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Quinta parte: A modernidade

p) A época áurea: os anos 80

Na introdução ao seu Panorama das letras capixabas, publicado em 1982 na Revista de Cultura da Universidade Federal do Espírito Santo, José Augusto Carvalho assim se referia à literatura feita no Espírito Santo:

A literatura no Espírito Santo, conseqüentemente, não vive: não tem uma existência atuante e pode ser ignorada totalmente por um brasileiro culto. Os nomes capixabas que atuam nacionalmente pouco ou nada têm em comum com o Espírito Santo, a não ser, na maioria das vezes, o acaso do nascimento. Nosso Estado não surgiu nas suas obras como surgiu Minas Gerais, por exemplo, na poesia de Carlos Drummond de Andrade, ou na prosa de Guimarães Rosa, ou como surge a Bahia nas histórias de Jorge Amado, ou o Pará (Marajó), nos romances de Dalcídio Jurandir. Ainda se vive, em terras capixabas, na órbita cultural do Rio de Janeiro. Vislumbra-se, todavia, na moderna geração de intelectuais, um sentimento regionalista, sequioso de transformações, favorecido pela existência de um teatro local, de uma universidade nova, porém atuante, e de uma editora, que muito tem trabalhado pela difusão da cultura: a editora da Fundação Ceciliano Abel de Almeida, vinculada à Universidade Federal do Espírito Santo.[ 101 ]

A Universidade Federal do Espírito Santo, de que fala José Augusto Carvalho, fora criada em 1954 como universidade estadual, sendo federalizada em 1961. Pouco fizera, até então, pelo desenvolvimento cultural local em termos editoriais; uma revista de cultura, criada em 1967, circulara com grande irregularidade, e foi só. O processo cultural estimulado pela Universidade se fazia nas salas de aula, nos corredores das escolas, nas festas de sábado à noite na Faculdade de Filosofia.

Em 1978 foi criada a Fundação Ceciliano Abel de Almeida, vinculada à Ufes, tendo como um dos seus objetivos principais, que logo realizou, instalar a imprensa universitária. A primeira medida de caráter editorial da Fundação foi repor em circulação, com perfil marcadamente jornalístico, a Revista de Cultura da Ufes. A seguir, em novembro de 1978, saiu o primeiro livro editado pela imprensa universitária, uma coletânea, Estudos em homenagem a Ceciliano Abel de Almeida. Comemorava-se nesse ano o centenário de nascimento do patrono da Fundação, o engenheiro Ceciliano Abel de Almeida (1878-1965), primeiro reitor da universidade em sua fase estadual e autor de um livro de memórias, O desbravamento das selvas do rio Doce (1959; reeditado em 1978), incluído na Coleção Documentos Brasileiros, da José Olympio Editora, com prefácio de Luís da Câmara Cascudo.

A diretriz inicial da Fundação foi a publicação de obras de importância para o conhecimento do processo de evolução sócio-econômico do Espírito Santo. Criou-se então a Coleção Estudos Capixabas, em que saíram, como primeiros títulos, as Memórias de um imigrante italiano, de Orestes Bissoli, e uma reedição da Insurreição do Queimado, de Afonso Cláudio.

Três fatores determinaram a incorporação de obras literárias à linha editorial da FCAA: a) a presença, no comando do setor editorial da Fundação, de Reinaldo Santos Neves, Renato Pacheco e Oscar Gama Filho, escritores estreitamente ligados à literatura de ficção; b) a atmosfera de intensa criatividade por parte dos autores locais, sem opções formais de divulgação de seus textos; c) a pressão por parte da imprensa local, liderada, nesse particular, por Amylton de Almeida. Criou-se assim, na FCAA, a Coleção Letras Capixabas, destinada à publicação de obras literárias de autores capixabas. O sol no céu da boca, um livro de contos de Fernando Tatagiba, inaugurou a coleção em 1980, seguido imediatamente por outro livro de contos, As contas no canto, de Bernadette Lyra, em 1981. Este livro, premiado em 1975 com menção especial no Concurso Fernando Chinaglia, continuava inédito até então. A esses seguiram-se, até 1989, outros 38 títulos. Essa biblioteca de 40 volumes abrange todos os gêneros – romance, conto, poesia, crônica e sátira –, incluindo reedições de autores clássicos como Azambuja Susano e Mendes Fradique, textos de autores consagrados como Renato Pacheco, Rubem Braga, José Carlos Oliveira e Amylton de Almeida, e autores novos, revelados nessa coleção, como Fernando Tatagiba, Bernadette Lyra, Valdo Motta, Luiz Guilherme Santos Neves, e tantos mais. A maior parte dos autores capixabas hoje em atividade na literatura foi revelada nessa coleção ou aí publicou um ou mais livros. Francisco Aurelio Ribeiro analisou detidamente o significado da Coleção Letras Capixabas no contexto da literatura feita no Espírito Santo.[ 102 ]

Fatores paralelos contribuíram para que a década de 80 visse um despertar da atividade literária no Espírito Santo, mais especificamente em Vitória. Um deles – tendo também a Ufes como agente dinamizador – foi a política de estímulo à criação literária adotada pela Coordenação de Literatura da Sub-Reitoria Comunitária. Atuou-se aí em duas linhas simultâneas: os concursos e as oficinas literárias. É sintomático que, dos oito autores premiados no II Concurso Universitário de Contos – realizado em 1980, tendo na comissão julgadora João Antônio, Deny Gomes e Bernadette Lyra –, nada menos que seis estivessem destinados a se destacar no correr da década como editados na Coleção Letras Capixabas da FCAA: Adilson Vilaça, Miguel Marvilla e Ivan de Lima Castilho, classificados em primeiro, segundo e terceiro lugares, respectivamente, e Debson Afonso, Marcos Tavares e Sebastião Lyrio, premiados com menções honrosas. Todos eles, à exceção de Ivan Castilho, eram alunos de cursos da Ufes na época.[ 103 ] Paralelamente, foi realizada uma série de oficinas literárias pela professora Deny Gomes, das quais participaram alunos de Letras e jovens da comunidade interessados no ofício da literatura. Esse projeto, que teve seu embrião no I Seminário de Produção do Texto Literário, promovido em 1981 pela Coordenação de Literatura (então dirigida por Deny Gomes) da Sub-Reitoria Comunitária da Ufes, e que se institucionalizou a partir de 1982 como projeto da Sub-Reitoria e do Departamento de Línguas e Letras da Ufes, deixou pelo menos três registros impressos nessa década: Ofício da palavra (1982), contendo trabalhos realizados durante o Seminário de 1981, Traços do ofício (1983), contendo textos de oficina literária realizada em 1982, e Toques (1984), contendo textos de uma oficina de poesia realizada em 1984. Três dos “graduados” da oficina literária de 1982 – Francisco Grijó, Paulo Roberto Sodré e Valdo Motta – vão ser encontrados, mais tarde, na Coleção Letras Capixabas.

Outro fator foi a atividade de um grupo de sete autores, autodenominado Grupo Letra, que procurou movimentar o cenário das letras em Vitória, primeiro por meio de um suplemento literário (“Letra”) veiculado em nove edições dominicais de A Tribuna no ano de 1980, e em seguida por meio de uma revista, igualmente denominada Letra, de que saíram sete edições, entre 1981 e 1987. Fechada quase exclusivamente aos membros do grupo em seus quatro primeiros números (em alguns criou-se espaço para “convidado especial”), a revista se abre nos três últimos para abrigar, ao lado de autores consagrados, muitos dos jovens iniciados nas oficinas literárias coordenadas por Deny Gomes. A revista Letra de 1981 abre com o “Manifesto do Grupo Letra”, redigido por Oscar Gama Filho e assinado por todos os componentes do grupo:

As raízes do Grupo Letra encontram-se na página Letra, publicada dominicalmente, durante alguns meses, no jornal A Tribuna. Já naquela época, Letra era constituído por um grupo fixo de pessoas afetiva e intelectualmente ligadas. Com o término da página, alguns membros de afastaram do convívio intenso mantido até então, enquanto que outros, por conviverem mais assiduamente, não alteraram o costume do debate diário, feito em círculo menor, mas por isto mesmo, mais condensado e mais espesso.
Algumas idéias nos unem:
– Não vemos por que o Espírito Santo deva estar asfixiado por Bahia-Minas-Rio. Vitória é a segunda mais antiga dentre as capitais do país (precedeu as cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo), só perdendo para Salvador. Somos anteriores a Minas, contemporâneos do Rio e da Bahia, e mais antigos, em nossos quatro séculos e meio, do que boa parte dos estados restantes. Drummond já confessou que o “espírito de Minas” foi inventado a partir da (e pela) geração modernista mineira. Na qualidade de artistas, fazemos parte do único grupamento social, o dos criadores, capaz de poder inventar ou um espírito capixaba ou uma consciência de raça (ambos conceitos abstratos que transcendem a realidade científica das miscigenações). Ainda mais que eles já existem, esquecidos em séculos guardados em velhos arquivos, em bibliotecas, e em manuscritos empoeirados. No mínimo, de certo modo, não ter traços característicos já seria um traço característico.
– Nosso grande auxiliar na difícil tarefa de iluminar o passado é a ânsia de enciclopedismo que se manifesta com mais vigor do que nunca, não só em alguns de nossos membros, mas na própria sociedade capixaba. Assim, consideramos que não basta apenas fazer arte. O movimento artístico capixaba, desde Anchieta, sempre existiu. Verdade é que nem sempre o gesto conseguiu se realizar com toda força de que seria capaz. Mas tal não se deu por falta de conhecimento de sua origem, das posições que o seu deslocamento o levou a ocupar no espaço, e do sentido do movimento finalmente esboçado.
– Portanto caminhamos com ousadia e inovações para o futuro apenas porque estamos solidamente firmados pelo passado demolido e pelo passado a ser preservado.
– A teoria é esterco imprescindível a qualquer movimento cultural. Repugna, no entanto, a muitos teóricos da prática, o que só confirma sua imprescindibilidade. Não é possível fazer arte do século XX sem se saber até que ponto o que foi feito no passado permite ou se revoluciona com a execução da proposta formal de determinada obra.
Letra não se opõe a nada nem a ninguém que seja co-habitante, ativo ou não, do espaço da criação. Antes acha que o que pode fazer, junto com o que podem fazer os demais artistas do Estado, é vital para todos. Não nos opomos às academias porque sabemos ser esta atitude elitista pelo avesso, na medida em que marginaliza pessoas detentoras de considerável patrimônio cultural. Não nos opomos às chamadas vanguardas porque sabemos que os paramentos ortodoxos de que se revestem são preciosos por trazerem a crise e o irracionalismo, fundamentais para a compreensão do fato artístico, do fato humano, e do fato histórico. Isso não quer dizer que não estamos na vanguarda ou nas academias: pelo contrário.
– Somos a favor do artista capixaba criando na sua terra natal. É melhor ser poça no deserto do que lago no Rio.
– Finalmente, em um Estado oprimido pela miséria, pela injustiça, pelas guerras que o envolvem, pelo consumismo, pela mecanização do homem, pela superficialidade dos meios de comunicação de massa, pelo supercientificismo, achamos que a grande tarefa da arte é ser reserva do humano, de forma a oferecer ao homem o lastro cultural de que necessita para se reconhecer como individualidade capaz de transformar o mundo.[ 104 ]

