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Poemas do livro Dos olhos, das mãos, dos dentes

Despejado de mim, entre lençóis de nada,



Despejado de mim, entre lençóis de nada,
da noite agarro os frescos ramos de uma prata

que destilo, suando anêmonas, fagulhas
de um rebuscado aroma de pele, camurça

castanha e dócil e ágil e masculina sempre.
Exilado de mim, então, sou lua em frente

a suas portas presas, terra de meus anjos
amarrotados, zooms de melódicos fanos.

Paisagem muda e longa de muitos veleiros,
sou só vontade e fome de tépidos zelos:

seu corpo amanhecido e bandeirante em mim,
colhendo rubras pistas de meu amor gris.

Reviro-me em relógios com seus selos tantos
e nada, nada tenho de seu corpo lhano.

E a noite me engole entre folhagens de agulhas.



Espalho meus olhos sobre sua presença

Espalho meus olhos sobre sua presença.

As tardes minam o delicado de seus ombros magros
e seus cachos declaram ouro e trechos de nuca
com pistas para cheiros simples e maciez.

Todo seu jeito sopra chegada de junho
no calendário de hibiscos e nuvens: calma
que meu rosto e meus pensares aguardam.

Exatos cabem seus olhos, suas mãos, sua tez de poente
nos poemas que adio, nas vontades que guardo,
nos abraços que escondo, na alegria que prendo.

Meus olhares não não trazem seus crescentes;
seu lume meus escuros não alcançam;
meus verbos não se transformam em você.

Um gosto de agulha ancora em meus sentidos.



Cigarros



Muitos dizem que poemas eróticos
germinam com cacetes, cus e campari.

No entanto, quando você me olha com seus óculos,
meus versos atravessam nuvens e colhem flautas
e me deito com suas coxas e beijo sua espada
como quem inventa hálito de cisne ou luz de cigarro
em algum recôndito neo-simbolista.

Difícil vê-lo chegar a meus dedos
sem adágios pálidos de saxofone ou oboé.

Embora não queira esse ranço de símbolos,
também não quero, sob campari, seu cu nem seu cacete,

mas muito, de uma tesa maciez rósea, seu pau
rompendo meu verso, abrindo minha vasta alegria
de terra,

se você quisesse
e saísse dos limites
de meus olhos
e me entrasse
como os cheiros e sons
entram, adentram, entranham…

Suspeita

Toda luz carrega tumultos
se sobre seu corpo manso
ela espalha imagens de cachos e sardas.

Meus dedos rondam o delírio.

Toda luz carrega tumultos
se de seu corpo pouco
ela revela castanha virilha e haste tanta.

O delírio saqueia minhas mãos.

Daniel

Não me olhe como quem não me vê atônito
em taquicardias e tremores e ereções, quando
sua sombra castanha traz notícias, com giros
de rum, de seu cheiro de giz, de ímã e luz.

Nesse instante de verbos ferozes, meus olhos são dedos,
meus dedos são nordestes brincando ao redor de sua pele,
de seus pelos descendo coxas, pernas e, ligeiros, pés.

Nesse instante de holofotes nos cinco sentidos largos,
meus poros são lagos, meus lagos são mãos garimpando
seus ombros, seu colo, seu verso de nácar, de róseas rimas.

Não passe por mim como quem não me ouve zunindo
de olhar, de arder, de decifrar sua camisa verde
sobre seu peito tão claro como um enigma, um signo
de fogo que colho e vejo, nunca tido, nunca lido: sede.

Chegadas

quando para mim sua masculinidade esperta,
tudo o que em mim é masculino anoitece:
farfalham círculos de lua, água, pétalas.

agitam-se entre suas mãos e coxas, meus arrepios
de morna sensação de terra sob os arados morenos.

quando para mim sua virilidade se encosta,
apaga-se o que em mim é seu receio:
espraiam-se cirandas de costas, nucas, rosas.
navega, entre seu cerco e abraço, meu cio
de vermelha dança de fruta sob os claros dentes.

Canto da andorinha

Novembro borrifa hastes e pássaros
e jovens com tributos a Eros,
enquanto meus dentes cheiram a espera.

Moços com dóceis músculos morenos,
sob a alva textura das camisetas,
desenvolvem passeios e criam olhares

com páginas, para roçar de coxas
e espumar de toques e bailados,
que recolho e preencho, caligraficamente.

Os beijos buscam todas a entrâncias
e relevos; os murmúrios debulham
todos os advérbios do corpo franco

em que escrevo, pausada e afoitamente,
mordidas, perfumes, cercos e sucos
de arrepios em revoada sobre a pele.

A noite atravessa o tempo breve
e o rapaz absorve níveos veios
que derramo sobre suas vontades

abertas para os cantos de novembro
e para os gorjeios tão claros das moedas
em flor.

Os ventos a calmaria estilhaçam

Os ventos a calmaria estilhaçam
e as águas, ai meus olhos e mãos,
devoram botões e fecho ecler morenos.
Seu jeans cede, cede sua camiseta.

Não há tempo para rouxinóis e rimas:
masco seu cheiro de erva doce,
enquanto todas as minhas idéias naufragam…

Não há jeito para azuis e nuvens:
deixo baixos-relevos vermelhos
em cada alqueire de sua nuca e colo.

Cavalos arrulham antúrios sôfregos.

Não há tempo para incenso e céus
exceto para uma morna via láctea errante
que consteliza cada verbete de suas grutas.

[Poemas do livro Dos olhos, das mãos, dos dentes. 1992. Reprodução autorizada pelo autor.]

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Paulo Roberto Sodré, nascido em Vitória em 1962, é poeta, escritor, pesquisador e professor universitário de Literatura na Ufes, com vários livros e artigos publicados. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui.)

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