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Prefácio do livro Razão do Brasil em uma sociopsicanálise da literatura capixaba

Apesar de jovem, nascido em 1958, já é grande a bagagem literária de Oscar Gama Filho. Estudioso, com talento, conhece como ninguém a história cultural do Espírito Santo. Nada faz nem escreve sem uma demorada pesquisa das fontes primárias. É meticuloso, preocupado com a firmeza de suas conclusões, transmitindo logo ao leitor a segurança do que afirma. Não tem pressa em produzir e publicar, e só o faz depois de se haver convencido, em primeiro lugar, do que lhe parece ser a verdade histórica. Cerca-se de bons elementos de convicção e busca as melhores fontes. O que mais surpreende nele, porém, é a capacidade criadora, inovadora, ainda que em terrenos em que muitos já transitaram. Psicólogo da Universidade Federal do seu estado natal, não se esquece do indivíduo e das grandes personalidades como agentes da cultura em meio aos grandes painéis coletivos e gerais. O microcosmo reflete o macrocosmo. Tanto vê o particular como o geral, numa interação de influências e criações.

Num estudo interdisciplinar — histórico, sociológico, literário, psicanalítico — procura compreender o Brasil como um todo, partindo da história da literatura do Espírito Santo para surpreender o universo nacional. Na primeira parte, “Brasilogia”, busca uma visão total do Brasil. Utiliza-se, para isso, do método fenomenológico, colocando entre parênteses a si próprio, para, de forma direta e imediata, sem preconceitos ou noções preconcebidas, chegar à essência do que lhe parece ser o Brasil. O problema é árduo, pelo tamanho do gigante, sua complexidade e seus contrastes, mas de uma coisa está certo: é preciso partir do começo, da própria descoberta da nova terra e de sua formação. Como foi descoberta, como a povoaram, quais os caminhos da sua colonização; porque daí, com o seu início, se constituirá todo o futuro da nova nação. Desde logo percebe que, na sua criação, faltou o principal, o povo: “Abro os olhos e tento dar ordem ao caos: colônia criada por decreto, no Brasil quinhentista, paradoxalmente, as leis, as instituições, o governo e a religião foram preparados e implantados fora daqui, no estrangeiro Portugal, a priori, de cima para baixo, antes da presença daquele elemento que deveria produzi-los: o povo. Por incrível que pareça, na formação nacional, o Estado antecedeu o povo. Toda semelhança com a atualidade não é mera coincidência. E, se não havia povo, não se pode dizer que havia pátria.”

[…] Achamos verdadeiramente original e corajosa a conclusão do autor, contrariando o lugar-comum adotado na história da nossa literatura.

[…] O autor expõe seu ponto de vista, quase sempre original, confiando em seu próprio critério crítico, como se fosse o primeiro leitor da obra que analisa. Sua independência crítica é, deveras, elogiável. Nunca se trata de mera compilação de citações eruditas que se repetem.

[…] A despeito desta conclusão, o livro não chega a ser pessimista, mantendo-se, pelo contrário, realista e servindo de advertência. Com grande poder de síntese, partiu o autor desde os primórdios do Brasil-colônia, passando pela monarquia e pelas diversas repúblicas que viveu, mostrando que os seus males são antigos, surgidos do conflito entre o que poderia ser verdadeiramente a brasilidade e o que nos foi imposto de fora para dentro, de cima para baixo, sem que o povo tivesse vez, uma que fosse, de tomar posse de sua força e de seu governo.

Estudando com profundidade o período entre o século XVI e o XIX, na literatura regional do seu estado, veio do particular para o geral. Os caminhos e os males foram, de certa maneira, idênticos, considerado “o Brasil como um ser social acometido por um quadro psicótico originado das condições de formação da nacionalidade.”

Seu objetivo foi o de buscar a essência da brasilidade, não deixando nunca de associar as condições de vida material, das relações de produção com o que se conseguiu construir de vida cultural e literária. O Estado formou-se antes do povo brasileiro, que deveria e deve ser o verdadeiro pai, daí a esquizofrenia nacional, que só encontra cura “caso o próprio povo, recuperando a brasilidade perdida e revestindo-se de cidadania, passe o ocupar o lugar simbólico do pai no inconsciente nacional”.

Nem tudo está perdido, no entanto. A exposição realista do autor, quase pessimista, deixa a porta aberta da esperança, assumindo o povo o seu verdadeiro papel de centro dinâmico da história, e não mais o de permanecer em estado de poeira, dissolvido e explorado. O livro alcança os seus propósitos, de estudo multidisciplinar, com pleno conhecimento do material de que dispõe ou possa dispor. E tudo isso sempre num estilo límpido, claro, simples, sem os jargões das ciências humanas de que se serviu para elaborá-lo.

[…] Valeu o esforço de Gama Filho, que, por certo, merecerá a compreensão e o aplauso de seus leitores, que sempre lhe ficarão gratos pela honestidade e firmeza com que fez a análise deste nosso país, ainda às voltas com a esquizofrenia que lhe impingiram originariamente.

[Rio de Janeiro: José Olympio Editora; Vitória: Fundação Ceciliano Abel de Almeida, 1991. p. XIV-XXV.]

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Evaristo de Moraes Filho foi advogado, escritor, professor universitário e membro da Academia Brasileira de Letras. Natural do Rio de Janeiro, nasceu em 1914 – Rio de Janeiro e faleceu em 2016.

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