a atual rua Vasco Coutinho. Salientamos que o Morrinho e o Bosque estão situados nos limites da área de propriedade da Ordem Franciscana ou da Igreja e transcorriam os primeiros anos do segundo decênio do século passado.

Podemos dizer que o Bosque surgiu da necessidade de expansão das atividades agrárias destinadas ao consumo dos que moravam no mosteiro, dentre eles frades, irmãos leigos, auxiliares do templo e dos antigos escravos que lá viviam. O plantio de hortaliças, viveiros para animais domésticos e serviços desse gênero ocupavam as adjacências mais elevadas do campinho, no alto do outeiro.

No auge do fervor da fé católica, as oferendas a serem entregues a Nossa Senhora eram, quase sempre, feitas com os bens que representavam o que de melhor poderia um crente dar de presente à mãe de Jesus e mãe dos homens, ou seja, cada pessoa ou grupo de romeiros oferecia o melhor que tinha ou que produzia, como por exemplo, sacos de feijão, de farinha, cabrito, galinha, vaca, porco etc. Por essa razão, chegou a ser instituída a figura do Síndico dos Bens que eram doados a Nossa Senhora, isto é, os frades franciscanos escolhiam, entre os moradores da cidade, alguém que ajudasse na tarefa do recebimento e no encaminhamento adequado dessas oferendas. Para isso foi preparada uma área destinada à criação, ao cultivo e à guarda de tais donativos.

Em decorrência do preparo de local específico para tais finalidades, após a remoção, limpeza, preparo do terreno, confecção de cercas, viveiros, estábulo, plantio de pastos e plantas forrageiras, surgiu o Bosque sobre o tal Morrinho. Esse Bosque foi sendo descoberto lentamente pelos fiéis que trataram de propagar as amenidades e os encantos do lugar, proporcionados pelas sombras acolhedoras das inúmeras árvores seculares e pelo frescor da brisa constante desta nossa região privilegiada. Após as missas matinais, os devotos desciam e a parada no Bosque para um breve papo com o amigo ou amiga passou a ser fundamental para os moradores de Vila Velha e, principalmente pelos romeiros e visitantes. A freqüência foi aumentando, vieram os primeiros vendedores de guloseimas. Ir ao Bosque para um papo sem compromisso ou para comer muchá, bolinho de arroz, cuscuz, pé-de-moleque, chupar roletinhos de cana caiana ou deliciar-se com frutas da época virou moda na cidade.

Não há hoje quem possa imaginar a grandeza desse programa no mês de abril, durante o período de preparação e no dia da Festa da Penha. Vila Velha transformava-se na capital das amenidades, do viver sem medo, sem pressa, do sorriso constante, da alegria contagiante, dos namoricos elegantes, do amor sincero ao próximo, do querer bem a todos, da vida abundante em alegrias assim como desejava Nossa Senhora da Penha, porque ela era a própria Nossa Senhora das Alegrias.

E o Bosque, no mês dedicado à santa, passou a receber mesas e bancos rústicos de madeira, para que os romeiros e visitantes pudessem ocupá-los com seus familiares. As mesas e bancos fixos determinavam os lugares próprios para os piqueniques das famílias.

Como na vida tudo tem começo e fim, pudemos ver que, no final dos anos 30, nada foi diferente com o Bosque. Com a queda de freqüência das famílias e dos amantes da vida ao ar livre, o lugar passou a ser preferido pelas donzelas mais levadinhas da sociedade vila-velhense que gostavam de ir para lá com os seus namoradinhos. O Bosque conheceu fama de impróprio para famílias. Por fim, surgiu a presença dos marginalizados (nada mais que mendigos), que já tentavam fazer barracos para morar. Logicamente, o guardião, responsável pelo patrimônio da igreja, não encontrando solução através das autoridades para impedir o mau uso do lugar, optou pela interdição do uso público do Bosque. Construiu cerca de arame farpado, colocou portão com cadeado e transferiu a casa do vigia para o local pondo um ponto final no tal “Bosque” que tantas amenidades proporcionou a todos os capixabas, em especial aos antigos moradores da pacata Vila Velha.

Mais tarde, foi aberta a estrada para veículos que ficou por alguns anos com piso de terra e só recebeu calçamento e obras de embelezamento nos primeiros anos de década de 50. Essas obras foram inauguradas em 1952 e apresentam-se como são vistas ainda hoje.

[Reprodução autorizada pelo autor.]

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Jair Santos é arquiteto e professor aposentado, natural de Alegre, ES, autor dos livros Vila Velha, onde começou o Estado do Espírito Santo e A igrejinha do Rosário.

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