O número 5 da revista, lançado em 1985, incluiu o texto “Invenção do Escritor Residente”, de José Carlos Oliveira, que na época desenvolvia na UFES o Projeto Escritor Residente, de sua própria concepção. De posse de um exemplar da revista, José Carlos escreveu, numa das faces de um envelope da Fundação Ceciliano Abel de Almeida, o seguinte comentário:

Os autores — veteranos e novatos, já publicados e até aqui inéditos — me surpreenderam, antes de tudo, pela limpidez do texto. Mesmo quando os temas se oferecem ao tratamento escabroso — tanto em algumas ficções quanto em alguns poemas — as palavras se agarram a uma cristalina distância desses abismos. Como se não houvesse água turva nessas amostras de alma capixaba. dito de outra maneira: como se as opressões habituais — da sociedade lá fora, do ego neurótico aqui dentro — estivessem ausentes na hora em que esses escritores escrevem. Do ponto de vista da saúde mental, não se podem desejar melhores provas. Mas a turbulência, que também seria saudável, não comparece a essa festa de estilos. E só pode haver um motivo para a serenidade que aqui substitui a turbulência: é a indiferença da cidade.
Ora, essa indiferença, feita de pura — para não dizer inocente — inércia, deve ser vencida, do contrário a produção literária não florescerá. O primeiro gesto contra a indiferença, em minha opinião, será o rompimento, pelos autores, dos estreitos limites em que se movimentam. Eles devem experimentar o conto e o poema de maior extensão: maior número de parágrafos e estrofes.
Devem, então, levar a escrita a um espaço mais largo, menos bem comportado, e principalmente obscuro. Um pequeno salto no FORMATO DESCONHECIDO.
Aposto que então a turbulência surgirá, e as palavras ficarão turvas, tensas, descontentes. É desse descontentamento que a literatura se alimenta; e só essa literatura assim alimentada poderá sacudir os indiferentes.

Esse número da revista incluía, além do texto de José Carlos, poemas de Roberto Almada, Maria de Lourdes Brandão Fonseca (1958–), Miguel Marvilla, Paulo Roberto Sodré, Gilson Soares, Valdo Motta, Luiz Busatto e Carlos Chenier, e contos de Ivan Borgo, Marcos Tavares, Fernando Tatagiba, Francisco Grijó, Regina Célia Cerri Silva (1965–), Aldi Corradi Tristão (1962-1986), Anilton Trancoso (1959–), Mária Santos Neves (1963–), Paulo Roberto Ceotto (1964–), e Sinval Paulino (1964–), bem como o primeiro ato de A mãe provisória, tragicomédia de Oscar Gama Filho.

q) A década de 80: prosa de ficção

Os principais autores capixabas de prosa de ficção na década de 80 são os seguintes:

– Luiz Guilherme Santos Neves (1933–) iniciou sua atividade literária em 1978 com uma peça de teatro, Queimados, inspirada na revolta de escravos ocorrida em 1849 na localidade de Queimados, na Serra. Professor de História do Espírito Santo na Ufes, toda sua obra ficcional, executada com extremo apuro formal, tem pano de fundo histórico: A nau decapitada, seu primeiro romance, publicado em 1982 na Coleção Letras Capixabas, parte de episódio relatado por um dos presidentes da província em meados do século XIX para criar uma aventura de cunho picaresco em que compõe um painel detalhado da sociedade provincial; As chamas na missa, que mereceu menção honrosa em concurso promovido pela Fundação Rio, e que foi publicado em 1986 e reeditado em 1998, trata de uma suposta visita da Santa Inquisição a uma Vitória do período colonial; Torre do delírio: contos eróticos e fantásticos, inspirado em O livro dos seres imaginários, de Jorge Luis Borges, é de 1992; Escrivão da frota, de 1997, reúne as crônicas que publicou na revista Você com o pseudônimo de Luís de Almeida; Crônicas da insólita fortuna, de 1998, incluem 21 narrativas envolvendo, cada uma delas, um personagem histórico do Espírito Santo colonial; O templo e a forca, de 1999, é uma releitura em formato de romance do episódio de Queimados; o romance O capitão do fim, de 2001, tem como tema a vida dramática do primeiro donatário da capitania do Espírito Santo, Vasco Fernandes Coutinho. Luiz Guilherme é autor, ainda, de História de Barbagato (1996), literatura infantil, e, em parceria com Renato Pacheco, de Tião Sabará (1998), destinado ao público juvenil.

– Bernadette Lyra (1938–) estreou em livro em 1981 com os contos de As contas no canto, a que se seguiu em 1983 outro livro de contos, O jardim das delícias, ambos incluídos na Coleção Letras Capixabas. A partir daí, Bernadette Lyra rompe as fronteiras do Estado para atingir um público leitor de âmbito nacional com Corações de cristal ou A vida secreta das enceradeiras (1984), contos, Aqui começa a dança (1985), novela, A panelinha de breu (1992), romance, Memórias das ruínas de Creta (1997), romance, e Tormentos ocasionais (1998), romance. Bernadette Lyra é uma das grandes representantes da vertente pós-moderna da literatura brasileira, a partir de sua preferência por tramas instigantes, com intrincado jogo de referências e alusões, e por sofisticadas estruturas narrativas. Segundo Oscar Gama Filho, sua linguagem concisa fornece cor e música às palavras, de maneira a torná-las cortantes o bastante para rasgar e desmontar o estranho paraíso de seus textos. Tratando dos seus dois primeiros livros de contos, escreveu Francisco Aurelio Ribeiro: “O que predomina em sua temática é: a negação do amor, a ironia pura e simples, o deboche às convenções sociais da classe média e pequena burguesia, a amargura, a solidão, o ‘nonsense’ do cotidiano, […], a dissimulação, o isolamento do homem preso na ilha de si mesmo, a descrença no futuro como utopia. Elabora-as em figuras recorrentes, trabalhando-as numa linguagem simples, sem neologismos ou arcaísmos, hiper-real, extremamente concisa, limpa de qualquer artifício linguístico ou metalingüístico e, sobretudo, ferina. Seu humor não se disfarça, como o machadiano, antes agride como o humor antropofágico de Oswald de Andrade.[ 105 ] Paralelamente, Bernadette Lyra se destaca como intelectual de ponta, pelos seus trabalhos acadêmicos de sólida fundamentação semiótica e pelas suas profundas reflexões sobre a arte cinematográfica, como o comprovam os ensaios sobre o cinema de Júlio Bressane – A nave extraviada (1995) – e de Pedro Almodóvar – Urdidura de sigilos (1996).

– José Augusto Carvalho (1940–), mineiro de nascimento, radicado no Espírito Santo, publicou os romances A ilha do vento sul (1973) e Candaína (1984), além de O braço e o cutelo (1993) e Órfã de filha (1993), ambos livros de contos.

– Antônio Carlos Neves (1944–), formado em direção de cinema e televisão pela Academia de Artes Cinematográficas de Moscou, tem papel destacado na história do teatro do Espírito Santo. Publicou os romances Outra vez a esperança (1982) e Um lugar sem importância (1993), dedicando-se mais tarde à literatura juvenil, com Terror nas sombras e Hipergame: a máquina do terror.

– Amylton de Almeida (1946-1995) foi um dos principais nomes da cultura capixaba nas últimas décadas do século. Sua atuação se fez sentir em diversas áreas, desde o teatro até o romance, desde a crítica cinematográfica ao vídeo e ao próprio cinema, desde o jornalismo até a militância política. Publicou em 1972, em edição independente e tiragem reduzida, o romance Blissful agony, reeditado em 1988 na Coleção Letras Capixabas; a ele se seguem outros dois romances, A passagem do século (1977) e Autobiografia de Hermínia Maria (1994), romance escrito originalmente em 1972. Deste último disse Deny Gomes que, “apesar de só ter sido (infelizmente) publicado vinte anos depois de escrito, funciona, na trilogia romanesca de Amylton de Almeida, como a matriz dos temas, do tratamento formal experimentalista dado a eles, da recuperação e personalização de textos de outros escritores, por meio do diálogo intertextual, e como afirmação de um talento poderoso e independente, que acreditava, assim como Sartre, que o mundo só importa na medida em que se converta em tinta impressa em páginas coladas”.[ 106 ] Já Oscar Gama Filho definiu que, “no mergulho com que tenta captar a angústia e a alma de sua geração e do mundo, Amylton de Almeida usa como trajes alegorias, sensibilidade, senso trágico, técnicas modernas e angústia social”.[ 107 ]

– Fernando Tatagiba publicou um livro de contos, O sol no céu da boca (1980), com que se inaugurou a Coleção Letras Capixabas, e dois livros de crônicas, Invenção da Saudade (1982) e Rua (1986), este último na coleção acima citada. Foi um mestre da história curta, ambientando seus textos em um clima de realismo mágico, nostalgia e entusiasmo pela experimentação das possibilidades formais do espaço gráfico. É também autor de História do cinema capixaba (1988) e de Um minuto de barulho e dois poemas de amor (1994), poesia, este último póstumo.

