O processo migratório europeu, em linhas gerais, faz parte de um movimento de expansão que se iniciou, naquela parte do mundo, com as Cruzadas, ganhou força e impulso a partir do final século XV, e atingiu seu apogeu no século passado.
A população da Europa cresceu de 187 milhões de habitantes, em 1800, a 401 milhões, cem anos depois, e a pressão populacional diferencial,[ 1 ] além do desejo de libertação de servidões e ou laços sociais, econômicos e políticos, acrescida também de cicios de depressão, fizeram com que, entrementes, 58 milhões de europeus, em sua maioria adultos, emigrassem, dos quais 38 milhões só para os Estados Unidos da América do Norte.[ 2 ]
Os contatos do ocidente europeu com a América puseram, frente a frente, culturas diversas, em situações econômicas, sociais, políticas e ecológicas bem diferentes. O europeu que migrava teve problemas de adaptação à situação nova, os quais tomaram várias formas, inclusive de conflito, a que se seguiu política restricionista por parte dos governos europeus.[ 3 ]
Nosso espaço, neste trabalho, é examinar os primeiros anos da presença do imigrante europeu numa limitada parte do território brasileiro — a então Província do Espírito Santo — durante o Segundo Reinado, centrando-se nosso interesse nos conflitos gerados pela interação entre os brasileiros (em geral em função de governantes) e os recém-vindos. Justifica-se tal abordagem como análise histórica de uma sociedade de agricultores, dentro do ponto de vista da história regional, isento, todavia, de qualquer “piedade filial” tão comum em alguns estudos capixabas sobre o assunto.[ 4 ]
Relembre-se, antes, que o incentivo à colonização do branco não português, no Brasil, iniciou-se logo depois da vinda da família real para o país. Como se vê em Browne, os gastos oficiais com imigração só são computados em orçamento a partir de 1841-1842, e atingiram seu ponto máximo em 1856, quando um crédito especial de 6 mil contos de réis foi votado (Decreto de 4 de outubro de 1856) para ser aplicado em um plano trienal.[ 5 ]
No que tange aos pressupostos legais que seriam aplicados aos estrangeiros (e muita vez não o foram, ficando no campo do ideal), a Lei de 13 de setembro de 1830 foi a primeira a regulamentar o contrato, por escrito, de prestação de serviços por estrangeiro. Esta lei foi modificada pela de 11 de outubro de 1837, usando-se nela pela primeira vez a expressão “colono”, por extensão aos que viessem a trabalhar em fazendas, geralmente como parceiros.[ 6 ]
A Lei de 18 de setembro de 1850 (regulamentada, mais de três anos depois, pelo Decreto n. 1.138, de 1854) dispunha sobre as terras devolutas do Império, e autorizava o Governo a mandar vir, anualmente, à custa do Tesouro, certo número de colonos livres.
Era patente a preocupação com o ingresso, no país, de mão-de-obra livre, face ao fim do tráfico de escravos, pois enquanto houve suprimento do braço africano a aristocracia rural dominante não se interessou, salvo esporadicamente, por fomentar a vinda de imigrantes europeus. Já se observou, outrossim, que os próprios emigrantes preferiam ir para países onde não mais houvesse a escravidão, para não terem que trabalhar, lado a lado, com escravos.
No caso que vamos examinar, como a aristocracia rural do café era diminuta e circunscrita ao vale do ltapemirim, no sul da Província, a criação de “colônias” em suas montanhas centrais visava a ocupar espaços virgens, com recursos naturais que, embora à época super-avaliados, deram aos imigrantes níveis de vida superiores aos que usufruíam nos países de origem, desde o momento em que, como pequenos proprietários que eram, se voltaram, exclusivamente, para o cultivo do café.
o crescimento do país levou o Governo a criar, pelo Decreto de 28 de julho de 1860, uma Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Porém, somente em 1867 esse Ministério aprovou o Regulamento 3.787, que disciplinava o funcionamento das colônias então existentes, ou que viessem a ser criadas, dentro de um rígido centralismo, comum à administração imperial. Por tal decreto, os colonos perdiam seus direitos civis, pois estavam sujeitos a disciplina própria como estudantes em um internato, com penalidades que iam desde a simples admoestação à exclusão da colônia, nos casos previstos nos Artigos 36 e 37, se deixassem de se ocupar assiduamente em sua lavoura ou indústria ou se revelassem ociosidade habitual e maus costumes; se julgados incorrigíveis, seriam excluídos do distrito colonial.
