Peça infantil de Tércio Ribeiro de Moraes
Texto inédito escrito em 1984
CENA I
MAGMA – Ah! Oh! A solidão é tão boa, é tão ruim! Sozinha posso fotografar o tempo, crisantemar montanhas, ou então comer um bom sanduíche de sanduíche com sanduíche. É tão bom…
Mas, por outro lado, é tão ruim… Não posso barafustar bagunças, espiralar labirintos, ou… ou, por exemplo, decodificar paralelepípedos…
Porque: barafustar bagunças, espiralar labirintos ou, por exemplo, decodificar paralelepípedos, só se pode fazer com outros gruses, ou com um tiblungue, que é um bicho muito louco, ou então com um espirranasal. Mas os tiblungues às vezes são muito loucos demais, e os espirranasais… vivem cheirando tudo!
Bom mesmo é espiralar labirintos com um gruses, porque, afinal, eu sou uma gruses e nada melhor que uma gruses espiralar labirintos com um gruses.
Mas, como não conheço nenhum gruses para com ele espiralar um labirinto, vou crisantemar uma montanha.
(DANÇA, MÚSICA)
MAGMA – Oh! Ah! Oh! É tão bom fotografar o tempo, é tão ruim fotografar o tempo… Oh! Ah!
Ah! Oh! Fotografar o tempo dá uma fome! Creio que vou comer um sanduíche de sanduíche com sanduíche… A gente preparar um sanduíche, com um sanduíche com mais outro sanduíche, e depois coloca um recheio de sanduíche. Ah! Oh! Perdi a fome…
(Magma sai)
CENA II
MAGMA – Ah! Oh! Quem é você?
DR. J.J. – Eu sou o Dr. J.J.J.J.J., mas pode me chamar de Dr. J.J.J. ou só de Dr. J.J., para os íntimos. E você, quem é?
MAGMA – Ah! Eu sou Magma, isto é, eu acho que sou Magma, sim, é isto mesmo, eu sou Magma.
DR. J.J. – E o que você faz por aqui?
MAGMA – Bom, eu procuro um gruses para espiralar labirintos com ele.
DR. J.J. – Bom, bom, bom, eu posso te ajudar…
MAGMA – Ah! Oh! Verdade?
DR. J.J. – Bom… Verdade.
MAGMA – Então diga! Onde posso achar um gruses…
Dr. J.J. – Espere. Primeiro vamos aos formulários…
MAGMA – Ah… Oh…
DR. J.J. – Idade?
MAGMA – Trezentos e setenta e oito.
DR. J.J. – Trezentos e setenta e oito o quê?
MAGMA – Não sei!
DR. J.J. (Escreve murmurando) – Não sei.
Altura?
MAGMA – Quarenta e cinco piparotes e três croques.
DR. J.J. (Escreve)
Cor?
MAGMA – Lilás, isto é eu acho que é lilás, o que o senhor acha da minha cor?
DR. J.J. (Escreve) – O que o senhor acha da minha cor…
Nacionalidade.
MAGMA – Não tenho, isto é, acho que não, quer dizer, não.
DR. J.J. – Sexo?
MAGMA – Ah! Oh! O que é sexo?
DR. J.J. – Bom, bom… Sexo é a carapteração infórmica da salustração infra, ultra e orto. Existem dezessete sexos, segundo as últimas estatísticas…
MAGMA – Ah… Oh… E qual o meu sexo?
DR. J.J. – Bom, bom, deixe-me te examinar. Diga: A.
MAGMA – A.
DR. J.J. – Diga E.
MAGMA – E.
Dr. J.J. – Diga I.
MAGMA – I.
DR. J.J. – O.
MAGMA – O.
DR. J.J. – U.
MAGMA – U.
DR. J.J. – Feminino.
MAGMA – Mas, afinal, onde, como, quando encontrar um gruses?
DR. J.J. – Bom, bom, você vai por aí, depois vira pra lá, depois vai por ali, pra lá, e, depois, segue o seu nariz!
MAGMA – Ah! Oh! Deixe ver se entendi: por aí, depois viro pra lá, depois vou por lá, por ali e depois… sigo o seu nariz.
DR. J.J. – Não, não! Você segue por aí… depois vira pra cá, depois vai por ali, depois por lá, e depois segue o seu nariz.
MAGMA – Ah! Oh! Por aí, viro pra cá, depois sigo por ali, depois por lá… e depois… sigo o meu nariz.
DR. J.J. – Isso, isso, bom, bom!
CENA III
MAGMA SOZINHA
MAGMA (gesticulando e caminhando) – Ah! Sigo por aí, depois viro pra cá, depois sigo por ali, depois por lá… e depois… sigo o meu nariz! (sai)
CENA IV
MIRILIM, OS TIBLUNGUES, OS ESPIRRANASAIS
DANÇA E MÚSICA
É tão bom ser
ser
ser
é tão bom ser.
