O OUTRO HOMEM DA MULHER QUE AMO
O outro homem da mulher que amo,
há nele as minhas marcas que são dela
e sempre encontro indícios dele quando
ela se despe e se abre e posso tê-la.
No corpo dela, o gotejar freqüente
de nós, formando sulcos, vias, trilhas,
dentro da noite em que ela se oferece,
não deixa que nos sobre alternativa:
eu sigo os mapas dele, acrescentando
ao já sabido as minhas descobertas,
e ele me segue na mulher que amamos.
Pois tanta variante há no caminho
que — ou dois ou nada — um de nós apenas
não vai sobreviver nela sozinho.
ROMANCE CONFESSO
(Fechado entre parênteses, confesso
o meu romance, o meu romance aberto
e incesto: no abismo de mim pra migo,
sou todo nós — plúribo e uno em grau superlativo.
Sou persona, pensamento, gesto e verbo.
E Deus que não intente em seus desígnios
forjar-se à minha imagem e semelhança,
pois meu romance, este sou eu, confesso,
entreouvidovisto, parentético,
farto de enigmas, termos intrigantes,
me vindo à tona, fruto de um invento
de ti pra tigo — ad perpetuam rei memoriam.)
E AGORA EM DESCONCERTO ME PERGUNTO
E agora em desconcerto me pergunto
Onde estou. Vou ver quem sou, volto mais mudo.
Ao silêncio, então, me exponho e, novamente
sucumbido à solidão, calmo, entredentes,
vejo a luz que interrompia as persianas,
ouço a música dos corpos que eu tocava,
lembro os gestos de uma busca alucinada
do prazer que se antevia neles. Tantas,
tantas vezes, porém, encontrei Lias
disfarçadas entre as formas de Adrianas,
cada qual plantada em sua própria ilha,
que, por último, eu assim que me esqueci
de encontrar-me e, a cada instante que passava,
fiquei nelas — eu assim que me perdi.
TEUS OLHOS, COMBINANDO COM A CAMISA
Teus olhos, combinando com a camisa,
são réstias, na verdade, de um intento
em tons de luz — molduras de um enigma
que te resume e, assim, te muitifica.
Ao longo da tua pele arrepiada,
a chuva que te cerca é a mais ativa
das formas de defesa que, encantada,
correste a procurar contra a investida
dos anjos, que aos homens (e é notória
a tua parceria com a libido)
não podes te furtar, por proibido.
É então que, encurralada nas esquinas
da tarde irreparável da memória,
nós te alcançamos — mas ficas longe ainda.
[In Tanto amar. 1991. Reprodução autorizada pelo autor.]
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Miguel Arcanjo Marvilla de Oliveira nasceu em Marataízes, ES, em 29 de setembro de 1959 e faleceu em Vitória, em 2009. Mudou-se com os pais para Vitória em 1964. Poeta, concluiu em 1996 o curso de graduação em Letras-Inglês na Ufes e cursou o mestrado em História na mesma universidade. Publicou diversos livros. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui.)