— Num rochedo tão alto Que ninguém pode alcançar, Sentou-se a pobre viúva, Sentou-se e pôs-se a chorar, A chorar, a chorar. — Ora diga, senhora viúva, — Eu não quero nenhum desses moços — Tingolê, tingolá, |
De todas as cantigas referidas neste livreto, é esta — parece-nos — a mais difundida em terras brasileiras. Conhecemos versão pernambucana (Pereira da Costa, Folclore pernambucano); mineiras (Frei Pedro Sinzig, O Brasil cantando, n. 136, e Basílio de Magalhães, “A viuvinha” in Revista de Língua Portuguesa, II, p. 177); paulista (Afonso ª de Freitas, Tradições e reminiscências paulistanas, p.179): cariocas (Iris Costa Novaes, Diva Diniz Costa e Gedur de F. Pinto, Vamos brincar de roda, p. 118, e Cecília Meireles, “Infância e folclore”, A Manhã, 10/12/1942).
Pelo estudo que faz Cecília Meireles, vê-se que a cantiga de roda cantada aqui no Espírito Santo difere, em certos pontos, acentuadamente, das versões cariocas ali referidas. Nestas há o enxerto da “Viuvinha da parte de além” ou “Eu sou viuvinha / das bandas d’além” — o que não ocorre em nenhuma das variantes capixabas. Esse acréscimo (cantado até com música diferente da 1a. parte, segundo Cecília Meireles) faz parte de outra cantiga de roda, o nosso “Ao passar da barca”(n. 3 deste caderno). Houve nessas versões cariocas e em outras, evidente contaminação entre as duas cantigas, resultante, por certo, da referência nelas feitas à mesma “viuvinha” que quer casar-se.
No Vamos brincar de roda não há, na cantiga “Senhora viúva”, o enxerto da “Viuvinha das bandas d’além”, mas, logo após o “Eu sou uma pobre viúva / Triste, coitada de mim”, se encaixa o seguinte trecho, muito próximo da variante de Conceição da Barra, que vai transcrita no final destes comentários:
Morreu meu marido No meio das flores; Acabou-se a alegria, Acabaram os amores. Coberta de luto, |
A melodia fixada em Vamos brincar de roda difere muito da versão musical espírito-santense, sendo interessante frisar que, iniciando ela com três compassos indecisos, termina a primeira parte com um motivo semelhante ao da conhecida ronda “O cravo brigou com a rosa”, e a Segunda com outro que lembra o “Tenho uma linda laranja”.
Na cantiga de roda capixaba, a parte final diverge do ar e tom melancólicos da inicial, quer na letra, quer na música. Aquele inesperado “Tingolê, tingolá”, saltitante e alegre — que falta em todas as demais versões conhecidas — parece até que nem faz parte da ronda. No entanto, pela bonita variante de Conceição da Barra, transcrita no final deste estudo, — única assim completa, ouvida no Espírito Santo — vê-se que, após cantar as tristezas da viuvez, a “viuvinha”, escolhendo o seu “par”, com ele se casa. Daí a festa de bodas, em que todos dançam, e os “noivos” também, ao som do irrequieto “Tingolê, tingolá”…
Em variante de Santa Leopoldina, canta-se também, com referência a essa nova boda:
Tingolê, tingolá, Toca a viola pra nós dançar, Tingolê, tingolá, A viúva vai se casar! |
Localizamos a “Senhora viúva” em quase todas as cidades e vilas do Estado: Vitória, São Mateus, Conceição da Barra, Alegre, Santa Lepoldina, Vila Velha, Cariacica, Iconha, Colatina, itaguaçu, Serra, Domingos Martins, itarana…
Variantes: “Oh que rochedo tão alto” — “Eis um rochedo tão alto” — “Eis que tem um rochedo” — “Olha um rochedo…” — “Um rochedo tão alto” — “Ai, que rochedo tão alto” — “Tenho um rochedo…” — “Existe um rochedo…” — “Sob um rochedo…” — “Era um rochedo” — “Era um coqueiro tão alto” — “Tinha um coqueiro…” — “Existe um coqueiro…”
“Chegou uma pobre viúva / Chegou e pôs-se a chorar” — “Sentou-se a pobre a chorar” — “Triste de mim a chorar” — “Triste coitada a chorar” — “E pôs-se, então, a chorar, a chorar, a chorar.”
“Pergunte à senhora viúva / Com quem ela quer se casar” — “Senhora dona viúva…” — “Ó senhora Viúva…” — “Me diz a senhora Viúva” — “Me diza, ó senhora Viúva…” — “Diga, senhora Viúva” — “Agora me diga, senhora Viúva…”
“Tingo-lelê, tingo-lelá…” — “Titingolê, titingolá…” — “Tindo-lelê, tindo-lalá…” — “Tindo-lê, tindo-lá…” — “Tindelê, tindolá…” — “Tiro-lê, tiro-lá…” — “Tingolei, tingolá…” — “Tinholê, tinholá…” — “Gingolê, gingolá…”
“Toca a viola pra nós dançar” — “Toca a viola pra mim dançar” — “Pega a viola pra nós dançar”.
Modo de brincar: Forma-se a roda bem larga. No centro, a “Senhora viúva”. Começa o coro a cantar até “General, general”. Responde a “viúva”; “Eu não quero…” até “ai de mim”. Então, todas as crianças, duas a duas, dançam animadamente ao som do festivo e bulhento “Tingolê, tingolá”, cantando em andamento mais rápido que o inicial. Em certas variantes nossas, só a “viúva” dança, no meio da roda, com o “Par” que ela escolheu, enquanto o coro entoa o “Tingolê”, acompanhado de palmas. Veja-se também a forma de brincar a roda na versão de Conceição da Barra:
As da roda cantam:
Oh, que rochedo tão alto Que ninguém pode alcançar; Sentou-se a pobre viúva, Sentou-se e pôs-se a chorar. Oh, senhora viúva, |
A do centro responde:
Não quero nenhum desses moços, Porque eles não são para mim; Eu sou uma pobre viúva, Triste coitada de mim. Morreu meu marido Eu estava de luto, Ai, ai, eu vou, |
A do centro abraça, então, uma das que formam a roda, e a escolhida ocupará o seu lugar como “viúva”.
[SANTOS NEVES, Guilherme (pesquisa e texto), COSTA, João Ribas da (notação musical). Cantigas de roda. Vitória:Vida Capichaba, 1948 e 1950. (v. 1 e 2).]
Guilherme Santos Neves foi pesquisador do folclore capixaba com vários livros e artigos publicados. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)
João Ribas da Costa foi professor no interior do Estado do Espírito Santo.
Minha avó paterna cantava muito pra mim a Pobre viúva!!!!! Ela era filha de alemão e morávamos em Campos dos Goytacazes, no Estado do Rio de Janeiro.
Cantei muito pro meu neto quando ele era pequeno! Julieta Vianna