– Reinaldo Santos Neves (1946–) estreou com o romance Reino dos medas (1971), a que se seguiram outros três romances, A crônica de Malemort (1978), As mãos no fogo: o romance graciano (1984) e Sueli: romance confesso (1989), os dois últimos na Coleção Letras Capixabas, e um livro de contos, Má notícia para o pai da criança (1995), publicado como encarte no jornal A Gazeta, dentro do projeto Nossolivro. Publicou, ainda, Poema graciano (in revista Letra n. 2, 1982), Muito soneto por nada (1998), poesia, e A confissão (1999), novela. Na composição de seus textos, Reinaldo Santos Neves utiliza em larga escala recursos como intertextualidade e metalinguagem: em A crônica de Malemort, romance ambientado na Idade Média, propôs-se recuperar a linguagem portuguesa arcaica como linguagem literária moderna; em As mãos no fogo, em contraponto com a descrição da decadência de uma família burguesa do Espírito Santo, há todo um jogo de citações, referências e alusões, principalmente relativas à poesia ibérica tradicional, ao folclore capixaba e a autores clássicos e modernos; em Sueli todo o romance é construído sobre uma estrutura metalingüística; e em Má notícia para o pai da criança, cada um dos nove contos apresenta uma releitura, em termos de forma e conteúdo, de uma história versificada do romanceiro tradicional.

– Lacy Ribeiro (1948–) publicou Contos de réis (1986), contos; Avenida República (Diário na madrugada) (1987), crônicas; Rocks e baladas de Marcos Furtado (1991), romance; e Contos bastardos (1991), contos.

– Álvaro José Silva (1950–), presente na Antologia dos contistas capixabas, da Fundação Cultural, publicou em 1986 Um dia diferente dos outros, contos, pela mesma Fundação, então transformada em Departamento Estadual de Cultura. Em 2000, publicou o romance Madrugada em Piedade, que, inspirado em fatos verídicos, tem como temas a criminalidade e a violência, culminando em linchamento de presos.

– Adilson Vilaça de Freitas (1956–), mineiro de nascimento, veio ainda criança com a família para Ecoporanga, no Espírito Santo, radicando-se no Estado a partir de então. Em 1983, ganhou o Concurso Literário da Fundação Ceciliano Abel de Almeida com o livro de contos A possível fuga de Ana dos Arcos, publicado pela FCAA no ano seguinte. Além desse livro, publicou: Espiridião e outras criaturas (1987), contos; Purpurina e outras desfolias (1992), contos; Trapos (1992), novela e contos; Albergue dos querubins (1996), romance; A derradeira folia (1996), contos; A mulher que falava pássaros (1996), novela; O lugar das conchas (1997), romance; Cotaxé (1997), romance; Quando eu era beija-flor (1998), contendo os contos publicados em Trapos, com alterações; Memórias do primeiro tempo (1999), contos e crônicas; Coração ilhéu (1999), romance-folhetim originalmente veiculado na “home-page” da Prefeitura de Vitória; Carinhos de solidão lilás (1999), contos; e A ceia dos querubins (2000), uma nova edição reestruturada do seu romance Albergue dos querubins. Escreveu ainda o roteiro para o filme Cotaxé, de Joelzito Araújo, baseado em seu romance com o mesmo título. Em toda sua obra de ficção Adilson Vilaça utiliza, fundamentalmente, temas da história e da cultura capixabas. Segundo Oscar Gama Filho, Adilson “mune-se de antíteses, paradoxos, modernidade, denúncia social e talento narrativo para transubstanciar magicamente a neo-realidade que descreve”.[ 108 ] Francisco Aurelio Ribeiro assim descreve a obra de Adilson Vilaça: “Sua literatura, um misto de realismo documental, recriação histórica e um forte apelo ao imaginário e à fantasia, além de um labor artesanal, que torna seu discurso característico da narrativa pós-moderna ou neobarroca, revelam uma qualidade artística pouco comum nos escritores brasileiros contemporâneos. Superando a tentativa de fazer da literatura obra de ‘denúncia’ das contradições sociais, comum nos anos setenta, e buscando o compromisso com a literariedade, a principal marca do trabalho com a linguagem, Adilson Vilaça utiliza vários recursos das conquistas literárias da modernidade: o diálogo entre os textos; o embasamento do literário no discurso mítico, no filosófico e no metafísico; o inter-relacionamento Ficção/História; o enfoque centrado no processo narrativo, na figura do narrador e no diálogo narrador/narratário; o humor, a ironia, a paródia, provocando a reflexão crítica; o saber/sabor da linguagem.[ 109 ]

– Marcos Tavares (1957–) publicou apenas um livro de contos, No escuro, armados (1987), na Coleção Letras Capixabas, além de grande número de poemas dispersos em revistas e jornais. Todo texto de Marcos Tavares comprova o seu esmerado trabalho de fusão de forma e conteúdo, a par de sua quase obsessiva preocupação com a linguagem. Radicado, por razões de carreira profissional, em Dores do Rio Preto, no sudoeste do Estado, Marcos Tavares está presentemente afastado da literatura. Segundo Francisco Aurelio Ribeiro, o livro de contos de Marcos Tavares “revela uma escritura extremamente cerebral, em que a tônica é a auto-referencialidade, uma reflexão sobre o fazer literário e um questionamento da instância produtora da ficção”.[ 110 ]

– Sebastião Lyrio Loureiro (1958–) publicou dois livros de contos, Tigres de papel (1983) e Nada de novo sob o néon (1988), ambos na Coleção Letras Capixabas. Oscar Gama Filho entende que Sebastião Lyrio “usa do intertexto – sob a forma de paródia – como uma forma de permitir que seus textos sejam invadidos pela civilização do consumo e pelos desencantos e descaminhos de sua geração. Sua técnica narrativa – que realmente “prende” o leitor – deve muito à montagem cinematográfica e ao estilo noir de Dashiell Hammett e Raymond Chandler”.[ 111 ] Na orelha de Nada de novo sob o neon, Bernadette Lyra conclui que Sebastião Lyrio “maneja seus contos com a esmerada dissimulação de um pirata, com a técnica astuta de um falsário que, jogando de viés com o empréstimo, o desvio, a citação de outros estilos, modela sua própria ourivesaria que se serve de tudo para desmascarar a pretensa, afetada, aborrecida face ilusória da realidade.[ 112 ] À exceção de sua participação numa coletânea, Mulher: diversa caligrafia, Sebastião Lyrio está, como Marcos Tavares, afastado da literatura.

– Francisco Amalio Grijó (1962–) publicou Diga adeus a Lorna Love (1987), contos premiados no Concurso Literário da Fundação Ceciliano Abel de Almeida, e Um outro país para Alice (1989), contos, um e outro na Coleção Letras Capixabas, além de Com Viviane ao lado (1995), romance. Francisco Aurelio Ribeiro opina que os contos de Francisco Grijó, como os de Sebastião Lyrio, já que ambos apresentam características estéticas similares, apresentam pontos de contato “no diálogo que estabelecem com o cinema e outros textos literários”, na “reflexão metalingüística que fazem sobre o papel e a função da literatura e do escritor na modernidade” e na “postura pós-moderna de fragmentação e dissolução”.[ 113 ] Sobre o romance Com Viviane ao lado, em que o autor emprega a técnica da entrevista como processo narrativo, Paulo Roberto Sodré assinala que Francisco Grijó realiza com sucesso “a difícil elaboração de personagens por estratégias narrativas indiretas (o perfil é traçado, juntamente com a história, através das respostas [à entrevista])”, e que “Francisco Grijó começa sua produção romanesca com agilidade: irônico, culto e ferino na concepção e realização de seu ‘simples relato’.[ 114 ]

Ainda entre os autores de prosa que despontaram nessa fase devem-se citar os contistas Debson Afonso (1956–), autor de Batendo na porta errada (1986) e Ivan de Lima Castilho (1961–), autor de O deus do trovão (1988), ambos publicados na Coleção Letras Capixabas. Sobre os contos de Debson Afonso escreveu Francisco Aurelio Ribeiro: “Ao fazer da literatura um espelho da realidade, ele utiliza as técnicas próprias do discurso cinematográfico, da televisão ou do teatro, tornando o texto extremamente visual, um espetáculo aos olhos do leitor. […] Seu maior valor, no entanto, está na utilização da ironia ferina, extremamente lúcida, marca dominante de outra grande escritora capixaba, Bernadette Lyra, talvez sua maior fonte de inspiração.[ 115 ] Já sobre o trabalho de Ivan Castilho escreveu Marcos Tavares, na orelha do livro: “Quanto à forma, estes contos – na maioria, curtíssimos – não possuem, como é quase óbvio, os tradicionais princípio, meio e fim; não há neles uma gradação narrativa nem episódica; constituem-se, em geral, por uma espécie de flagrante, de uma determinada situação, de uma única personagem – sempre em conflito.[ 116 ]

Jayme Santos Neves, um dos autores, nos anos 30, dos poemas fesceninos de Cantáridas, que se vinha dedicando à prosa curta, tendo sido premiado e publicado na revista Status e na Antologia dos contistas capixabas, em 1989 publicou o livro de contos A centopéia (ele é autor, ainda, da pesquisa A outra história da Companhia de Jesus (1984), sobre a tuberculose entre os jesuítas). Quanto a Ormando Moraes (1915-2003), que já lançara os livros de crônicas Caderno de crônicas (ou crônicas incertas) (1967) e Não fica bem a revolução chegar a pé, lança nessa década o romance regionalista Seu Manduca e outros mais (1986). Já Hermógenes Lima Fonseca (1916-1996) é autor que escapa a qualquer categoria. Embora rotulado como folclorista, e o foi, Hermógenes deu uma contribuição importante na criação de fábulas tendo como personagens as pessoas simples do norte do Estado, sobretudo Conceição da Barra e São Mateus. Nesse estilo foi cronista da revista Você. Dentre as inúmeras obras que deixou, a maioria em forma de folhetos, se destacam Estórias de bichos contadas pelo povo (1984), Curubitos (1992) e Contos do pé do morro (1993).

