Intradução-Tradição-Traição:
* Obs. do tradutor: o ovo alquímico teve sua postulação inicial formulada por Sócrates e continuada pelos alquimistas, séculos depois. Seria a forma escolhida pelo filósofo para escrever toda a sua obra de uma só vez. Seu discípulo, Platão, decifrou-o por anos, dele extraiu seus próprios livros, os que escreveu em lugar de Sócrates e as lições proferidas a Aristóteles.
Além do poder trivial de transformar qualquer objeto em ouro — sua descoberta foi feita por Midas em toque filosofal — reúne, em si, todas as letras do universo. Talvez, por isto, sua função maior seja a de receptáculo de tudo o que o homem já escreveu e do que ainda há de escrever.
Sua formação coincidiu com a gênese e sua desintegração marcará o apocalipse.
Toda linha reta é uma elipse.
COMENTO INTERESSANTÍSSIMO AO OVALQUÍMICO:
Um ovo é só um ovo, por isso devemos deixá-lo em paz ou estaremos correndo o risco de sermos engolidos por ele. As complexas estruturas subjacentes ao extremamente simples são razão de muitas razões, que se racionalizam e multiplicam, até que se descobrem simplesmente complexas e o processo é reiniciado. Assim redunda a humanidade, abjurando o elementar com seus véus simplificares e recorrendo a explicações multiplicares.
As linhas que compõem o ovo, quando traçadas retilineamente, apresentam o aspecto de uma pequena joia. Herança alquímica herdada por antigos joalheiros europeus ou apenas coincidência?
O ovalquímico é uma iluminação a quem o contempla. Suas linhas aparentemente desconexas, embora simétricas, são o começo de um novo ovo que, por sua vez, forma outro ovo ad infinitum.
Os gregos acreditavam que o círculo era perfeito, uma vez que todos os pontos que o compunham eqüidistavam de seu centro, além de circunscrever figuras geometricamente equilibradas. Assim, por muito tempo pensou-se em nosso planeta como numa esfera, nas órbitas dos planetas como circulares e no próprio universo como um conjunto de esferas concêntricas onde cada uma encerrava certo astro.
Uma bola de futebol só é esférica parada. Quando fica plena de significado, ou seja, orbitando em direção ao gol, é uma ovoide de sensível excentricidade. As órbitas dos planetas são elipses e os planetas são achatados — e os mais duros só não são por serem uns chatos.
A elipse é imperfeitamente perfeita, ou perfeita em suas imperfeições. O ovalquímico é uma representação bidimensional antiga mas não ultrapassada do cosmo. Aqueles que tentaram fazê-lo em três dimensões, tal qual um ovo, enlouqueceram. A quarta dimensão do ovo desdobra-se por todo universo. Mais perfeito que o hipercubo desdobrado ou tesseract de Hinton é o hiperovo. O ovo é dadá, o ovo agride àqueles que o rodeiam e se dão ao sacrifício de decifrá-lo. O mínimo possível a ser feito é estender seus domínios bidimensionais aos ovos que o circundam — elipses infinitas que formam uma mandala.
Existe no ovalquímico uma parte tão desconcertante como ele todo: a linha que o separa em dois hemisférios. Até onde se estende essa vertiginosa linha do hiperovo? Talvez ela seja o ponto de contato entre dois ovos de dimensões infinitas, ovoscritos num ovo cósmico inimaginável. Talvez seja o sinal da cisão do hiperovo, atestando a ruptura da matéria como um auto arranjo universal necessário. Talvez as extremidades dessa linha encontrem-se em outra dimensão, fora do papel, do tempo, da vida.
O ovo está presente na matemática, quando lidamos com conjuntos infinitos, tais como o dos números naturais e o dos números pares. Neles, o todo pode ser igual à parte. O ovalquímico é uma parte igual ao todo: um aleph. O que está fora do ovo é nada. Cada vez que o ovo é pensado, o nada perde espaço. E o que é o espaço, senão uma casca de ovo que se racha para fazer surgir múltiplos ovos de si? O nada opõe-se ao ovo porque o ovo precisa do nada para germinar. A vida é a gema do ovo. “Toda linha reta é uma elipse“.
