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Pesquisas folclóricas no Espírito Santo

Pesquisa de campo do Prof. Guilherme Santos Neves (ao centro).
Pesquisa de campo do Prof. Guilherme Santos Neves (ao centro).

Já disse que Afonso Cláudio, seguidor de Silvio Romero, colocou no papel suas lembranças de menino da Fazenda Mangaraí, em Santa Leopoldina, produzindo o seu Trovas e cantares capixabas. À sua vez, d. Maria Stella de Novaes, em virtude de deficiência auditiva conquanto também pioneira em Da natureza ao folclore, não fazia pesquisa de campo, salvo um questionário sobre folclore infantil que enviou às professoras do Estado.

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Deve-se, entre nós, a Mestre Guilherme Santos Neves o início das pesquisas de campo, no folclore e nas ciências humanas, no final da década de 40 do século XX. Desejava ele mapear todas as festas populares do Estado, e, na medida do possível, o fez, através de textos publicados no boletim Folclore (de fama internacional), gravações, fotos e filmes. Reunia seus amigos – desembargador Eurípedes Queiroz do Valle e os professores José Leão, Clóvis Rabello, Paulo Vellozo, Hemógenes Fonseca, o filho Luiz Guilherme e o autor destas mal traçadas linhas — e se mandava, em conduções precárias, por este mundo de Deus.

Para Conceição da Barra fomos diversas vezes, a convite do saudoso prefeito Bento Daher e do venerando Manuel Antônio de Oliveira, nonagenário conhecido como Manduca Evêncio, e lá foram registrados o Alardo, o Ticumbi e o Reis de Boi. Em São Mateus, a Marujada e as Congadas. Em Muqui, as Folias de Reis reunidas em festival pelo dr. Dirceu Cardoso (certa feita com a presença do fotógrafo do Le Monde de Paris, Marcel Gautherou). Em Marataízes, registramos a Festa das Canoas, de quem Rubem Braga dera notícia na Revista do Arquivo Municipal de São Paulo, e onde José Leão se encantou com uma ladainha em latim estropiado, em que a puríssima Virgo Predicantis virava Virgem Pé de cana(sic)!

Uma vez fomos filmar, com o Victorio Busatto, do Serviço de Cinema Escolar do Estado, a velha disputa entre Cristãos e Mouros, chamada, em Conceição da Barra, de Alardo. O filme virgem ficou esquecido em cima de um móvel na casa do Mestre, na rua Afonso Brás. De Linhares, elétrico, telegrafou ele para Hermógenes, que, com suas mil amizades, conseguiu um avião “teco-teco”, no Aeroclube, e o filme horas depois foi jogado nas areias da praia da Barra, para gáudio do nosso Mestre, seus companheiros e toda a população local.

Era assim a pesquisa de campo no início dos trabalhos da Comissão Espírito-santense de Folclore: beneditina, criteriosa, alegre e heróica.

Como todo trabalho pioneiro, tinha as suas desvantagens. Faltava-nos um projeto geral, que veio com o Instituto Nacional do Folclore com Bráulio do Nascimento, e com o Atlas do Folclore BrasileiroEspírito Santo, o único editado com o apoio da Comissão Espírito-santense de Folclore e de seu presidente, Guilherme Santos Neves.

[Texto publicado na revista Século, Vitória-ES, ano I, n.6, agosto de 2000 e aqui reproduzido com autorização do autor.]

Renato Pacheco foi importante pesquisador da história e folclore capixabas, além de escritor, com vários livros publicados. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

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