Sabe-se que a maior parte dessas colônias não se constituiu no êxito esperado pelo governo, e Celso Furtado explica isto porque “a gestão fundamental era aumentar a oferta de força de trabalho disponível para a grande lavoura”… cujos proprietários, constituindo-se na classe alta da época, não viam com bons olhos uma eventual concorrência das colônias, desde que estas se integrassem numa linha de produção de um artigo de exportação.[ 7 ]
No caso particular do Espírito Santo, que nos interessa neste ensaio, repetimos, o Governo procurava incorporar, através da agricultura, espaços virgens, que logo se dirigiram à economia de exportação do café, sem, contudo, oferecer perigo aos produtores primitivos estabelecidos em sua maioria no vale do ltapemirim,[ 8 ] ao sul da Província, enquanto que as colônias se localizavam nas suas montanhas centrais. Por outro lado, para o caso específico em exame, o ingresso de imigrantes foi decisivo, na segunda metade do século passado, para o aumento populacional da província, como demonstra a Tabela 1.
A primeira proposta conhecida sobre a necessidade de colonizar-se o Espírito Santo foi feita em 3 de maio de 1825 pelo Padre Marcelino Pinto Ribeiro Duarte.[ 9 ] Em sua Memória considera a Província a menor do Império em população, agricultura e comércio, sendo a que oferecia as melhores condições para o estabelecimento de muitas colônias à margem de 14 rios. Sugere como culturas possíveis o café, a cana doce, a mandioca, legumes, algodão, tabaco e anil, além do extrativismo de pau-brasil, tatagiba, bálsamo, cedro, jacarandá. Demonstrava seu preconceito etnocêntrico contra o gentio que só no litoral está (assim como as formigas) mas que “quatro armas carregadas são bastantes para fazer fugir a 400”. E, mais adiante: “A experiência de 300 anos tem mostrado que os índios, ociosos por natureza, e de sentimentos abatidos e humildes, apenas servem para encherem número na Marinha: sua indústria se limita a poucos tecidos de palha, não custosos, como esteiras, cestinhas, chapéus, etc.” Reclamava dos gastos com a catequese, reiterando a “não valia” dos índios para o comércio e agricultura, pois não são proprietários, situando-se pouco acima de selvagens, possuidores apenas de palhoça desprezível, samburá, bodoque, marimbo (para água), linha de pescar, calça e camisa de algodão, só se justificando sua proteção por humanidade. E, por ser toda a província devoluta, sugeria o padre e político, ao Inspetor da Colonização de Estrangeiros, a vinda de até 1.000 casais de imigrantes só para as margens do Rio Doce, que chamava de “paraíso do Brasil”,[ 10 ] além de 200 a 300 casais para o rio Itapemirim, nas proximidades das extintas minas do Castelo, 200 casais no Piraquê Açu, 100 a 200 casais nos rios Santa Maria e Araçatiba, o que, também, facilitaria muito o comércio com Minas Gerais, sonho dos capixabas desde o período colonial.[ 11 ]
Ano | Fonte | População |
1749 1810 1817 1817 1834 1840 1856 1861 1862 1870 1872 1900 |
Southey Milliet Saint-Hilaire Rubim Milliet Pizarro Itapemirim Souza Brasil Costa Pereira Rodrigues Censo Censo |
2.480 24.000 40.920 24.585 40.000 72.145 40.082 70.000 60.702 52.931 82.137 209.783 |
Fonte geral: Montenegro, Tulo Hostílio. “Notas avulsas sobre a população do Espírito Santo”, O Jornal, Rio, 7/9/1951. |
Dentro do plano do Padre Marcelino, e de acordo com a política imigratória do Primeiro Reinado, registra-se que diversas providências, sem êxito, foram logo depois de sua sugestão tomadas para localização de estrangeiros na Província do Espírito Santo. Assim é que em 12 de outubro de 1827 o Sargento-mor José Marcelino de Vasconcelos diz-se impossibilitado, por falta de meios, de “levantar o mapa topográfico dos terrenos devolutos e apropriados para a colonização de estrangeiros”.