Paralelamente, alguns poetas capixabas dessa fase ensaiaram textos em prosa. Miguel Marvilla publicou, em 1988, Os mortos estão no living, contos, e Paulo Roberto Sodré, em 1989, Lhecídio: gravuras de Sherazade na penúltima noite, romance com que venceu o concurso literário promovido pela FCAA no ano anterior. Ambos os títulos fazem parte da Coleção Letras Capixabas.

Se Eugênio Sette pode ser considerado o grande nome da crônica local nos anos 50 e Carmélia M. de Souza nos anos 60, Alvino Gatti (1925-1982) é sem dúvida nenhuma o grande cronista dos anos 80. Embora tenha colaborado como cronista em alguns jornais de Vitória na segunda metade dos anos 40, são as crônicas publicadas diariamente em A Tribuna entre março de 1980 e outubro de 1981 que representam uma contribuição memorável a esse gênero em que o autor capixaba costuma se dar tão bem. Amylton de Almeida organizou a edição, em dois volumes, dessas crônicas, com o título de Crônicas, publicada em 1987. As crônicas veiculadas entre 1946 e 1951 em A Gazeta, A Tribuna e Folha Capixaba foram reunidas por Maria da Penha Gatti no livro A violência elegante e outros escritos, publicado em 1994 com recursos da Lei Rubem Braga.

Fernando Tatagiba, que se destacou no gênero conto, é outro cronista importante dos anos 80. Nesse gênero publicou Invenção da saudade (1982) e Rua (1986), incluindo neste último um manifesto em sete partes, “Por uma Literatura-Povo, por uma Literatura-Rua”, em que investe contra o que para ele é a bem-comportada literatura local. Eis o texto da IV parte:

Existem inúmeras estórias, episódios e cenas, tipos humanos, personagens folclóricos nas avenidas.
É preciso deixar de lado a varanda aveludada e partir para os subúrbios, perambular pelas zonas, redutos boêmios, nos ônibus e barcas da baía.
O cotidiano está ali, na paisagem urbana, para quem quiser pescá-lo.
É necessário, com a nova época, que o beletrismo sintecado dos solares seculares seja sepultado de vez.[ 117 ]

r) A década de 80: poesia

Dentre os 40 títulos publicados na Coleção Letras Capixabas entre 1980 e 1989, os livros de poesia são em número de dezesseis, os de contos, treze, os romances, oito, os de crônicas, dois, a que se soma um livro de sátira, a reedição da Grammatica portugueza pelo methodo confuso, de Mendes Fradique. Ou seja, o autor capixaba continua sendo, essencialmente, um poeta.

No ano de 1982 a FCAA publicou seis títulos na coleção, sendo dois romances (de Renato Pacheco e de Luiz Guilherme Santos Neves) e quatro livros de poesia. Entre estes se contam uma reedição do livro Cantar de amigo, do expatriado Geir Campos, e uma antologia, Poetas do Espírito Santo, organizada por Elmo Elton, em que a maioria dos autores do século XX ali incluídos é constituída pelos representantes das escolas tradicionalistas. Ao final da coletânea, porém, ordenada por ordem cronológica de nascimento, já se percebe a intrusão de poetas, ainda inéditos em livro, que vão conferir à poesia capixaba nessa década e na seguinte uma fisionomia de modernidade. Todos os demais títulos de poesia incluídos na Coleção Letras Capixabas são primeiras edições de poetas capixabas natos ou radicados no Espírito Santo:

– Audífax de Amorim (1933-1964) teve reunidos no livro Poemas (1982) tanto seus poemas inéditos como aqueles que publicara esparsamente em jornais e revistas. A organização do livro ficou a cargo de José Augusto Carvalho, que realizou aí excelente trabalho de ecdótica.

– Flávio Sarlo (1959–), que estreou com Nas raízes do grito (1982; reeditado em 1986), é, segundo Oscar Gama Filho, um continuador, dentro da poesia marginal, das idéias e da técnica da geração beat. Dele disse Bernadette Lyra: “A contemporaneidade não nos permite fechar questões. No máximo, dela podemos registrar flagrantes quando usamos para isso todos os poros abertos da intuição. Não me arrisco, portanto, a vaticinar o futuro deste poeta. Mesmo porque seu trabalho não é feito de preocupações com o porvir. É todo ele presente. Faz o jogo do mundo em que vive: o rock, a dor, a cólera, o sonho, o delírio, o silêncio, o excesso e, de repente, como o grito de um anjo, a iluminação.[ 118 ] Flávio Sarlo publicou, posteriormente: O desgaste da flutuação (1984), poemas; Os panfletários – contos & crônicas da era do rock (1986; segunda edição revista e ampliada, 1997); Estrada para o próximo sonho (1989), poemas; Dias belos e negros (1992), romance; Álbum de férias (1994), poemas, e Maçãs do paraíso (1999), romance.

– Paulo Roberto Sodré (1962–) publicou Interiores (1984), Dos olhos, das mãos, dos dentes (1992), premiado no concurso literário do DEC, e De Ulisses a Telêmacos e outras epístolas (1998), além de Lhecídio: gravuras de Sherazade na penúltima noite (1989), que o autor classifica de “poema romanceado”, e Um trovador na berlinda: as cantigas de amigo de Nuno Fernandez Torneol (1998), ensaio de análise literária. De seu estilo poético disse Oscar Gama Filho que é “um tríptico em parte por neologismos dotados de uma fluência digna de Guimarães Rosa, em parte por poemas figurativos e recursos visuais e em parte por uma preocupação melódica que transforma seus poemas em semimúsicas”.[ 119 ]

– Luiz Busatto (1937–) publicou O bicho antropóide (1985, reeditado em 1992) e Vida pequena (1992), além de textos de análise literária: Montagem em Invenção de Orfeu (1978), Amor de asas e outros ensaios (1985) e O modernismo antropofágico no Espírito Santo (1992). O bicho antropóide, segundo Deny Gomes, “é uma coletânea de quarenta e dois poemas, dividida em três partes que se integram harmoniosamente por meio de um fio condutor que é a presença do eu lírico, com seus sentimentos e idéias, enunciando-se explicitamente ou nem tanto, mas sempre identificável, mesmo nos poemas que têm como componente estrutural predominante o não-eu, o mundo exterior, os fatos objetivos […]. Os temas recorrentes são o amor, a solidão, o medo, a humilhação, o ser humano desumanizado, o mundo hostil, o poema enquanto via para romper o silêncio frustrante e restabelecer a ordem e o equilíbrio nas relações entre o homem e o mundo. […] E dividido entre o amor e o desamor (“Nunca mais direi”), o mistério e a revelação (“Confidência aos poetas”), o passado arcádico do sonho colonizado e o presente/futuro intergaláctico da esperança e da auto-afirmação (“Lira feroz”), entre o jugo e a libertação (“As grades”, “Redenção”), o poeta pode ser irônico, suave, reflexivo, gozador, incisivo, manejando com autoridade e mestria as formas livres do verso, do ritmo, da estrofe, criando neologismos, recorrendo ao diálogo intertextual (“Aula de literatura”), a toda uma rica herança de figuras e tropos clássicos, gostosamente mesclados a gírias, tecnologismos, palavras chulas, que fazem de seus textos um bem exemplar modelo de modernidade”.[ 120 ]

– Gilson Soares (1955–) publicou Rosa-dos-ventos (1985, reimpresso em 1986) e Canção da meia-idade (sem data; provavelmente 1997), com apresentação de Adilson Vilaça.

– Renato Pacheco, depois de se revelar como romancista, retorna à poesia com um livro definitivo, Cantos de Fernão Ferreiro e outros poemas heterônimos (1985), longo poema heteronímico inspirado nos Cantos de Ezra Pound, em que o regional se eleva a uma dimensão mítica universal. Uma antologia de sua obra poética, Porto final, foi lançada em 1998, com seleção e estudo crítico de Reinaldo Santos Neves.

– Carlos Chenier de Magalhães, surgido nos anos 60 como um dos líderes do Clube do Olho, publica em 1985 seu primeiro – e único – livro, Vitória 25. Dele disse Oscar Gama Filho, na orelha do livro: “Carlos Chenier é, entre os poetas capixabas dos anos 60, o mais representativo dos caminhos de sua geração. Pelo seu corpo e pelas suas mãos passaram, gravando sinais no seu físico e no papel de seus poemas, os principais momentos da década de 60, momentos cheios de angústia existencial, de paixão, de militância política, de juventude, de jornalismo, de sexo, de protesto, de drogas, de revolta, de tédios, de falta de horizontes, de repressão, de exploração capitalista, de preocupação social, de fugas e – em especial – de arte.[ 121 ] Carlos Chenier, que faleceu em 1989, deixou alguns poemas inéditos produzidos esporadicamente nos anos que se seguiram à publicação de seu livro.

– Roberto Almada (1935-1994), incluído na coletânea Poetas do Espírito Santo, da Fundação Cultural, em 1974, vence em 1985 o concurso literário da FCAA com O país d’El Rey & A casa imaginária, publicado em 1986 e reeditado em 1991. Publicou a seguir: Dissertação sobre o nu (1990), Elegia de Maiorca (1991), e O livro das coisas (1992), além de O doente disfarçado e outros poemas (1997), edição póstuma organizada por Geraldo Matos. Publicou também Faces de seda, contos, em 1993. De Roberto Almada poeta disse Reinaldo Santos Neves: “Sua poesia, de estrutura formal que prima pela simplicidade, com versos curtos e límpidos e linguagem lacônica, consegue condensar profundas reflexões humanísticas e alinhar imagens surpreendentes pela força plástica e pela fulgurante originalidade.[ 122 ] Geraldo Matos analisou a póetica do primeiro livro de Roberto Almada em A poesia a(l)mada: uma reflexão sobre O país d’El Rey & A casa imaginária (1997).