É tão bom estar
estar
estar
é tão bom estar
É tão bom ir
ir
ir
é tão bom ir
É tão bom rir
rir
rir
é tão bom rir
MIRILIM – Oh! Ah!… É tão bom, é tão ruim dançar carangolas e cantar bazófias.
TIBLUNGUE – Ora, Mirilim, por que tão bom, por que tão ruim? Que te falta? Não tens tudo? Não danças carangolas, não cantas bazófias? És completo, nada te falta!
MIRILIM – Oh! Ah! És mesmo muito louco, Tiblungue, não sentes as coisas da alma, do coração e do estômago.
ESPIRRANASAL (fungando) – Pois eu não sou muito louco, mas sinto cheiros no ar.
MIRILIM – Que cheiros?
ESPIRRANASAL – Sinto cheiro de solidões, de saudades, sinto perfumes, e… um cheiro de…
MIRILIM – De quê?
ESPIRRANASAL – Um cheiro de sanduíche de sanduíche com sanduíche.
TIBLUNGUE – Ora, sanduíche de sanduíche com sanduíche! Que baixo astral! Eu vou é dançar carangolas, cantar bazófias, desencantar montanhas! (canta e dança saindo)
É tão bom ser (muito louco)
É tão bom estar (muito louco)
É tão bom rir.
MIRILIM – Mas… Onde sentes cheiros de sanduíche de sanduíche com sanduíche?
ESPIRRANASAL – Já não sei. Já sinto outros cheiros, e sinto cheiros tão bons! Ah!… Que cheiro delicioso!… (sai fungando)
MIRILIM – Oh! Ah! Um é muito louco, o outro vive farejando! Oh! Ah! Mas eu quero mais que isso: quero espiralar labirintos, barafustar bagunças, e comer sanduíche de sanduíche com sanduiche. Oh! Ah! Vou procurar outros gluses, os gluses gostam de…
CENA V
MIRILIM E O DR. J.J.
MIRILIM – Oh! Ah!
DR. J.J. – Bom, bom.
MIRILIM (Pausado) – Leve, neve, gluses, flutuandando carangolas, bazófias!
DR. J.J. – Bom, bom… Leve, neve… Nove, nave: Níveo! Nuvem!
MIRILIM – Níveo? Nuvem? Vento, vida, velho, vivo, carangolas, bazófias, espiralar labirintos… e comer… sanduíche de sanduíche com sanduíche.
DR. J.J. – Oh, sim! Eu creio que posso te ajudar… a achar o que você quer.
MIRILIM – Oh! Ah! Onde?
DR. J.J. – Bom, bom, segue por ali, depois vire pra cá, depois pra lá, e depois segue o seu nariz.
MIRILIM – Oh! Ah! Sim, por ali, pra cá, pra lá, e depois sigo o seu nariz…
DR. J.J. – Não, meu nariz não! Seu nariz.
MIRILIM – Oh! Ah! Sim, meu nariz.
CENA VI
MAGMA E MIRILIM
MAGMA – Ah! Oh!
MIRILIM – Oh! Ah!
MAGMA E MIRILIM – Ah! Oh! Oh! Ah!
MIRILIM – Quem és?
MAGMA – Eu… eu… Não sei ao certo, mas acho que meu nome é Magma. Sim, isto, Magma. E você?
MIRILIM – Eu sou Mirilim. Hum… Mas como você é lilás!
MAGMA – Obrigada. E você é tão verde-azul.
MIRILIM – Oh!… Ah!… Na verdade sou azul-piscina.
MAGMA – Ah! Oh! Mas isto é batomífico, espinoteante!
MIRILIM – Mas, que fazes, tão lilás, pelas ruas?
MAGMA – Procuro alguém que goste de espiralar labirintos.
MIRILIM – Oh! Ah! Mas isto é exatamente o que também procuro!
MAGMA – Então acho que temos algo em comum, e também não temos.
MIRILIM – Sim. Não. Oh!
MAGMA – Ah! Creio que vou desmaiar! (desmaia)
MIRILIM – Oh! Ah! Não faças isto, não morras, não desmaies!
Ainda não espiralamos labirintos, ainda não comemos sanduíches de sanduíche com sanduíche.
MAGMA (despertando) – Você disse sanduíche de sanduíche com sanduíche?
MIRILIM – Sim!
MAGMA – Ah! Oh! Que bom encontrar alguém que goste de sanduíche de sanduíche com sanduíche. Gostas também de espiralar labirintos e…
MIRILIM – E… então eu achei o que procurava e você achou também o que procurava. Podemos viver juntos, espiralando labirintos, comendo sanduíche de sanduíche com sanduíche, etc. e tal.
MAGMA E MIRILIM – Sim, sim! (Beijam-se)
FIM
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Tércio Ribeiro de Moraes nasceu em Vitória, em 23 de novembro de 1955, e morreu também em Vitória, em 4 de maio de 2008. Desde cedo dedicou-se à literatura, tanto em verso como em prosa. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui.)