AS GRADES
Tirem-me daqui!
Não pedi este lugar nem esta condição.
De quem são estes passos de tacões cadenciados no escuro
fazendo ronda aos meus pressentimentos?
Um canto longínquo avança pelos corredores da noite
nem poderei saltar pelas janelas.
Tirem-me daqui, tirem-me daqui!
Peço demissão! Fechem a porta! Não estou!
Ausente a memória (cuidado com o cachorro!).
Se me procurarem digam que não sou.
Meu amor anoiteceu
e eu não sabia.
Não me chamem
que eu não nasci.
THE IRON BARS
Let me out of here!
I haven’t asked for either this place or this condition.
Whose are these rhythmic footsteps in the dark
roaming my premonitions?
A far away song unfolds along the halls of the night
I won’t be able to jump out of the windows either.
Get me out of here, get me out of here!
I quit! Close the door! I’m not in!
Absent memory (beware of dog!)
If anybody looks for me, say I don’t exist.
My love faded
and I didn’t know.
Don’t call my name
because I wasn’t born.
[Translated by Marina Busatto.]
MAGNATAS DO MEDO
O medo se insinua nas carnes
o medo se insinua nos ventres
por toda a parte o medo
desprotegido o ser desprotegido
não conta com o teto
nem com o subterrâneo.
O medo solto tem face de morte
inevitável.
Todos têm medo.
Se andas o medo te assalta
se ficas o medo te petrifica
sobretudo não penses
que o medo está lá dentro
terás uma surpresa desagradável.
Nada te protege do medo.
Os que dormiam
acordaram o medo
e os sonhos amanheceram de olheiras
em pranto procuram abrigo
do enorme medo que se instalou no mundo
inconsciente
onde a vida é apenas provisória.
O medo semeia os campos
o medo enche as cidades
o medo esvazia as fábricas
o medo freqüenta universidades
porque a vida é provisória
e a ameaça vem do chão
da terra em que se pisa.
O medo fez do sol o clarão atômico
e da noite as trevas de fumaça e cinza.
Escatologia e apocalipse
são rotinas de calendários do medo.
Instalou-se um acampamento de observação
na margem oriental do medo
já não está mais já se foi
vais procurar e não tens pista
o medo apaga os indícios
da esperança
vais ver não tem raiz no coração do homem.
Diante deste espetáculo
muitos são os braços caídos
muitos os olhos que fixam o porvir
com fixidez de parvos.
Ninguém grita
para não assustar o medo
se ele souber pode ser pior
virá a repressão do medo
e então multiplicar-se-á a morte
de enfarte de embolia de apoplexia de
taquicardia de covardia de medo.
O medo batizou nosso tempo
tudo o que se faz a ele paga preço
ingresso e saída.
Assim não dá assim não pode
as cartas são jogadas no medo
o lucro é um assalto do medo
a perda é a raiva do medo
todos desencontrados procuram a porta
a solução dos conflitos elementares instalados
e gerados no seio social da sociedade
o medo faz esquecer a saída.
Se perguntarem sobre o medo
não responderás: não sou responsável
não sabes
não compartilhas.
Estão vendendo o medo a prestações
na clandestinidade
não sabes a fábrica
mas ele aparece nas bocas nos olhos
medo gasto nas mãos.
Fizeram um congresso.
Outro tentou descrever-lhe a órbita
o seu giro parabólico
houve quem tentasse descrever-lhe a origem metafísica
as pesquisas ficaram interrompidas
quando se instalaram as armas do medo
nos corações dos que julgavas vizinhos.
Entre o medo e a insônia todos se esgueiram
esvaziam as platéias
escorregam por sob as cadeiras e arquibancadas.
Todos os dramas vêm das cavernas do medo.
E se perguntarem: que é o medo?
dirás apenas:
“é o inquilino do vento” ou
dirija-se até a galáxia mais próxima.
O BEIJO SOB O GUARDA-CHUVA
1.
O beijo sob o guarda-chuva
não é um beijo qualquer
não é um beijo de marquise
não é um beijo no sofá
não é um beijo no parque
O beijo sob o guarda-chuva
é um beijo cheio de cálculos
tem que ter a chuva
tem que ter a hora da chuva
tem que ter o guarda-chuva
tem que ter o dono do guarda-chuva
O beijo sob o guarda-chuva
não é um beijo
O beijo sob o guarda-chuva
não é um beijo qualquer
é O BEIJO
o beijo sob o guarda-chuva
2.
