Pojichás ou botocudos. |
Bugres
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Em 1815, O Príncipe Maximiliano de Wied-Neuwied chega ao Brasil, cuja fauna estuda, à testa da primeira comissão científica que visita o nosso território, no século XIX, ainda no seu primeiro quartel. Percorre-lhe a zona litorânea desde o Rio de Janeiro até a Bahia e, fazendo algumas entradas para o interior, põe-se em contacto, com as tribos selvagens do Vale do Rio Doce e do Jequitinhonha e algumas do baixo Paraíba; recolhe, diretamente e por meio de informações fidedignas, os elementos com que organiza vocabulários da língua dos Meniéns, Cotoxós, Machacalis, Pataxós, Macunis, Camacãs ou Mongoiós, bem como dos Coroados-Puris e Coropós do Rio Doce; dos Botocudos do Mucuri e do Belmonte sobre os quais logrou reunir os documentos mais interessantes.[ 131 ] Quase na mesma época em que viaja pelo Brasil o sábio príncipe alemão, inicia as suas longuíssimas e demoradas excursões pelo interior do nosso país o ilustre botânico francês Auguste de Saint-Hilaire, chegado ao Rio de Janeiro em 1816; percorre sucessivamente o território do Rio, de São Paulo, Minas Gerais, Goiás e toda a região costeira do Brasil meridional até a foz do Rio da Prata; estuda-lhe mais especialmente a flora e a fauna, mas procede a investigações muito variadas e interessando à etnografia indígena, à geografia e à história. Deve-se a este sábio viajante notável contribuição para o estudo das línguas dos selvagens como os Caiapós da região das cabeceiras de São Francisco, os Coroados do Xopotó, os Machacalis, Macunis, Malalis da região de Minas Novas, que ele atravessa em todas as direções. Os Botocudos merecem-lhe particular atenção e ele os descreve com minúcias só possíveis a quem estuda muito de perto e acuradamente. [Teodoro Sampaio, Os Naturalistas Viajantes, pp. 17 e 18].[ 132 ] |
CAPÍTULO I
Mata gigantesca. Índios. VIII Congresso de Geografia. Excursão à Cachoeira da Serra. Detidos por indígenas. Fazendeiro flechado. |
Vimos que o Rio Doce, em 1905, exibia a margem esquerda, a partir de Linhares, deserta de gente civilizada. Só em Figueira estrelara um grupo de patriotas, representado pelo Cabo Máximo, Professor Ilídio e Tenente João Coelho, que resolveu, com decisão, engrandecer o arraial de Ibituruna. Também a margem esquerda do Piracicaba, que seria coleada pela estrada de ferro, não era habitada até Antônio Dias.
Do Rio Doce para o norte a mata gigantesca estendia-se até à Bahia, exceto em São Mateus, onde houve penetração no braço sul do Rio Cricaré, e foram criadas a colônia de Santa Leocádia no Rio Bamburral, afluente do Rio São Mateus, e Nova Venécia, por instâncias do Barão dos Aimorés, do oficial de Marinha Constante Gomes Sudré e de outros fazendeiros devassadores daquela região habitada pelos aborígines.