GERMINOVANDO ELIPSES:
Lugar-Comum
As coisas são como são.
E se resolvem por si mesmas.
Se não der certo, o final não chegou.
Qualquer coisa é a mesma coisa.
Enlouquecido pela saudade,
A ela renunciei para salvar-me.
A lucidez asséptica sem um traço de emoção
tornou a rotina que adoro uma doce prisão.
Para resolver esta contenda entre juízo e razão,
Crio o gênero feminino para todas as palavras,
Crio um invariante significante universal absoluto para tudo,
[ou melhor:
Cria uma invarianta significanta universala absoluta para tuda,
[oua melhora:
As coisas se resolvem por si mesmas.
As coisas sa resolvam pora sia mesmas.
As coisas são como são
e se resolvem por si mesmas.
Chegou a finala.
Afinala chegoua.
Chegou a.
A Resposta como Invariante Universal Absoluto
Pergunte-me qualquer coisa
e eu lhe responderei algo
que você não poderá dizer que está errado:
Qual é o seu nome?
Sei lá.
Você vai fazer o quê?
Sei lá!
Qual o sentido da vida?
Seilar, do verbo “sei-lá”.
Sou um decifrador de códigos
em busca da invariante universal absoluta:
A essência da ciência da cria una,
Aquela que em tudo se reúna:
A cria, a cor de veludo que ilumina.
Da fria cor que tudo nos mina:
Numa hora gera, na outra fulmina.
Epílogo
O “Ovo Alquímico” nasceu de uma brincadeira de puberdade solitária, talvez até de infância, em que me punha a desenhar um ovo e, daí, a dividi-lo de diversas formas. No início, era algo meio aleatório, puro prazer lúdico, um processo de criação em que eu entrava em transe — e o desenho do ovo, recortado por várias linhas, fazia o papel de uma espécie de mantra, de comando de hipnose, de oração convertida em milagre. Desenhava-o nos meus cadernos escolares, na areia da praia, tal Anchieta, na grama arrancada para compô-lo e por onde achasse necessário — cheguei a acreditar que se tratava de um talismã, de um versátil amuleto.
Depois, achei de procurar um propósito para a forma final a que tinha chegado. Como esta acabava sendo a mais bela, por meio do ovo descobri a beleza. Tinha, então, 14 anos de idade, e o concluí aos 45 — 31 anos de trabalho que não senti passarem, pois estava me divertindo.
A única serventia para os traços ideais dentro do ovo era a de brincar, descobrindo figuras — entre elas as letras do alfabeto — em seu interior. Fui, depois, aperfeiçoando-o, até que ele se tornou um invariante universal absoluto: uma estrutura eidética individual (etimologicamente, essência que não pode ser dividida) a partir de que se pode multiplicar do “Um” até alcançar uma cifra que resume a energia da massa do universo. A partir do “Um“, cria-se tudo. Um multiplicador de potência que começa do Um e chega ao infinito.
Um invariante seria o ponto em que o conjunto universo não muda: o conjunto interseção entre as partes do universo. Ao mesmo tempo, consiste no seu resumo e, deste ponto comum, o processo contrário poderia ser realizado, criando-se, da interseção eidética, o restante do conjunto universo a que pertence.
Batizei o “Ovo Alquímico” de “invariante universal absoluto”. Corresponderia ao que alguns chamam de sistema, de essência e outros, ainda, de pedra-de-toque: o ovo alquímico contém todas as letras dos alfabetos em estado gestativo, criativo, embrionário em expansão.
Com as letras, formam-se as palavras e daí as frases. As frases, por sua vez, encadeiam-se em um pensamento — ou em materialidade — para expressar o que a demanda social decidir.
Sem palavras, o mundo não existe porque ninguém pensa além da linguagem e não há pensamento sem ela.
Extraí a ideia de essência da fenomenologia.
Chamei-o de sistema porque nenhum dos elementos que o compõem pode ser retirado sem que ele deixe de existir.
Meu filho, Alexandre Herkenhoff Gama, produziu, aos 12 anos, sem o saber, um belo exemplo de invariante universal absoluto: o poema Zebedeu. Zebedeu significa o conjunto das palavras existentes em qualquer idioma: casa, andar, horse, de, terroir, muito, pálido, etc. Etimologicamente, segundo ele, Zebedeu se originou de Zebelinha, que significava, primitivamente, “carona na cacunda”. Hoje tem 20 anos e estuda no ITA, graças à força de Zebedeu.
Nomeei de “Ovo Alquímico I (INTEGRAL)” uma escultura concluída em 2003 (veja foto abaixo) que utiliza o “I” com ambígua ubiqüidade. Há uma dupla leitura de “um” e de “i“. No sentido de “um”, passa a ideia de “primeiro”. A acepção de “i” remete à primeira letra de INTEGRAL porque nada foi retirado do ovo: ainda representa o sistema inicial de propulsão da realidade. Porque, potencialmente, ele possui o que constitui a realidade: a essência de todos os momentos justapostos, passados e futuros.
Nele reside o feto, o embrião da possibilidade de se expressar o real e, daí, a sua realidade.
Outro dos invariantes plásticos recebeu o título de “Gênesis” (veja foto abaixo). Poderia descrevê-lo como um quadro composto por uma pintura — meu auto-retrato? — saindo de uma moldura em forma de ovo quebrado. Retrata o momento do parto do ovo alquímico, ou melhor, o momento em que o ovo alquímico dá à luz o universo, via “big-bang“, em que produz a realidade por meio da beleza. Abrange, simultaneamente, os sentidos de “gênese“, começo, e de “gênesis“, livro da Bíblia.
Lembremo-nos que, antes do big-bang, a massa inteira do atual universo estava contida em um objeto do tamanho do Ovo Alquímico. Gênesis, portanto, é o big-bang que criou o universo, a realidade, o tempo e o espaço, antes inexistentes, por meio da criação da possibilidade de sua expressão. Ou seja, pela criação da língua, que permitiria a expressão do universo por ela.
O poema “Lugar-comum” transforma em arte outra brincadeira, já bem recente, em que eu “passava para o feminino” qualquer palavra ou frase: “carro” virava “carra”, “homem”, “homa” (“as homas chegaram”, por exemplo) etc.
O lírico e divertido “A Resposta como Invariante Universal Absoluto” tenta resolver uma das dificuldades lógicas humanas: costumo dizer que problemas são insolúveis e que, até mesmo, não foram feitos para serem resolvidos definitivamente. Deveríamos esperar, no máximo, o crescimento pessoal por meio das soluções obtidas, sempre circunstanciais, contextuais e… erradas. A epistemologia mostra que até mesmo as leis científicas são provisórias. Portanto, encontrar e efetuar as perguntas corretas ajudaria mais do que apresentar os resultados certos, sempre errados pela sua efemeridade: falta o futuro na equação. Este poema dribla, com seu bom humor, o pessimismo da razão.
O Ovo Alquímico constitui o centro de forças da força que força a farsa do real. Nem bem nem mal. A entronização do ovo na casa do ser eliminou todo o azar que a teoria do caos estava trazendo à sua estrutura material. Mas jamais feriu o sonho.
O sonho é o ovo é o sonho. O real é formado por sonhos que se convertem em realidade. O ovo é o sonho é o ovo.
Genesis e Ovo Alquímico I (INTEGRAL). |
[In Ovo Alquímico, São Paulo: Escrituras, 2016. O teor desta postagem é anterior à publicação do livro, como se pode verificar. Reprodução autorizada pelo autor.]
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Oscar Gama Filho é psicólogo, poeta e crítico literário com diversas obras publicadas.(Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)