Arredores de Cotaxé, com a Pedra da Viúva ao fundo. Foto Gilson Soares, 2014. |
“O Costura – Conselho Superior de Turismo por Rotas Alternativas – de Ponto Belo, minúscula cidade situada no extremo noroeste do Torreão capixaba, reunido em sessão extraordinária, convocada em virtude de demanda de urgência, vem esclarecer oficialmente ao teimoso – insistente, mesmo – ciclista amador visto transitando por aqui desde o amanhecer deste outonal e desobrigado domingo, que não existe opção ciclístico-rodoviária de percurso margeando, por território capixaba, o desenho cartográfico deste arrombado (arroubado, talvez seja mais correto dizer) Torreão.
Informa ainda este Conselho, que procurou ser bem claro nas informações oferecidas – entre calmos copos de cerveja gelada – ao tal ciclista. Qual seja, o melhor – quer dizer, único – trajeto para ele chegar até Água Doce do Norte, com a sua sobrecarregada magrela, é passando mesmo por Ecoporanga – via Santa Luzia do Norte, Cotaxé e Imburana –, percurso que ele, até então, teimava em descartar.
Cumprido este único ponto da pauta extraordinária, damos por encerrada esta inusitada reunião do Conselho.
Eu, Adalberto – não por ser presidente, mas por ser o único nome que ficou guardado na memória senil do desatento ciclista –, escrevo, assino e dou fé.”
É este, na íntegra, o texto que poderia abrir este capítulo do meu relato de viagem, se eu quisesse dar a ele um tom de pilhéria literária.
Não é o que quero.
Mesmo assim vou deixá-lo aqui – se o sisudo leitor não se incomodar – porque ele, não obstante o seu, talvez, impróprio viés de gracejo, descreve com justeza o desfecho daquela decisiva reunião com que fui presenteado na noite anterior.
E é por conta desta segura – e oficial – orientação recebida, que eu saía de Ponto Belo nas primeiras horas daquela manhã de segunda-feira, 9 de junho de 2014, rumo a Ecoporanga, carregando no cenho o desenho risonho de quem começa o dia sabendo exatamente que caminho deve tomar e pra onde deve ir.
E tão ledo eu ia, que me permiti inventar, enquanto pedalava naquela manhã deserta e gentil, esse travesso documento oficial que transcrevi, de memória, agora há pouco.
Assim, cheguei a Cotaxé ainda bem cedo.
Talvez, por estar adentrando, depois de meia centena de anos, uma área de evidente risco emocional – o território da infância – resolvi ficar por ali vadiando sem me incomodar muito com o tempo (e sem medo do Tempo).
Tanto assim, que decidi estender até o almoço a minha permanência na vila.
Busquei, sem sucesso, alongar uma ou duas conversas que surgiram involuntariamente enquanto trafegava pelas poucas ruas e praças que compõem aquele ajuntamento urbano de topografia irregular e – pra mim – de grande importância histórica.
Importância garantida, tanto quando estou falando desta viagem e das minhas lembranças, quanto quando se fala da História de Ecoporanga e deste contestado Torreão.
Dei uma circulada pelo retangular entorno do, naquele momento, vazio campo de futebol da vila.
Despendi ali, com olhos veteranos, o esforço que me foi possível fazer para ver se via umas pernas infantis serelepeando, eufóricas, entre as duas imaginárias linhas intermediárias daquele ralo gramado.
Busquei – com o olhar se esfalfando na contramão dos anos – todo o espaço que certamente seria ocupado ali por um pequeno meia que, pela direita, subia construindo as jogadas de ataque da sua quase imbatível equipe mirim.
Vejo que não ficou nem na memória daquele ralo gramado, nem nos recantos que perscrutei das minhas lembranças – também já meio ralas – qualquer imagem de momentos, lances ou jogadas de certa partida memorável ali disputada.
Nada.
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Gilson Soares é poeta e nasceu em Ecoporanga, no extremo noroeste do Estado do Espírito Santo, em 10 de fevereiro de 1955. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)
Sou desta terra várias vezes Pedra da Viúva/ Pedra do Cruzeiro virava caminho da minha casa