Não foram somente os contrafortes da Serra do Mar que obstaram à expansão dos imigrantes para o interior do sul capixaba, nem os índios aguerridos, bravos como formigas taçaremas. O grande negócio de os prender para escravos, mais rendoso do que a mineração do ouro, abreviaria a conquista da mata virgem.
Havia uma proibição de se abrirem estradas para o interior: as matas do leste eram consideradas áreas proibidas; deviam-se conservar como um cinturão protetor, uma barreira natural, dificultando a evasão do ouro das Minas Gerais. Daí, a importância e significação da Estrada do Rubim.
Cinco anos antes de ser expedida tal ordem régia (em 1705), Pedro Bueno Cacunda vendeu as suas propriedades no rio das Mortes e veio povoar a serra do Castelo, onde permaneceu por trinta anos.
Intensificou-se a exploração do ouro do rio Caxixe, cujo curso os Jesuítas já haviam desviado, para batear. Formaram-se povoados de garimpos no Caxixe,Arraial Velho,Salgado e Ribeirão do Meio. Os habitantes desses povoados se comunicavam com o litoral, de canoas, pelos rios Piúma ou Itapemirim.
Nos anos de 1783 e 1784, segundo informação do Governador Tovar, que não confere com a do historiador Basílio Daemon, o qual registrou 1771 e 1776, enquanto Antônio Marins deu como mais provável o período de 1776 a 1780, as minas do Castelo foram abandonadas, devido à invasão dos Puris e Botocudos.
Numa verdadeira epopeia, os exploradores dos garimpos e lavradores desceram o Itapemirim, com as suas famílias, levando a imagem de S. Benedito que havia na igreja de N. S. da Conceição das Minas do Castelo (a qual fora ereta em Matriz no ano de 1754), transferindo-a para a capela de N. S. do Amparo do Itapemirim.
Decorridos alguns anos, essas minas voltavam a ser revolvidas por Julião Fernandes Jeam, segundo notícia que o mesmo forneceu ao Presidente da Província, Acióli de Vasconcelos, na data de 28 de julho de 1826: “Tendo obtido de V. Exa. licença para juntamente com os meus sócios poder explorar as minas do Castelo, abandonadas há cinqüenta anos, cumpre-me participar que a 8 de dezembro passado dei princípio nesta interessante obra com dezoito escravos, três índios Botocudos, oito homens jornaleiros e dois velhos práticos das sobreditas minas; força nunca desproporcionada aos trabalhos que projetei.” Após oito meses de trabalho, ele relata, no aludido documento, que descobriram cinco minas; providenciaram a abertura de duas léguas de estrada e a construção de vinte e sete casas, nas minas. Nos três últimos meses, tiveram a assistência do Coronel Jacob Bridges e de Antônio Francisco Abreu, agentes da Sociedade Mineira da Província. O garimpeiro Julião estava “Muito satisfeito das vantagens que oferecem os sertões das minas do Castelo em agricultura e mineração e posso certificar a V. Exa. que nenhum ouro nos foi possível extrair pela abundância das chuvas que apenas nos permitiram tocar o cascalho e conhecer a riqueza do ouro da qual remeto a V. Exa. uma diminuta amostra. Acrescento mais, terem sido as sobreditas minas trabalhadas por mui hábeis mineiros, restando só o que não puderam extrair por depender de forças e de socorros difíceis obter naquele tempo…” Após manifestar sua esperança de tirar, ainda, alguma riqueza, naquelas minas esgotadas, informa que encontrou “…as minas do antigo arraial e freguesia do Salgado com imensos laranjais e bananais que apesar do tempo, se conservam pela fertilidade das terras, servindo de sustento aos índios Botocudos que habitam aqueles sertões em grande número e com. os quais não tive algum encontro, apesar de ver todos os dias os seus trIlhos e rastros frescos”.