– Sérgio Blank (1964–) estreou com Estilo de ser assim, tampouco (1984), edição alternativa, a que se seguiram Pus (1987), Um (1989), A tabela periódica (1993) e Vírgula (1996), além de Safira (1991), literatura para crianças. A obra de Sérgio Blank abrange sombrias canções, escritas em idioma de algaravia, que flagram o homo sapiens perdido e confuso num mundo em adiantado estado de decomposição. Francisco Aurelio Ribeiro define-o como “poeta totalmente inserido na ‘condição pós-moderna’. Seus poemas têm como marcas recorrentes dessa estética a morte da inocência, a destruição do outro, o cinismo assumido, a simulação da realidade, o narcisismo, o escatológico e a desconstrução.[ 123 ]

– Oscar Gama Filho (1958–), que já tinha publicado, em edições alternativas, De amor à política (1979), em parceria com Miguel Marvilla, e Congregação do desencontro (1980), lançou posteriormente O despedaçado ao espelho (1988) e Eu conheci Rimbaud (1989), que inclui uma tradução de “O barco ébrio”, de Arthur Rimbaud. Segundo Reinaldo Santos Neves, a poesia de Oscar Gama Filho é “uma poesia digna do mundo de hoje. Obra que prima pela sátira e pela ironia, pela antítese e pelo paradoxo. Uma poesia cortante e ferina: que esfola a nossa civilização humana, arranca-lhe as flores da pele e expõe a carne viva do caos”.[ 124 ] Sobre O despedaçado ao espelho assim se pronunciou Herbert Daniel em carta ao autor: “Gostei muito da ‘cerebração’ de corpo e alma que você promove nos seus versos. Cerebrar é um verbo que inventei certa vez, dizendo que servia para comemorar os feitos e legados da palavra. É o que li na tua poesia. Agrada-me essa sensibilidade ao constante incômodo que o corpo real encontra no mundo real-izado. A tua saída da perdição, através da feitura de um verbo que era no início antes que o começo fosse, parece ser um portal comum de quem ainda, desconfiado, crê na palavra. Mais um detalhe: na densidade dos teus versos, tantas vezes sonoros e fartos como Whitman, encontro muito do jeito barroco que invoco como maneira de ser da cultura brasileira.”

– Valdo Motta (1959–) iniciou divulgando seu trabalho numa série de edições marginais – Pano rasgado (1979), Os anjos proscritos e outros poemas (1980, em parceria), O signo na pele (1981), Obras de arteiro (1982), As peripécias do coração (1982), De saco cheio (1983) e Salário da loucura (1984), este último com prefácio analítico de Deny Gomes – que vendia nos semáforos, até publicar, na Coleção Letras Capixabas, Eis o homem (1987), uma coletânea de sua poesia anterior, incluindo, na íntegra, O salário da loucura. Em seguida publicou Poiezen (1990), Bundo e outros poemas (1996), este pela editora da Universidade de Campinas, contendo Bundo, escrito em 1995, e Waw, entre 1982 e 1991, e ainda Transpaixão (1999), uma coletânea. Oscar Gama Filho considera-o o maior expoente da poesia marginal capixaba e define: “Parte da tensão interna dos poemas de Valdo Motta ocorre devido ao choque entre palavras requintadas e termos escrachados e marginalizados até o palavrão. Contudo, nessa poesia feita de antíteses, o chulo nunca é vulgar, e o que parece vulgar nunca é um clichê, mas sim um metaclichê, ou seja, um clichê sobre os clichês, um clichê cuja função é, ao mesmo tempo, tanto incorporar todas as partes da realidade (terminando com a separação entre fatos poéticos e não-poéticos), quanto satirizar os clichês que inundam as realidades poética e existencial. Em Valdo Motta, clássico e popular são duas faces da mesma moeda e o amor é uma busca sem limites e despida de regras, busca que passa pelo deboche e pelo erótico com que capta o mundo. Sua poesia é um turbilhão de sarcasmo e de críticas à sociedade de classes e à opressão ao homossexual, ao negro, ao desviante, ao miserável, etc.[ 125 ]

– Deny Gomes (1938–), maranhense radicada em Vitória desde criança, foi professora de Teoria Literária na Ufes de 1964 a 1991 e contribuiu em muito, com o seu esforço e idealismo, promovendo e ministrando uma longa seqüência de oficinas literárias, para o desenvolvimento de uma literatura jovem no Espírito Santo. Em 1988 publicou seu primeiro livro de poesia, O desejo aprisionado, a que se seguiriam, em 1994, Promessas do tempo e, em 1998, Revelação do olhar feminino. Analisando o primeiro livro da autora, Nilzett Silva afirma: “O desejo aprisionado é um discurso apologético da mulher. Seus poemas captam uma mulher real, a mulher ser humano. Não a musa inspiradora de interesses masculinos, mas a mulher desdobrável, que vive, ri, chora, deseja, ama, sofre e que, caleidoscopicamente, monta-se em pedaços, procurando conquistar seu espaço e seu direito como pessoa.[ 126 ]

– Miguel Marvilla (1959–), publicado anteriormente em edições mimeografadas De amor à política (1979), com Oscar Gama Filho, A fuga e o vento (1980) e Exercício do corpo (1981), foi premiado no concurso literário da FCAA em 1988, tendo seu livro Lição de labirinto publicado em 1989. Posteriormente publicou Tanto amar (1991), Sonetos da despaixão (1996) e Dédalo (1996). É autor também de um livro de contos, Os mortos estão no living (1988). Oscar Gama Filho sugere que Miguel Marvilla “alia, em sua ficção, uma sensibilidade refinada a um apuro técnico que o leva a burilar a palavra, a intertextualizar o universo, a explorar o espaço gráfico e a usar imagens surrealistas e eróticas para retratar o cotidiano, elevando-o à condição mágica e arrebatadora de revelação”.[ 127 ]

Poeta importante dessa fase é Marcos Tavares, que, no entanto, não publicou livro de poesia. Uma amostragem de seu trabalho está no primeiro número da revista Letra (1981). Seu trabalho, segundo Oscar Gama Filho, possui “traços neobarrocos, já que se caracteriza pelo jogo de idéias (Conceptismo) e pelo jogo de palavras (Cultismo)”.[ 128 ] Segundo o mesmo crítico, Marcos Tavares “apropriou-se inconscientemente de várias das técnicas do poema-práxis. Como os praxistas, Tavares faz, antes de escrever, um levantamento das palavras que serão usadas; além disso, muitos de seus textos podem ser lidos em diversos sentidos e em bom número deles nota-se uma preocupação com o espaço em preto”.[ 129 ]

Outros poetas a que cabe referência são Benilson Pereira (1956–), que estreou com o livro Expressão poesias (1978), publicação marginal a que se seguiram Caminhando (1980), In-versos (1981), Canção de rua (1982), Carícias ao vento (1984), A cumplicidade do beijo (1986, em parceria), O espaço do sonho (1989), Caminho de labirinto (1994) e Objeto de paixão (1996); Wilson Coêlho (1959–), que publicou Deixem-me falar (1981), em Vitória, seguido de algumas publicações em Belo Horizonte, onde viveu durante alguns anos e, de novo em Vitória, Tempo de confissões (1988), Wequera (1991) e Um ano passado em Monte Pascoal (1997); Waldo Morenno, já falecido, originário, como Valdo Motta, de São Mateus, que publicou Uma gota de sangue (1982) e As maldições da noite (1984); Marcus Nicodemus Cysne (1961–), autor de Invernia chilena (1981), O discreto inflamar-se no mundo (1982) e Branco (1985); Atílio Gomes Ferreira, que, com o pseudônimo Nena B, publicou Vereda tropicália (argumento para video tape) (1985), primeiro título da Ímã Edições, que depois marcaria época com a revista Ímã; e Ivan Alves, mais conhecido como artista gráfico, que publicou Só & Cia (1987), também pela Ímã Edições.

Os três primeiros números da revista Ímã foram editados em Vitória, entre julho de 1985 e dezembro de 1986, por Sandra Medeiros e Ivan Alves, com primoroso projeto gráfico e participação de autores locais e de fora do Estado. Dentre os autores capixabas estão Valdo Motta, Gelson Santana Penha, Marcos Tavares, Flávio Sarlo, Fernando Tatagiba, Bernadette Lyra, Reinaldo Santos Neves, Luiz Busatto, Ivan Alves, Roberto Almada, Adilson Vilaça, Amylton de Almeida, José Irmo Gonring e Oscar Gama Filho. Em 1988 Sandra Medeiros passou a residir no Rio de Janeiro, onde editou os números subseqüentes da revista, com participação eventual de autores capixabas.

s) Os anos 90

Em 9 de janeiro de 1990, a jornalista Márzia Figueira escreveu, no Caderno Dois de A Gazeta: “A editora da Fundação Ceciliano Abel de Almeida fecha as portas, devolve a gráfica à Ufes e encerra o projeto Letras Capixabas que, na década de 80, revelou talentos, editou autores consagrados e publicou uma média de quatro livros por ano.” (In Francisco Aurelio Ribeiro, A modernidade das letras capixabas, p. 55).

Se, por um lado, a decisão de desativar a Coleção Letras Capixabas foi definitiva, por outro lado o programa editorial da FCAA não seria totalmente desativado na década de 90, tanto que o próprio A modernidade das letras capixabas, de Francisco Aurelio Ribeiro, foi publicado em 1993 com o selo da Fundação, em parceria com a recém-criada Secretaria de Produção e Difusão Cultural da Ufes.

Com o recuo da FCAA, o eixo editorial nos anos 90 vai se deslocar justamente para a SPDC e para outras instituições públicas, às quais caberá a tarefa de editar e divulgar o trabalho da geração de autores revelados na década anterior bem como dos novos autores que despontam a partir de 1990. Com poucas exceções, uns e outros continuam dependendo basicamente do patrocínio de órgãos públicos para editarem suas obras.

O sucessor imediato da FCAA no agasalhamento do autor capixaba foi o Departamento Estadual de Cultura, órgão a que se tinha rebaixado a antiga Fundação Cultural do Espírito Santo. Entre as contribuições do DEC ao movimento cultural na década anterior contam-se a revista Cuca, de que saíram alguns números entre julho de 1985 e dezembro de 1986, e a revista trimestral Painel, em formato tablóide, que durou mais de cinco anos. Além disso, em 1989 o DEC instituiu o Concurso Literário Permanente para revelar talentos locais nos gêneros poesia, conto e romance. Em 1991, numa parceria com Massao Ohno Editor, e a costumeira exibição de logomarcas institucionais (do DEC, da Secretaria de Educação e do Governo do Estado), são lançados os livros de José Irmo Gonring, vencedor do concurso de poesia com A água dos dias e o curso do rio, e de Lacy Ribeiro, vencedora do concurso nos gêneros romance, com Rocks e baladas de Marcos Furtado, e contos, com Contos bastardos, livro que, segundo a autora, deveria chamar-se apenas Bastardos.