Em 1829, S.M. o lmperador autorizou a Mr. Henrici a transportar de Bremen para Vitória 400 colonos agricultores, distribuir-lhes terras e subsídio reembolsável, por seis meses. Em 26 de abril do ano seguinte, o marquês de Caravelas autorizava a colocação de estrangeiros no lugar Borba, a 2 léguas de Viana, na Estrada do Rubim. Estes colonos nunca chegaram ao Espírito Santo, devendo ter sido encaminhados a uma das colônias do sul, criadas então,[ 12 ] de Santo Amaro, em São Paulo, Rio Negro, no Paraná, ou ltajaí, em Santa Catarina.
Somente em 1846 os planos foram retomados. Pretendia o presidente Herculano Ferreira Pena “regular a distribuição das terras por onde passa a estrada [do Rubim] sob condições tais que animem a pronta entrada de Colonos, nacionais ou estrangeiros, para efetivamente povoá-la e cultivá-la” mas propunha, como medida preliminar, “a criação de quartéis em distâncias correspondentes à marcha das tropas carregadas”.[ 13 ]
Finalmente, neste mesmo ano, o presidente Luiz Couto Ferraz fundou, na referida estrada, com 163 alemães, a colônia Santa Isabel, doando a cada família um prazo com 200 braças de testada e 600 de fundo. Em seu Relatório de 1847 diz, em síntese, o grande defensor da política colonial: “Fundei Santa Isabel em princípios do ano passado. Passada a crise das enfermidades que atacaram os colonos logo após sua chegada a esta província, estão animados e contentes, e entregam-se, com fervor, à cultura dos prazos que lhes foram designados”. Com auxílio do governo provincial, já estavam construídas casas, e produzia-se trabalho regrado, mas ativo. Havia mestres de ofícios fabris, pretendendo estabelecer na colônia as respectivas oficinas. Reinava harmonia, inclusive com os vizinhos, de quem receberam “não equívocas provas de estima”. Há cinco meses estavam na Província sem uma desinteligência mais grave. “Sei de muitos, informa o Presidente textualmente, que hão escrito para Alemanha convidando seus parentes e amigos a virem estabelecer-se na província, fazendo-lhes sentir o agasalho e hospitalidade que receberão e todas as vantagens que hão encontrado a par dos lucros que esperam tirar da cultura das terras, em que se acham estabelecidos.” E concluía ressaltando sua confiança no estabelecimento da colônia, que pode ser montada em tanta proximidade da capital, em terras de tamanha fertilidade, sem ferir-se a propriedade, nem mesmo a posse de pessoa alguma.
Em 1849 o barão de ltapemirim, em seu Relatório, dava conta que a referida colônia prosperara, “embora alguns indivíduos que têm por moda e costume tudo desacreditar o contrário digam”. Com poucas exceções, todos os colonos estavam bem situados, os terrenos eram pingues e azados para a cultura de mandioca, do milho, feijão e café, e dentro de menos de dois anos, o mercado de Vitória seria abastecido de farinha excelentemente fabricada pelos colonos.[ 14 ] Em 1854 a colônia já contava com 194 colonos, dos quais 105 homens e 89 mulheres; 106 solteiros, 78 casados e 10 viúvos; 114 católicos e 80 dissidentes; e em 1857 a população subira a 286 moradores, com produção de 1.200 alqueires de farinha e 10.000 arrobas de café, além de milho, feijão e 200 cabeças de gado.[ 15 ] A colônia foi emancipada em 1866.[ 16 ]
A segunda colônia oficial foi Santa Leopoldina (inicialmente Santa Maria), criada em 1856. Em março de 1857 chegaram 140 colonos suíços, removidos de Ubatuba, São Paulo, e, em meados do ano, 222 colonos alemães. A medição foi feita pelo tenente João José Sepúlveda de Vasconcelos, de 4 léguas quadradas, no Rio Santa Maria, entre a Cachoeira Grande e a de José Cláudio, em lotes de 62.500 braças quadradas cada, reservando-se 500.000 braças quadradas para a povoação, com praças, igrejas, casas para escola e lotes urbanos de 10 braças de frente e 25 de fundo, com o cemitério locado fora da povoação. Determinava o Aviso de criação da colônia a construção de barracão para acomodar 50 famílias, de casa espaçosa para o diretor da colônia, de armazéns de mantimentos. Deveriam ser, outrossim, abertas picadas que servissem aos moradores dos lotes rústicos, com nunca menos de 10 palmos de largura e entrada, que permitem cômodo trânsito a carros até o porto mais próximo, no rio Santa Maria, local para onde, por melhor localizado, se transferiu depois a sede da colônia, abrindo-se para as despesas iniciais o crédito de 2 contos de réis.[ 17 ] Em 1874 contava a colônia com 5.000 habitantes e produzia 30.000 arrobas de café. Em 1879 sua população era de 6.389 habitantes, com a produção de 100.000 arrobas de café.[ 18 ] A colônia, subdividida depois nos núcleos de Santa Leopoldina, Timbuí e Santa Cruz, só seria emancipada pelo Decreto n. 8.508, de 6 de maio de 1882.