Em documento firmado a 23 de janeiro de 1828, a Câmara da Vila de Itapemirim informava ao Governo Provincial “…que os lugares mais próprios de cultura, localidade e boa planície” se encontravam às margens do rio Fruteira, afluente do Castelo, “podendo-se com alguma indústria, fazê-lo navegável em alguns caxoeiros que será preciso desfazê-los”, terreno muito difícil, abundantíssimo de ipecacuanha e madeiras de lei: perobas, vinháticos e pau-brasil, acrescentava a informação. E, ainda: “Acham-se devolutas e sem culturas todas as margens do rio Itapemirim, Castelo e Fruteira, desde as Duas Barras para cima, tanto do Norte como do Sul…”
Expedido da mesma Câmara, encontrei, no Arquivo Estadual, um ofício, datado de 1833, informando que “…terrenos devolutos nas margens do rio [Itapemirim] existem distantes da foz seis léguas, cujas terras, a maior parte montanhosa e em pequenas vargens, próprias para todo o gênero de culturas do Brasil…”
Quanto ao povoamento do Cachoeiro, uma das sesmarias mais antigas foi a que o Governador Rubim, Capitão de Fragata da Armada Real, Coronel de Infantaria de Milícias, Presidente da Junta Real da Fazenda, concedeu ao Capitão Francisco Gomes Coelho da Costa, em 1811, título posteriormente confirmado. Formava “um retângulo, cuja base tem 1.311 braças, principiando da Vila do Taubira, limite dos herdeiros de Manoel de Oliveira Matos, a oeste pela margem do rio até a ponta da segunda volta do Cachoeiro Grande,donde principia o lado do retângulo pela margem do mesmo rio a Norte, que tem meia légua até a ponta da Ilha da Esperança [Ilha da Luz], findando o lado de baixo na Serra do Chorro com igual extensão…”
O Capitão Coelho da Costa era também proprietário das terras da fazenda Areia, fronteira à Vila de Itapemirim, a qual possuía engenho de cana, pastagens e mais de setenta escravos. Nela hospedou-se Saint-Hilaire, quando excursionou pelo nosso litoral.
Outra sesmaria muito antiga foi a que José da Silva Quintais solicitou, em petição, à Câmara do Itapemirim, em 1818. Ficava na margem do rio “…ao pé do Quartel da Barca” terras que se achavam devolutas e em matas virgens, e que, só depois de cinco anos, isto é, em 1823, ele obtinha a permissão de explorar. Tratava-se de “meia légua de terras em quadra, na margem do rio Itapemirim, no lugar denominado Caixões, onde se acha estabelecido, começando onde findam as terras de Luiz José Moreira”.
O Capitão José da Silva Quintais, lusitano, natural do Porto, residia há muitos anos no arraial do Caxangá,onde comerciava. Possuía outras sesmarias de terras. No ato da inauguração da Vila de Itapemirim (9 de agosto de 1818), ele assumiu o cargo de Procurador da Câmara, constando, como Juiz de Órfãos, o Capitão Francisco Gomes Coelho da Costa e, como Juiz Ordinário, o Tenente Luiz José Moreira.
Esse Tenente Moreira se tornou grande latifundiário na região. Foi dono da fazenda Colheres, que confrontava com a fazenda Ponta Grossa. Quando ele desposou, em segundas núpcias, a viúva do Capitão José Tavares de Brum, ampliou, consideravelmente, os seus domínios.
Um filho do Capitão Coelho da Costa, o Tenente Coronel Heliodoro Gomes Pinheiro, foi herdeiro das terras do lado norte do Cachoeiro, vendendo-as a Antônio Francisco Moreira.
O lado sul da cidade, terrenos do bairro Bahia-e-Minas, sabe-se que pertenceu ao Barão de Itapemirim.
[In Crônicas de Cachoeiro. Rio de Janeiro: Gelsa, 1966. Reprodução autorizada pela família.]
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Levy Rocha nasceu em 14 de merco de 1916, em São Felipe, então distrito de São João do Muqui. Graduado em Farmácia, residiu em Cachoeiro de Itapemirim e no Rio de Janeiro, interessando pela história de seu Estado natal. Publicou vários livros. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)