Da parte da Secretaria de Cultura da Prefeitura de Vitória brota o projeto Palavras da Cidade, constituído de coletâneas de textos impressos em folhas soltas (grampeadas a partir do volume 3) embaladas em envelopes, formato gráfico popular bem condizente com o perfil do Partido dos Trabalhadores, então no poder municipal. O editor do projeto, Miguel Marvilla, adverte na apresentação do primeiro volume da série, de poesia, lançado em 1990:

Ao selecionarmos os poemas e os poetas para este primeiro volume de PALAVRAS DA CIDADE baseamo-nos exclusivamente em critérios técnicos pessoais, numa tentativa de homogeneizar a coletânea. Assim, em outros volumes subseqüentes, os autores que não constam deste número estarão presentes, pois a nossa proposta é de publicar, a passo e passo, amostras de toda manifestação literária de Vitória.

Oito dos onze poetas incluídos na coletânea (as exceções são José Augusto Carvalho, Reinaldo Santos Neves e Marcos Tavares) tiveram livros de poesia publicados na extinta Coleção Letras Capixabas: Roberto Almada, Luiz Busatto, Oscar Gama Filho, Deny Gomes, Miguel Marvilla, Valdo Motta, Renato Pacheco e Paulo Roberto Sodré. O projeto Palavras da Cidade durou até o final da gestão do PT à frente da Prefeitura de Vitória, tendo sido editados seis volumes de poesia, de contos e de crônicas entre 1990 e 1992 (integram os volumes 4 e 5 os textos selecionados, respectivamente, nos concursos de crônica e de poesia – este exclusivo para os servidores municipais – promovidos pela Prefeitura). Foi substituído, na gestão seguinte, por uma coleção de textos temáticos intitulada Escritos de Vitória, de que saíram cerca de vinte volumes, o primeiro dos quais em setembro de 1993.

A Universidade Federal do Espírito Santo participou do movimento editorial dos anos 90 sobretudo via Secretaria de Produção e Difusão Cultural, criada em 1992 na gestão do reitor Roberto Penedo. Dirigida por Francisco Aurelio Ribeiro, a SPDC atuou editorialmente em duas frentes: a publicação de um periódico mensal de cultura, a revista Você, e a edição de livros na Coleção Cultura-Ufes.

A revista Você foi concebida (inclusive o título) por João Carlos Simonetti Jr., na época estudante de Comunicação Social na Ufes e, por incrível que pareça, estagiário na SPDC. A revista circulou durante sete anos – de junho de 1992 a outubro de 1998 –, em duas fases distintas. Na primeira fase, que durou de 1992 a 1995, ou seja, toda a gestão de Francisco Aurelio Ribeiro à frente da SPDC, seus editores foram Joca Simonetti e Reinaldo Santos Neves, a que se agregou, no final da fase, Adilson Vilaça; na segunda fase, de 1996 a 1998, com Sebastião Pimentel Franco como secretário da SPDC, seus editores foram Adilson Vilaça e Miguel Marvilla. Nesse período de sete anos a revista teve sessenta edições. Em seu primeiro número, no editorial “Começo de conversa”, os editores da revista dizem a que ela vem:

Você por quê? Porque queremos manter com os nossos leitores um diálogo de mesa de botequim. Queremos passar para a frente a idéia de que cultura e conhecimento não têm de ser tratados nem com pompa nem com cerimônia, e muito menos com uma linguagem hermética, que exclua aquele sujeito que está ali, interessado em, digamos, cinema, mas que não é Mestre nem Ph.D. em semiótica ou coisa parecida. O jogo de idéias não tem de ser chato e pode ser empolgante. As duas maiores paixões entre os bizantinos eram as corridas de biga e as especulações sobre o mistério da Santíssima Trindade. E toda noite saíam brigas homéricas nas tabernas de Bizâncio por causa de uma coisa ou de outra.
Você, pronome de tratamento que pressupõe intimidade, diz muito bem qual é a política editorial da revista: linguagem coloquial, humor, cartas na mesa – iscas para que o leitor chegue e converse.
[Seguem-se agradecimentos a pessoas e instituições que deram apoio ao projeto da revista.]
Aqui está Você – a idéia capixaba.

Nesse primeiro número, a matéria de capa, assinada por Francisco Grijó, é “Quem tem medo de Nelson Rodrigues?”. Reinaldo Santos Neves, em “Chá e fantasia”, reproduz, em tradução, algumas cartas de Lewis Carroll; o sociólogo Erly dos Anjos trata das causas da violência em “Miséria e violência, ideologias à parte”; Renato Pacheco discorre sobre patrimônio histórico e cultural em “O passado sob custódia”; e Ivan Borgo, na condição de Roberto Mazzini, estréia como cronista oficial da revista.

Diferentemente da FCAA, que distribuiu suas publicações em quatro coleções distintas, embora com ênfase numa só delas, a SPDC incluiu todos os seus títulos na Coleção Cultura-Ufes, que reuniu, assim, tanto ensaios, teses e dissertações como obras de literatura.

A SPDC revelou, na revista Você, os talentos de Ivan Borgo, Luiz Guilherme Santos Neves, Adilson Vilaça, Bernadette Lyra e Gilbert Chaudanne como cronistas. Já na Coleção Cultura-Ufes a SPDC publicou, em parceria com o Departamento Estadual de Cultura, boa parte dos títulos premiados no Concurso Literário Capixaba promovido por aquele Departamento nos gêneros conto e poesia. De qualquer forma, nessa coleção estão presentes alguns autores que ou estréiam ou assumem uma maior exposição na década de 90:

– Pedro José Nunes (1962–) publicou em 1992 a novela Vilarejo, como encarte da revista Você; seguem-se Aninhanha (1992), romance, e Vilarejo e outras histórias (1993), reunindo a novela editada anteriormente e mais quatro contos inéditos, livro que foi adotado no concurso vestibular da Ufes e alcançou sucessivas tiragens. Uma quinta edição, de 1999, apresenta prefácio de Deny Gomes, que vê na literatura de Pedro Nunes a criação de “mundos insólitos, fantásticos, absurdos, ligados numa forte teia de palavras em que vleho e novo, mítico e histórico, universal e regional, sagrado e profano, sério e cômico, bem e mal estão em confronto e, ao mesmo tempo, integrados, provocando no leitor a boa e instigante dúvida que, como o riso, nos distingue dos irracionais”. Ainda segundo Deny Gomes, deve-se atentar, na linguagem de Pedro Nunes, “para sua originalidade, suas sutilezas, para a propriedade e a riqueza vocabular, para os recursos figurados, os coloquialismos, o impressionante processo de adjetivação”.

– José Irmo Gonring (1949–) participou de recitais de poesia e de antologias mimeografadas no final dos anos 60 e início dos anos 70, publicou em todas as revistas capixabas dedicadas à literatura, e foi premiado em vários concursos literários no Estado, mas só chegou ao primeiro livro trinta anos depois: premiado em 1989 no Concurso Literário Permanente promovido pelo Departamento Estadual de Cultura, na categoria poesia, teve seu livro A água dos dias e o curso do rio publicado em 1991. Na Coleção Cultura-Ufes publicou O cerco ao boi e a rã de fogo (1994). É autor, ainda, do Auto de São Benedito dos Pretos do Rosário, que escreveu, musicou e montou.

– Marcos Igreja (1965–), egresso de oficina literária, publicou A estação em volta (1993, poesia), sendo apresentado por Deny Gomes, que vê nele “um poeta sensível e talentoso” que “percorre os caminhos da linguagem poética sem se deixar atrair pelas facilidades da expressão rotineira nem se intimidar por preconceitos e hipocrisias”.

– Orlando Lopes (1972–) publicou Hardcore blues – Apocalyptic songs em 1993. A sua poesia, disse Reinaldo Santos Neves, “lancinante na sua irreverência, contundente no seu desespero, cáustica na sua linguagem, é gestada nos desvãos de uma civilização tecnico-apocalíptica em que o coração do homem balança entre dois grandes valores – a navalha e o cartão de crédito. […] Os temas são os de todo o sempre: amor, solidão, agonia, sexo, comunhão, mas tratados com um tesouro de léxico e de imagens, no compasso da surpresa de cair o queixo e da ironia corrosiva do vitríolo.”

– Agostino Lazzaro (1958–) publicou Inventário do tempo (poemas, 1993) e A árvore do verão (narrativas sobre os imigrantes italianos, 1993). Ambos foram premiados em concursos literários do DEC: o primeiro em 1992, o segundo em 1991. Dele disse Francisco Aurelio Ribeiro: “Diferente dos poetas pós-modernos, Agostino Lazzaro assume o enfoque da tradição, do passado, da aprendizagem através da recuperação pela lembrança e pela memória. Sua poética dispensa qualquer experimentação linguística, apresentando uma uniformidade rítmica e métrica.”

– Regina Herkenhoff Coelho (1945–) foi premiada em 1992 no Concurso Literário Capixaba, promovido pelo DEC, com o livro de contos Olhos de espanto, editado em 1993 pela SPDC. Um segundo livro de contos, O fio da asa, premiado no Concurso Aracruz Celulose/Edufes, foi publicado em 1997.

– Wanda Santos Sily (1938–), que já tinha lançado o romance O longo amanhecer azul em 1982, publicou em 1994 Linhas paralelas, premiado no concurso de contos Aracruz/Ufes.

– Luiz Carlos Almeida Lima foi premiado duas vezes no Concurso Literário Capixaba, em 1990 e em 1993, ambas na categoria poesia. Como resultado, teve seus livros A companhia das palavras e O coração da matéria publicados, respectivamente, em 1991 e em 1994, este último na Coleção Cultura-Ufes, da SPDC.