A Colônia do Rio Novo foi fundada pelo major Caetano Dias da Silva consoante autorização do Decreto 1.566 de 24 de fevereiro de 1854; em 7 de outubro de 1861 foi encampada pela “Associação Colonial Rio Novo”, e já a 12 de novembro seguinte foi nomeado o engenheiro Adalberto Jahn, comissário árbitro, na liquidação da colônia, em virtude de contrato firmado pelo governo imperial com Caetano Dias da Silva. Ao Diretor nomeado Carlos Kraus, foram expedidas, no mesmo dia, minuciosíssimas instruções pelo Ministério da Agricultura para receber a referida colônia, que seria emancipada pelo Decreto n. 7.683 de 6 de março de 1880.[ 19 ] Nesta colônia, em 1862, foi medido pelo engenheiro Lassance Cunha um segundo território a 54 quilômetros do primeiro, e que em 1869 foi dividido em lotes pelo engenheiro José Cupertino Coelho Cintra. Os primeiros colonizadores italianos, a ele destinados, só chegariam ao porto de Benevente em 16 de julho de 1875. A este segundo núcleo, entendemos, é que sem nenhum ato formal se deu o nome de Colônia do Castelo. Apoiamo-nos em Dom Cavati quando diz: “Em Matilde informaram-me que o núcleo de Castelo fazia parte da Colônia Rio Novo”. Archimino Matos o apresenta como colônia distinta, criada em 1880 pelo Inspetor de Terras Alfredo Chaves, e localizada às margens do Alto Benevente. Foi emancipada em 18 de maio de 1881 pelo Decreto n. 8.122.[ 20 ]
Três colônias particulares foram fundadas, na Província, no período que estamos estudando: Fransilvânia, Juparanã e Piúma, mas não prosperaram.[ 21 ] A Tabela 2 é uma tentativa de relacionar todas as colônias criadas na Capitania, Província e depois Estado do Espírito Santo, devendo entender-se todavia que nosso estudo se prende ao período que vai da criação da Colônia Santa Isabel, em 1847, à emancipação da Colônia Santa Leopoldina, em 1882, pois objetivamos examinar neste tópico a situação dos colonos apenas dentro do contexto administrativo fortemente centralizado de uma colônia imperial.[ 22 ]
Colônia | Localização | Fundação | Emanci-pação | Predomi-nância | Natureza |
I-Sob D.João | |||||
Viana | Margem rio Santo Agostinho | 1813 | – | Açorianos | Oficial |
II-No 2° Reinado | |||||
Santa Isabel | Margem rio Jucu (Estrada do Rubim) | 1847 | 19/6/1866 | Alemães | Oficial |
Fransilvânia | Margens rio Doce/Guandu | circa 1855 | projeto não executado | – | Particular |
Rio Novo | Margem rio Novo | 24/2/1854 | 6/3/1880 | Italianos | Part.(não of.) |
Santa Leopoldina | 1° núlceo: margem Santa Maria 2° núcleo: margem Timbuí 3° núcleo: margem Piraquê-açu |
27/2/1856 – – |
6/5/1882 – – |
Alemães Italianos Italianos |
Oficial – – |
Piúma | Margem Iconha | circa 1865 | – | Ingleses | Particular |
Juparanã | Margens lagoa Juparanã/rio Doce | 20/9/1867 | – | Norte-americanos | Particular |
Castelo | Margem rio Castelo | – | 28/5/1881 | Italianos | Oficial |
Santa Leocádia | Margem rio São Mateus | 1887 | – | Italianos | Particular |
III-Na República | |||||
Muniz Freire | Margem Santa Maria do Rio Doce | 1895 | – | Italianos | Oficial |
Afonso Pena | Margens rios Guandu, Santa Joana e Capim | 11/12/1907 | – | Brasileiros e alemães | Oficial |
Antonio Prado | Margem rio Doce | 1918 | – | Italianos | Oficial |
Acioli | Margem rio Doce | 1918 | – | Italianos | Oficial |
Demétrio Ribeiro | Margem rio Doce | 1918 | – | Italianos | Oficial |
Águia Branca | Margem rio São José | 1928 | – | Poloneses | Particular |
Serra | Sopé do Mestre Álvaro | 1964 | – | Sul-coreanos | Particular |
Fontes: Silva Rocha, Araújo Aguirre (1934), Valverde (1959), Basto (1970), Cavati (1973), Teixeira de Oliveira (1977), Browne (1977) e Arquivo Público Estadual do Espírito Santo. Elaboração final de Renato José Costa Pacheco. |
O que se dava aos colonos fixados na Província do Espírito Santo, nos seus primeiros anos, os célebres “primeiros anos” a que se refere Emilio Willems?[ 23 ] O governo concedia transporte gratuito, arranchamento provisório na capital da Província e nas colônias, um lote de terras de 120.000 braças quadradas (cerca de 30 Ha), a título de venda, na razão de 1/2 real a braça quadrada, a ser pago no prazo de 5 anos, em três prestações iguais, a contar do fim do segundo ano: meios de subsistência pelo espaço de seis meses e alguns instrumentos mais indispensáveis à lavoura, como enxadas, foices e machados; algum gado, sendo os suprimentos feitos por adiantamento, a serem pagos no prazo e forma de quitação dos lotes,[ 24 ] uma situação que permitia, em pouco tempo, que o colono estivesse produzindo para seu sustento e para o desenvolvimento agrícola do país que o acolhera.
Nada obstante isto, na prática inúmeros óbices se fizeram sentir. Apenas para fins de análise, vamos agrupá-los em cinco categorias:
1a – má seleção do migrante.
2a – dificuldades de adaptação.
3a – terrenos ruins, medições erradas.
4a – conflitos com a administração e com a lei e busca de serviços inexistentes.
5a – quebras contratuais, inclusive e principalmente no que concerne a salários.
Já em 1846, em Memória editada em Berlim, o visconde de Abrantes se reportava aos empresários ávidos dos portos de embarque[ 25 ] e Tschudi, em seu famoso Relatório de 1860, recolheu muitas queixas contra os agentes de imigração, principalmente contra um tal Textor, em Frankfurt sobre o Meno e invectiva a Caetano Dias da Silva por ter criado falsas expectativas, e obviamente excitado a cobiça de migrantes não aptos, por ter publicado na Hansa, gazeta de Hamburgo para a emigração, em 23 de agosto de 1856, propaganda exagerada, em que prometeu o lucro anual de 2:000$000, cerca de 6.000 francos, na época, com o plantio do café. Assim os que vieram foram, na expressão de inspetor helvético “cruelmente enganados com as promessas não cumpridas”.[ 26 ]
Ao barão respondeu o presidente Costa Pereira considerando seu relatório “injusta condenação”, tendo em vista o pouco tempo para suas observações (22 dias), e contra-atacando dizia que “os colonos suíços, em sua maioria já conhecidos em Ubatuba como indolentes e de procedimento irregular, não ganharam com a mudança, para Santa Leopoldina, hábitos de trabalho, atividade, energia e a paciência indispensável ao lavrador”. E concluiu dizendo que “os contratadores aceitam velhos inválidos; a maior parte dos colonos contratados não pertencem às classes agrícolas… Os pomeranos prosperam pois já eram agricultores”.[ 27 ]
A adaptação ao meio tropical, em floresta recém-derrubada, também não se fez sem percalços. Animais estranhos, doenças desconhecidas, novos alimentos, e até os índios existentes na Província foram elementos que mataram ou levaram de volta muitos colonos de menor ânimo.[ 28 ] A morte de crianças é freqüentemente registrada, como no Relatório do barão de ltapemirim.[ 29 ]
No que concerne à qualidade do solo temos de nos render à evidência: as terras eram férteis somente enquanto novas.[ 30 ] Ao relatar as providências para a fundação de Santa Leopoldina dissera o presidente Pereira Barros, com otimismo: “Mandei fazer grandes derrubadas e queimadas no ponto escolhido”. Houve dificuldades pela falta de trabalhadores, tendo sido usados índios de Santa Cruz, e ocorreu uma epidemia de bexigas. Todavia as águas são excelentes, abundantes, o clima saudável — o que é verdade — e as terras fertilíssimas: “à semelhança do Nilo, as margens se inundam nas grandes cheias para se tornarem mais produtivas”. As montanhas algum tanto elevadas, mas facilmente acessíveis e mui azadas para a plantação do café e talvez do chá.[ 31 ]