O primeiro beijo
é um beijo beijado
é um beijo inesquecível
é um beijo danado
ou tem gosto de amor
ou gosto de pecado
porque o primeiro beijo
é um beijo invejado
ou porque foi sem querer
ou porque foi planejado
foi beijo que se guarda
e muito bem guardado
por aquele que beija
por aquele beijado
ai! a sua lembrança
é beijo imortalizado
3.
Ele é que beija
Ela é beijada
Ele é o amante
Ela é a amada
No jardim
ou na sacada
No sofá
ou na escada
Ele é que beija
Ela é beijada
Um e outro beija
O beijo é um
Um beijo
E cada!
Ele é o amante
Ela é a amada
THE KISS UNDER THE UMBRELLA
1.
The kiss under the umbrella
isn’t any kiss
isn’t a kiss under the marquee
isn’t a kiss on the sofa
isn’t a kiss in the park
The kiss under the umbrella
is a calculated kiss
you’ve got to have the rain
you’ve got to have the right time of the rain
you’ve got to have the umbrella
you’ve got to have the owner of the umbrella
The kiss under the umbrella
isn’t a kiss
the kiss under the umbrella
isn’t any kiss
it is THE KISS
the kiss under the umbrella
2.
The first kiss
is a kissed kiss
is an unforgettable kiss
is a damn good kiss
it tastes like love
or it tastes like sin
because the first kiss
is a craved kiss
becuase it was by accident
or because it was planned
it was a kiss to be cherished
and very well cherished
by the one who kisses
by the one who is kissed
ah! its memory
is an immortal kiss
3.
He is the one who kisses
She is kissed
He is the lover
She is the beloved
In the garden
Or in the balcony
On the sofa
Or on the stairs
He is the one who kisses
She is kissed
One and the other kiss
The kiss is one
One kiss
And what a kiss!
He is the lover
She is the beloved
[Translated by Marina Busatto.]
DECLARAÇÃO DE AMOR
O que por ti sinto apenas sinto
a palavra é ausência.
Em boca, nua miséria,
os uivos que dela nascem
são pássaros congelados
de medo e noite.
Vizinho do precário e provisório
o instante: cristal de eternidade!
O que por ti sinto apenas sinto
embora apalpe no ar
sensações vivas de pulsantes raízes.
Dúvida — mistério — silêncio
são a minha horda de presságios
no cárcere da garganta.
TEMPOS MODERNOS
No bar do beco
a moça serviu
o dia inteiro
um caldo e um pastel
No bar do baco
o caixa registrou
o dia inteiro
um caldo e um pastel
No bar do beco
as bocas consumiram
o dia inteiro
um caldo e um pastel
Um caldo e um pastel
matam a fome
sossegam a criança
cortejam a balconista
porque o mundo é essencialmente
um caldo e um pastel
O dia inteiro meu coração registra
um dia inteiro
a moça que serve
um caldo e um pastel
MODERN TIMES
In the bar of the alley
the girl served
all day long
sugar cane juice (*) and pastry (**)
In the bar of the alley
the cashier rang up
all day long
sugar cane juice and pastry
In the bar of the alley
the mouths consumed
all day long
sugar cane juice and pastry
Sugar cane juice and pastry
kill hunger
pacify the child
woo the waitress
because the world is essentially
sugar cane juice and pastry
All day long the whole long day
my heart rings up
the girl who serves
sugar cane juice and pastry
(*) “Caldo de cana” is extremely common in Brazil and can be found in any city all over the country. There are several snack bars or even street stands which are specialized on it. After being washed, the sugar cane is freshly squeezed and served with ice or mixed with lemon or pineapple juice to lessen its sweetness. [NT]
(**) “Pastel” is a deep fried flour dough snack rolled up with different stuffing, which ranges from cheese, ground meat to hearts of palm. Although it is usually salty, sweet versions can be made with banana and cinnamon. Served with sugar cane juice, it makes a delicious snack. [NT]
[Translated by Marina Busatto.]
dreamCAMBURIano
Roubaram a virgindade da moça
no escuro?