– Júlio Tigre, pseudônimo de Júlio César da Silva, premiado no Concurso Literário Capixaba em 1994, teve seu livro de contos Entre o indicador e o polegar publicado em 1995.

Além deles, a coleção editou também livros de autores revelados anteriormente, como Amylton de Almeida (Autobiografia de Hermínia Maria, romance), Luiz Busatto (Vida pequena, poesia), Adilson Vilaça (Purpurina e outras desfolias, contos) e Sérgio Blank (A tabela periódica, poesia), além de Roberto Almada, este numa incursão pelo gênero conto (As faces de seda), e Ivan Borgo (Crônicas de Roberto Mazzini, reunindo as crônicas publicadas na revista Você).

Ainda outra instituição que, nos últimos anos da década, se incorpora ao movimento editorial capixaba é o Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo. Fundado em 1916, mantendo uma longeva revista em circulação, o IHGES até então limitara o seu curto programa editorial à sua revista e a uma que outra publicação circunscrita a estudos sobre o Espírito Santo. Com a eleição de Miguel Depes Tallon (1948-1999) como seu presidente em 1996, porém, o IHGES, ao mesmo tempo que intensificou o seu setor de publicações, criando a Coleção Almeida Cousin, passou a investir pesado na área de literatura. A ênfase do Instituto foi sobre a quantidade de títulos, adotando para tanto um formato de bolso para suas publicações, a maioria delas com menos de cem páginas, e muitas impressas em papel reciclado. Ficaram conhecidos como “dezembradas” (termo cunhado por Luiz Guilherme Santos Neves) os lançamentos de fim de ano do IHGES, somando às vezes mais de trinta títulos. Em 1999, para dar chancela a toda essa produção, foi criada a Editora do IHGES.

Muitos autores conhecidos estão entre os editados pelo IHGES, dentro e fora da Coleção Almeida Cousin: Renato Pacheco participa com Castelo de Yama (ou Vida e morte de Renato Pacheco, poeta menor) (1997), usando o heterônimo Fausto Barbosa, e ainda com dois textos em prosa, O centauro enlouquecido e o pintor amante (1998) e Pedra menina (1999); Luiz Guilherme Santos Neves, com Escrivão da frota (1997, crônicas) e Crônicas da insólita fortuna (1998); Ivan Borgo, com os contos de Navegantes (1997); Roberto Almada está presente com o livro póstumo O doente disfarçado e outros contos (1997), organizado por Geraldo Matos; Xerxes Gusmão Neto, com Sangue no muro (1997, poemas); Carlos Nejar, com Vel âm pa gos (1997, poemas); Francisco Aurelio Ribeiro, com Vida vivida (1997, poemas); Paulo Roberto Sodré, com De Ulisses a Telêmacos e outras epístolas (1998, poemas); Reinaldo Santos Neves, com A confissão (1999, novela); e Pedro J. Nunes, com a quinta edição de Vilarejo e outras histórias (1999).

A revelação do IHGES é, no entanto, João Bonino Moreira (1931–). Chegado à literatura depois dos sessenta anos, Bonino edita, pelo Instituto, os livros O presidente nu (1997), A rainha que piava e outros contos (1997) e O necrologista e outros escritos (1998). Autor inteiramente despretensioso, que faz literatura como divertimento, Bonino consegue, porém, aliar um estilo sóbrio, clássico, levemente irônico, a tramas por vezes de surpreendente modernidade. O presidente nu, por exemplo, parte de episódio histórico – a loucura do presidente Delfim Moreira – para compor um romance que, no final das contas, não existe, porque, depois de concluído, sua única cópia se perdeu num incêndio ocorrido na gráfica onde seria impresso. O que se edita são os textos remanescentes: o prefácio de Renato Pacheco, duas apresentações – uma de Luiz Guilherme Santos Neves, nas orelhas do livro, outra de Miguel Depes Tallon –, uma explicação do próprio Bonino sobre o desastre que atingiu os originais do livro, e finalmente os dois capítulos (dentre dezoito) que se salvaram do incêndio. Não é à toa que a construção desse “romance” se assemelha a certas composições de Jorge Luis Borges. Num dos contos de O necrologista, “E eu?”, Bonino cria situação em que se vê claramente o conceito do duplo, tão cara ao escritor argentino.

t) Outras contribuições institucionais

Em 1994 a Rede Gazeta de Comunicações instituiu o Projeto Nossolivro, em parceria com a Secretaria de Produção e Difusão Cultural da Ufes e com apoio da Prefeitura Municipal de Vitória e, depois, da Companhia Vale do Rio Doce, para editar livros de autores capixabas como suplementos encartados no jornal A Gazeta. O objetivo do projeto, segundo informação constante em cada edição, era “tornar conhecida a qualidade da literatura capixaba, ilustrada por não menos qualificados artistas plásticos de nossa terra”, e os critérios de seleção dos títulos incluídos no projeto se baseavam “na qualidade literária, capacidade de apelo junto ao público leitor de jornal, amplitude de gêneros, representatividade de épocas e estilos”. As expectativas do projeto eram altas: “Com Nossolivro, estamos viabilizando a chegada das publicações a mais de 40 mil lares, num livro convertido em suplemento pelo preço de um jornal. Temos a certeza de que essas publicações não trarão benefícios restritos aos escritores e artistas incluídos no projeto, mas também a outros bons autores e artistas, através do despertar da consciência de que o capixaba já tem um produto cultural de alta qualidade.” O Conselho Assessor, responsável pela seleção dos títulos e dos artistas ilustradores, era composto por Francisco Aurelio Ribeiro e Reinaldo Santos Neves, representantes da SPDC da Ufes; João Gualberto de Vasconcellos, como representante do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo; Renato Pacheco, como representante da Academia Espírito-santense de Letras; e Amylton de Almeida e Maria Alice Lindenberg, como representantes de A Gazeta. O projeto teve a duração de um ano, publicando um título por mês. Foram os seguintes os títulos publicados:

1. Crônicas do Espírito Santo, de Rubem Braga, com apresentação de Renato Pacheco e ilustrações de Carybé, agosto de 1994;
2. Vento sul, de Carmélia M. de Souza, com apresentação de Amylton de Almeida e ilustrações de Wagner Veiga, setembro de 1994;
3. A nau decapitada, de Luiz Guilherme Santos Neves, com apresentação de Ivan Borgo e ilustrações de Orlando da Rosa Faria, outubro de 1994;
4. Bravos companheiros e fantasmas, de José Carlos Oliveira, com apresentação de José Irmo Gonring e ilustrações de Joyce Brandão, novembro de 1994;
5. Karina, de Virgínia Tamanini, com apresentação de Luiz Busatto e ilustrações de Lincoln G. Dias, dezembro de 1994;
6. A oferta e o altar, de Renato Pacheco, com apresentação de João Gualberto de Vasconcellos e ilustrações de Ivan Alves, janeiro de 1995;
7. Má notícia para o pai da criança, contos de Reinaldo Santos Neves, com apresentação de Paulo Roberto Sodré e ilustrações de Attilio Colnago, setembro de 1995;
8. Coletânea de crônicas, de Alvino Gatti, com apresentação de Plínio Marchini e ilustrações de César Cola, outubro de 1995;
9. Daqui mesmo: 34 poetas, coletânea de poesia, seleção e apresentação de Reinaldo Santos Neves, com ilustrações de Gilbert Chaudanne, novembro de 1995;
10. Antologia de contistas capixabas, seleção e apresentação de Francisco Aurelio Ribeiro, com ilustrações de Maria Helena Lindenberg, dezembro de 1995;
11. O sol no céu da boca, de Fernando Tatagiba, com apresentação de João Antônio e ilustrações de Nortton Dantas, janeiro de 1996;
12. As contas no canto, de Bernadette Lyra, com apresentação de Virgínia de Albuquerque e ilustrações de Nelma Guimarães, fevereiro de 1996.

A Secretaria de Cultura da Prefeitura de Vitória criou, em 1998, a Coleção Roberto Almada, cujos volumes contêm notícia biográfica, estudo crítico e textos selecionados de autores capixabas. Com previsão inicial de onze volumes, a coleção já editou os seguintes títulos:

1. De folhas versadas, de Deny Gomes, sobre Roberto Almada, 1998;
2. Inquilino da rua da imaginação, de Fábio Memelli, sobre Fernando Tatagiba, 1998;
3. Júbilo e agonia, de Deny Gomes, sobre Amylton de Almeida, 1999;
4. A árvore das palavras, de Francisco Aurelio Ribeiro, sobre Adilson Vilaça, 1999;
5. Metáforas e hieróglifos, de José Arthur Bogéa, sobre Bernadette Lyra, 2000;
6. Navegante do imaginário, de Maria Thereza L. Coelho Ceotto, sobre Luiz Guilherme Santos Neves, 2001;
7. Dédalo no centro do labirinto, de Joana D’Arc Baptista Herkenhoff, sobre Miguel Marvilla, 2001.

Por fim, não se pode deixar de citar a criação, junto ao Departamento de Letras da UFES, em 1996, do programa de pós-graduação (mestrado) em Estudos Literários, que deu nova perspectiva e profundidade à formação de especialistas em crítica e análise literárias. Dentre as dezenas de mestres produzidos pelo programa, muitos dedicaram-se ao autor capixaba em suas dissertações, monografias, e comunicações apresentadas em congressos ou seminários. Citem-se Maria Thereza Coelho Ceotto, cuja dissertação, História, carnavalização e neobarroco: Leitura do romance contemporâneo produzido no Espírito Santo, publicada em formato de livro pela Editora da UFES em 1999, contemplou a obra de Adilson Vilaça, Bernadette Lyra e Luiz Guilherme Santos Neves; Luiz Romero de Oliveira, que tratou de obras de Reinaldo Santos Neves na sua dissertação ainda inédita – O destino de uma escrita: O amor e a espera em Sueli: romance confesso e Muito soneto por nada; e ainda Virgínia Coeli de Albuquerque, Andréia Delmaschio, Maria Isolina de Castro Soares, Maria Lúcia Kopernick, Tânia Vargas Canabarro e Sinval Paulino.

u) Outros autores da década de 90

Algumas figuras por assim dizer históricas do movimento literário capixaba foram editadas em livro pela primeira vez na década de 90. Entre elas se destacam Cláudio Lachini e Paulo Torre. Cláudio Lachini, como se viu, fora, trinta anos antes, ao lado de Xerxes Gusmão Neto e de Carlos Chenier, um dos líderes do Clube do Olho, é o último dos três a chegar ao livro de poesia. Em 1991, na primeira parte do livro O que se viveu, resgata os poemas escritos em Vitória entre 1962 e 1968. Já Paulo Eduardo Torre (1947-1995) participara do movimento cultural em Vitória nos anos 70, produzindo peças de teatro e filmes de curta metragem. Em 1993 lança o romance Depois do golpe e, em 1994, o livro de contos Todos estes anos. De seu romance disse Amylton de Almeida: “Este livro estrutura-se como uma reflexão entre cínica e terna, entre crítica e elegíaca, entre triste e solidária, sobre a juventude brasileira urbana dos anos 70, completamente confusa e perdida com os rumos políticos do país entregue a um regime ditatorial.” Seus contos são assim apresentados na contracapa do livro: “Dez contos da geração pop, em que os estilos realista e fantástico se fundem para mostrar o universo dos desajustados e dos rebeldes sem causa. E no conto que dá título ao livro, o enterro do personagem principal simboliza o fim das ilusões da geração de 68, ao som de uma canção dos Beatles.”

Marien Calixte (1935–), nascido no Rio de Janeiro e radicado em Vitória desde criança, dedicou-se sobretudo ao poema curto e ao haikai. Publicou Livro de haikais (1990; reeditado em 1993; lançado em edição italiana, com o título Atlantico!, em 1994), Não amarás (1991), Lua imaginária, Evocação da ilha de Vitória (1995) e Le vent de l’autre nuit/O vento da outra noite (1996), edição bilíngüe, com versão para o francês feita por Jô Drummond (uma edição bilíngüe em italiano e alemão, Il nobile animale/Das edle Tier, foi lançada na Itália em 1996). É também autor de um livro de contos de ficção científica, Alguma coisa no céu (1985; reeditado em 1995; lançado em edição italiana, com o título Sulla pietra dai due occhi, em 1996), bem como de literatura para crianças e de uma biografia, Florentino Avidos – Um homem além do seu tempo (2000).

Wilson Coêlho, já citado anteriormente como poeta, e que tem tido atuação destacada no teatro, lançou nessa década alguns livros de ficção em prosa: Dionisismos (1991), A palavra criatura (1994) e Em busca do verbo perdido (2000). Álvaro Abreu publicou Crônica do meu primeiro infarto (1996), relato de experiência pessoal que pode ser lido como um romance. Miguel Depes Tallon (1948-1999), historiador e professor da Ufes, presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo de 1996 até sua morte, deixou obra numerosa e variada, da história ao folclore, da poesia à prosa de ficção. Dentre os livros que publicou na área de literatura estão Tratado dos povos estranhos, diferentes e desconhecidos (1991), Marília (Vera Cruz) (1992), As rãs de Matsuo Bashô (1994), Poemas de Pedra Azul (1994), Carta náutica dos rios, riachos, ribeirões, regatos, córregos, lagos, lagoas, brejos, mares, oceanos, pântanos, tanques, poças, açudes e outras águas (1995), A mão que podia cair (1995), Torre dos clérigos (poemas de Portugal), Depois de abril (1998, romance), Romanceiro do Rio Pardo (Meio-dia em Rio Pardo) (1999). Publicou ainda A revolução de 30 no Espírito Santo (em co-autoria com Luciana Osório Costa), Quadras populares de Cachoeiro, Pequeno roteiro maratimba (1995), Pequeno roteiro lírico de Cachoeiro (1995) e Breviário de apelidos (1995), além de História e ficção em Renato Pacheco (2000), publicado postumamente. Erlon José Paschoal, paulista radicado no Espírito Santo desde 1987, destaca-se na área teatral como diretor, ator e autor. Como tradutor, especializou-se em obras de autores de língua alemã, tendo traduzido Goethe, Kafka, Brecht, Lutero, Büchner, Ernst Cassirer, Klaus Mann e outros. Em 2000 lançou o livro de contos Espelho da alma pela Flor&Cultura.

Na crônica, a revista Você, da Universidade Federal do Espírito Santo, revelou em suas páginas Ivan Borgo, que se assinava Roberto Mazzini, e Luiz Guilherme Santos Neves, que usava o pseudônimo de Luís de Almeida. As crônicas de um e de outro foram posteriormente reunidas em livros: Crônicas de Roberto Mazzini (1995) e Escrivão da frota (1997). Na mesma revista Bernadette Lyra, Adilson Vilaça e Gilbert Chaudanne também produziram crônicas de excelente nível.

Ainda na crônica, Paulo Bonates (1947–), amazonense radicado no Espírito Santo desde 1965, publicou Guerra é guerra (1989) e Arcos da velha (1992). Francisco Aurelio Ribeiro (1955–), mais conhecido como estudioso da literatura local, publicou crônicas de natureza memorialística, Fantasmas da infância (1998); Márzia Figueira, falecida em 2000, publicou Os inocentes (1999), uma coletânea de crônicas selecionadas por Francisco Aurelio Ribeiro dentre as que ela publicou em periódicos durante trinta anos. Marilena Soneghet Bergmann (1938–), que estreou com Nas asas do vento (1992), poemas, se dedica à crônica memorialística em Trança (2000), livro que vale sobretudo pela linguagem coloquial e pelo que tem de registro documental do quotidiano de Vitória nos anos 40 e 50.

Em novembro de 1997, José Irmo Gonring inaugura na Gazeta On-Line o projeto Crônicas Capixabas, com a participação de quatro escritores locais que divulgam mensalmente contos ou crônicas nesse espaço virtual, permanecendo ali, cada mês, durante uma semana. Esses escritores são Adilson Vilaça, José Irmo Gonring, Reinaldo Santos Neves e Luiz Trevisan, este substituído posteriormente por Márzia Figueira. O projeto foi encerrado em dezembro de 1999. Adilson Vilaça, paralelamente, inseriu na home-page da Prefeitura de Vitória o romance-folhetim Coração ilhéu, que publicou como livro impresso em 1999; os textos veiculados por Adilson no projeto Crônicas Capixabas foram publicados no livro Carinhos de solidão lilás, também de 1999. Reinaldo Santos Neves reuniu em livro, ainda por publicar, os textos que produziu para o mesmo projeto, dando-lhe o título de Dois graus a leste, três graus a oeste.

Alda Estellita Lins (1932–), nascida em Cachoeiro de Itapemirim e radicada no Rio de Janeiro, publicou vários livros de crônicas, como Milho da minha roça (1991), Espelho que me revela (1992), Assim como a luz de um fósforo (1994), e Três minutos não mais (1997). Publicou também Contos curtos (1999). Segundo Francisco Aurelio Ribeiro, “Alda Estellita Lins é a melhor herdeira da tradição de Rubem Braga, com suas crônicas líricas, memorialísticas, sentimentais”.[ 130 ]

Outra capixaba de nascimento que desenvolve atividade literária fora do Estado é Vera Moll (1946–). Nascida em Mimoso do Sul e radicada no Rio de Janeiro desde 1965, é autora dos romances Um homem delicado (1996), Mulher de bandido (1998) e Meu adorado Pedro(2001), este último um romance de ambientação histórica que tem como argumento central o casamento de Pedro I com a princesa Leopoldina. Vera Moll é autora, ainda, de Teias de aranha (1981), ensaio autobiográfico.

Gilbert Chaudanne (1948–), francês de Besançon, radicado em Vitória desde 1985, conhecido principalmente como artista plástico, é quem vai renovar, no início dos anos 90, o conceito de publicações alternativas ou marginais. Seu estilo é combinar recursos tecnológicos – como a cópia xerográfica – à produção de livros artesanais que se caracterizam pelo texto manuscrito e pela inclusão de ilustrações exclusivas em cada exemplar. Um desses textos é As metamorfoses da madona (1991), definido na folha de rosto como “livro escrito a mão em neogótico pós-moderno pelo próprio autor e sua santa paciência com belíssimas xilogravuras impressas a mão e com nuances notáveis segundo o exemplar”. Na mesma linha é Van Gogh: o pão e o fogo (1992 e 1993), com “tiragem limitada de mais ou menos 70 exemplares”. O grande poema da montanha do saber e do não-saber e da ilha feliz cidade redonda (1990), editado com apoio da Fundação Ceciliano Abel de Almeida, segue o mesmo formato mas com capa dura. Mais tarde, com A passagem de Marina (1996), Chaudanne adere ao livro industrial. Ainda assim, foi feita desse livro uma tiragem especial de trinta exemplares em papel vergé, numerados e autografados pelo autor.

Os anos 90 viram um revival das oficinas literárias, com Deny Gomes coordenando uma série delas na Livraria da Ilha. No livro No canto do olho (1998) estão reunidos textos em prosa de oito participantes dessas oficinas: Anne Ventura, Elizabeth Martins, Leini Veloso, Lucimar Cardozo, Manuella Gómez, Roberta Giovannotti, Sandra Almeida e Sílvia Renata Cohen.

Na poesia, Kyriale (1993), texto produzido a quatro mãos como registro de uma experiência amorosa, foi publicado por Jayme Santos Neves e Elídia Franzin sob o pseudônimo Elyime Franes (ver o conto borgesiano “Poética de Franes”, in A centopéia, p. 119-26) sem que se identifique a autoria dos poemas individuais.

Ferdinand Berredo de Menezes (1929–), maranhense radicado desde jovem no Espírito Santo, autor do livro de poemas Catedral dos vácuos (1955), retomou sua atividade poética nessa década, publicando, entre outros, os livros A surdez dos clarões (1993), Clarividências do nunca (1993), Sobras do absoluto (1997) e Flauta do azul (1999).

A década de 90 representa, na vasta obra poética do gaúcho Carlos Nejar (1939–), a fase por assim dizer azul e rosa, já que se achava então radicado no Espírito Santo. