Luiz Busatto nasceu em Acióli, Espírito Santo, em 1937. É professor da UFES, membro do Grupo Letra e autor do clássico Montagem em Invenção de Orfeu, que mereceu elogioso prefácio de Gilberto Mendonça Teles.
O Bicho Antropóide não é, como tantos outros, um amontoado de poemas que o autor reuniu ao acaso em torno de um título. Pelo contrário, este é um livro em que as partes se articulam em torno de uma estrutura e de uma história a ser contada nos intervalos que unem os poemas, dando-lhes uma seqüência. O leitmotiv da obra pode ser encontrado na seguinte frase do “Manifesto do Grupo Letra” (publicado na revista Letra n° 1): “(…) a grande tarefa da arte é ser reserva do humano, de forma a oferecer ao homem o lastro cultural de que necessita para se reconhecer como individualidade capaz de transformar o mundo”. Impulsionado por estas palavras, Luiz Busatto dividiu seu texto em três partes: “O Bicho Antropóide”, “As Portas do Coração” e “As Indomáveis Fronteiras”. Os poemas de “O Bicho Antropóide” aludem à desumanização do ser que, revoltado, pede nos versos de “As Grades” que o libertem da desumanidade a que está condenado. Abrindo a cela do destino humano surgem, então, como saídas, “As Portas do Coração” e “As Indomáveis Fronteiras”. “As Portas do Coração” se subdividem em duas partes em que predominam, respectivamente, o amor feliz e o amor infeliz. “As Indomáveis Fronteiras” possuem três subdivisões, a primeira tratando principalmente da arte, a segunda versando sobre a questão social e a terceira se constituindo em uma espécie de síntese de toda a obra, momento em que o ser transcende a desumanização e se liberta, como bem expressa o poema “Redenção”. Note o leitor que a divisão do livro em três partes constrói no ar um triângulo cujo vértice está em “O Bicho Antropóide” (com umasubdivisão) e que aumenta e se abre com “As Portas do Coração” (com duas subdivisões) e com “As Indomáveis Fronteiras” (com três subdivisões). O autor concluiu a obra aos quarenta e dois anos de idade. Remarcando o já-marcado com o ferro em brasa de sua própria idade, Luiz Busatto incluiu quarenta e dois poemas no livro. Se o gênero lírico é essencialmente metafórico, então podemos dizer que O Bicho Antropóide é trimetafórico, pois as metáforas ocupam lugar de destaque tanto nos seus título e intertítulos quanto na sua estrutura e nos seus poemas, carne desse organismo vivo e falante.
Como sucedia com Manuel Bandeira, a aparente simplicidade exibida na fachada de seus textos é apenas um truque de perspectiva que esconde e abriga o profundo e uma busca incessante da essência do poético, a poeticidade. Os tons coloquial e clássico convivem em harmonia e se cumprimentam, sabedores das ambigüidades de seus pesos, tão iguais nas suas diferenças. Os neologismos de palavras portmanteau (veja o “dreamCAMBURIano”, em que o poeta tenta captar a essência dessa praia capixaba) passeiam sua novidade perto de neologismos de função com que flertam. O verso livre anda de braços dados com rimas (especialmente rimas cruzadas, que o autor prefere), aliterações, coliterações, assonâncias, paronomásias, jogos-de-palavra, etc. Falando-se de ritmo, não se pode deixar de fazer menção ao paralelismo, recurso presente em todo o livro.
O conhecimento amplo do artesanato de escritor permite a Luiz Busatto a utilização de técnicas “antigas” e “de vanguarda” (como a distribuição das palavras pelo espaço em branco). Aqui e ali, como lembrança de que Luiz Busatto é um dos grandes especialistas brasileiros em intertextualidade, o leitor depara com citações de obras literárias famosas, ocultas sob uma hábil montagem.
Enfim, uma última frase: se leu a orelha, assista ao livro. Ele é muito melhor. Palavra de quem leu os dois.
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Oscar Gama Filho é psicólogo, poeta e crítico literário com diversas obras publicadas.(Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)