Tschudi critica o relatório e desabafa: “Les tristes experiences des colones rendent assez hautement temoignage de cette sterilité”. Pois a simples observação da fraqueza da floresta convence o observador do solo ruim, o que é confirmado por Costa Pereira, na defesa já citada que faz da colônia, pois ao reportar-se à qualidade vária do terreno fala de “má qualidade de alguns prazos”, o mesmo ocorrendo em Santa Teresa.[ 32 ]
A medição de lotes, ou “prazos”, como eram chamados os terrenos de 25/30 hectares, também foi uma constante causa de conflitos: no início as medições eram feitas precariamente com correntes de ferro, de 10 a 30 metros, o que causava grandes diferenças ao ultrapassar obstáculos. Tschudi chegou a dizer que os agrimensores fixavam “as parcelas a olho nu”,[ 33 ] informando que alguns colonos, de suas 62.500 braças quadradas só receberam 6.000 a 8.000 braças quadradas. O Relatório de 1867 do Ministério da Agricultura dá notícia de que havia contínuas queixas “porque os prazos não foram medidos igualmente, nem continham as áreas prometidas”.[ 34 ] A sofisticação no instrumental de medições só viria mais tarde, embora continuassem as reclamações contra os homens que os empunhavam[ 35 ] para realização da “braçagem”, quantidade de braças medidas durante o mês.
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NOTAS
Cada prazo de 62.500 braças a
2 réis …………………………….. 125$000
Derrubada …………………….. 20$000
20% sobre o lote …………….. 25$000
Total ……………………………… 170$000
Além disso, vendiam-se machados a 3$000 cada, foices a 2$000 cada, e debitava-se a casa provisória a 20$000 por cabeça e idêntico auxílio gratuito de 20$000, por cabeça. Tais vantagens fariam com que o velho cafuso, do Canaã de Graça Aranha, dissesse ao imigrante alemão:
“Hoje em dia tudo aqui é de estrangeiro. Governo
não faz nada por brasileiro, só pune por alemão
…………………………………………………………………..
Vosmecê vai ficar aqui? Daqui a um ano está podre
de rico. Todos seus patrícios eu vi chegar sem nada,
com as mãos abanando …………………………………
E agora? Todos têm uma casa, têm cafezal,
burradOPAC De brasileiro Governo tirou tudo,
fazenda, cavalo e negro… Não me tirando
a graça de Deus”… (p.34)
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Lista de Abreviaturas
CLIB – Coleção de Leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, Tipografia Nacional, seguindo-se o ano referido.
CPPES – Correspondência dos Presidentes da Província do Espírito Santo, vol. 4 e 7 a 20, Arquivo Nacional.
CDCSL – Correspondência do Diretor da Colônia de Santa Leopoldina, diversos volumes, Arquivo Público Estadual, ES.
O ES – O Espírito Santense, diversos anos de 1874 a 1889.
OS – O Seminário, 1858.
PCSL – Processos diversos da Comarca de Santa Leopoldina.
RPPES – Relatórios de Presidentes da Província do Espírito Santo, diversos volumes, Arquivo Público Estadual, ES.
RT – Tschudi, J.J. Rapports de l’envoyé extraordinaire de I Confederation Suisse au Brésil, s/local, 20.12.1860 (Coleção Varnhagen do Itamarati).
[Publicado, primeiramente, em Estudos em homenagem a Ceciliano Abel de Almeida, Vitória: FCAA, 1978, p. 123-1,48, e posteriormente em Estudos Espírito-santenses, Vitória: IHGES e PMV, 1994, p.11-52.]
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© 2002 Texto com direitos autorais em vigor. A utilização / divulgação sem prévia autorização dos detentores configura violação à lei de direitos autorais e desrespeito aos serviços de preparação para publicação.
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Renato Pacheco foi importante pesquisador da história e folclore capixabas, além de escritor, com vários livros publicados. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)