Um rapaz embriagou-se
de amor
de tristeza
de pobreza
de cachaça
e morreu afogado
na noite
Camburi
um seio enorme abriga
namorados confortáveis
trocando myloves testesCOOPERando
estacionam à margem da noite
com marés de sentimentos cúmplices
Camburi
teu seio marítimo
é um esquema de sensualidade
Tubarão ao longe espreita
Camburi amigão
és araceli altar do céu
sacrifício de inocentes
holocausto da pureza franciscana
Tubarão ao longe espreita
Camburi
moças shortbicicletando no calçadão
pernas sensualizam o crepúsculo
crianças brincam cachorros
rapazes futebolizam-se nas areias
dreamCAMBURIano
Marilyns Monroes de jeans cavalgam Hondas
Tubarão ao longe espreita
A batida no poste
o sangue na pista
o asfalto na pasta
uma dor da peste
misérias sem lista
Os carros passam
e ninguém pensa
Não pare na pista
não paste na pista
não passe na pista
não pise na pasta
nem pasto nem pista
mas pista com passo
compasso na pista
despista no passo
que o passo na pista
despista o compasso
não paste este pasto
não paste esta pista
que a lista do passo
repassa na pista
não pare na pista
não pare o compasso
nem pare esta lista
Antes que a tarde faça sobre a campa o monte
e o vento cesse o lúdico brinquedo
não pare no poste
não paste no poste
não passe no poste
não pose na pasta
nem pasto nem poste
mas poste com pose
posado no poste
disposto na pose
que a pose no poste
disposto o composto
não paste este pasto
não paste este poste
que a lista da pose
repassa no poste
não pare no poste
não pare a composta
nem pare esta bosta
Os carros passam
e ninguém pensa
Tubarão ao longe espreita
Camburi: praia mar (ar)anha e céu
roubaram a virgindade da vida!
AULA DE LITERATURA
A aluna de letras julgou que
o hai-kai
fosse o grito de dor do poeta.
O professor sentiu-se jogado fora
vontade de se lavar e pendurar no varal
e secar ao sol.
Mas eis que das camadas profundamente freudianas do ser
a primeira aluna da primeira fila
sentada mostrava a calcinha.
Então tu, só tu, puro amor
com olho cego à Polifemo
vê não sei como e dói não sei por quê!
LITERATURE CLASS
The literature student thought
the haiku
was the poet’s scream of pain.
The professor felt left out
feeling like being washed and hung on the clothes line
to dry in the sun.
But suddenly from the inner Freudian layers of being
the first student sitting in the front row
was showing her panties.
So you, only you, true love
with a blind eye like Polyphemus
see I don’t know how and ache I don’t know why!
[Translated by Marina Busatto.]
AS FÁBULAS
E morrer contando estas histórias
acontecidas no alto ministério
da vida.
Não esquecer fumos de castelos sonhados
de planetas perdidos
de rios submarinos
contando histórias idas
entrecortadas de mistérios e perguntas.
E morrer pelos tempos alternados
com fantasmas horrores e arrepios.
Estas histórias:
cavalos de fogo despenhados
rasgando aceiros de incêndio imaginário.
Morrer e renascer histórias fabulares
nas histórias novamente acontecidas
em lábios de crianças
que morrerão contando estas histórias
nos altos silêncios paradas
sempre mesmas
acontecidas no alto ministério
dos ouvidos.
THE FABLES
And die telling these stories
told in the high ministry
of life.
Don’t forget the mist of dreamed castles
of lost planets
of under-water rivers
telling stories
intertwined with mysteries and questions.
And die for the time interwoven
with ghosts horrors and chills.
These stories:
horses of fames launched
through ditches of imaginary fires.
Invented stories dying and being reborn
through the stories once again retold
on children’s lips
who will die telling these stories
in the still, high silence
always the same
told in the high ministry
of the ears.
[Translated by Marina Busatto.]
CIDADE HISTÓRICA
O tempo rói o porto
o tempo rói o casario cansado
enquanto o Cricaré vai embora
(entre)tecendo o tempo
nas voltas pela planície.
A memória flui do velho casario
escorado na miséria do ar parado.
O casario irmão do vento e da chuva
dá ombros a ervas e musgos
que escorrem das paredes.
Portas e janelas olheiras
olham cansadas e fixamente
o Cricaré.
As águas barrentas levam o tempo
do casario em demolição.
Não mais o homem na porta
e a moça bonita na janela.
O tempo a todos leva em silêncio
imperceptivelmente
e o casario sonha.
[Transcritos de O bicho antropóide]
Luiz Busatto nasceu em Ibiraçu-ES, em 1937. Graduado em Letras, com cursos de especialização em Portugal (Teoria da Literatura e História da Literatura Portuguesa), na Itália (Filosofia), mestrado em Letras pela PUC/RJ e doutorado na mesma área pela UFRJ. Professor da Ufes e da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Colatina (1969-1983). É membro do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo e da Academia Espírito-santense de Letras. Foi presidente do Conselho Estadual de Cultura (1993/4) e vice-presidente (1986/7). Tem várias obras publicadas, sendo um estudioso da imigração italiana.