Grande parte da área encravada entre os Estados do Espírito Santo, Minas e Bahia não havia sido invadida pela civilização. E ainda em 1926 S. Fróes Abreu em Alguns aspectos da Bahia respigava, em relação à Bahia:
A área de cem quilômetros de largura por trezentos quilômetros de comprimento, que constitui os municípios baianos desde Una até a fronteira com o Espírito Santo, tem uma população de 2,8 habitantes por quilômetro quadrado. Há por aí grandes trechos de matas ínvias, não dizemos virgens porque constituem o habitat dos nossos irmãos que ainda não se adaptaram às nossas convenções sociais.[ 133 ] |
Em novembro desse mesmo ano se realizou em Vitória o VIII Congresso Brasileiro de Geografia e o venerando General Rondon, em conferência proferida no vasto salão do Cine Central, referindo-se à ação dos cinquenta e nove estabelecimentos instituídos pelo Serviço de proteção aos índios, esclarece:
Do ponto de vista numérico, é difícil, no meio dessa versatilidade toda, chegar a indicações precisas. Enormes são as variações estatísticas: há casos em que os números ascendem a milhares, como nas tribos do Alto Rio Branco, nas dos Caiuás, dos Terenas, para descer noutros casos a poucas dezenas como nas resumidas populações do Espírito Santo e Minas Gerais.[ 134 ] |
Em 1905, quando a construção da Estrada de Ferro de Vitória a Minas se aproximava do Rio Doce, não havia sido ainda estabelecido o Serviço de proteção aos índios no Vale do Rio Doce, o qual só foi instalado em 1910.
Decorria o ano de 1901 quando um grupo de dezessete pessoas do qual fazíamos parte com meu pai José Abel de Almeida, meu tio agrimensor Manoel Durães, meus primos Manoel Francisco de Almeida e Olindo Gomes dos Santos e o mameluco Ulisses Mota excursionamos ao braço norte do Rio São Mateus ou Cricaré para pescar e caçar. Transportamo-nos em canoas, que arrastávamos por terra nas diversas cachoeiras, que íamos encontrando. Por vezes era a jornada perigosa e, quando chegamos à Cachoeira da Serra, fomos imprevistamente cercados por indígenas, que, por três dias, nos detiveram.
Algumas palavras articulavam em português. Um, que supusemos ser o capitão de maloca e a quem os outros obedeciam, chamava-se Luís. Acreditamos que fossem da tribo dos Pojichás e que procedessem do Itambacuri, de um dos aldeamentos ali fundados pelo Padre Frei Serafim de Gorízia, porque faziam pela manhã, quando se despertavam, o sinal-da-cruz.
Éramos dezessete civilizados acompanhados, continuamente, por igual número de selvagens, que, à noite pernoitavam conosco. Os outros sumiam-se na mata. As mulheres e as crianças apareceram-nos ao amanhecer do quarto dia quando nos retirávamos, depois de presentear a maloca com mantimentos e ferramentas.
Não nos ameaçaram. Uma vez, porém, tomaram dos arcos e flechas para agredir o cozinheiro de quem desconfiaram.
Admiraram-nos as espingardas de cartuchos e as carabinas Winchester. Convidaram-nos para sermos seus aliados e atacarmos os índios do sul, do Rio Doce, os Crenaques.
A todo momento protestavam que eram amigos: jac-geme-nuc e, por fim, todos nós repetíamos a frase da amizade: jac-geme-nuc, jac-geme-nuc…
Ainda, em 1901, um dos filhos do Barão dos Aimorés, Eleosipo Rodrigues da Cunha, foi flechado em pleno cafezal na fazenda de Santa Rita, município de São Mateus, de propriedade do Engenheiro Antônio dos Santos Neves, por um índio do Rio Doce, provavelmente da tribo dos Crenaques.
Eleosipo restabeleceu-se, depois de mais de noventa dias de tratamento. Atualmente mora no Rio.
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NOTAS
[ 131 ] Reise in Brasilien.
[Reprodução da primeira edição publicada pela Livraria e Editora José Olympio, Rio de Janeiro, em 1959, como parte da Coleção Documentos Brasileiros. Publicado originalmente no site em 2004.]
Ceciliano Abel de Almeida (autor) foi engenheiro da Estrada de Ferro Vitória a Minas, tendo trabalhado nos primórdios de sua construção, sendo também responsável por importantes obras de infraestrutura no Estado. Foi o primeiro prefeito de Vitória, ES, professor de ensino secundário no Ginásio Espírito Santo e primeiro reitor da Universidade do Espírito Santo, quando de sua fundação como instituição estadual.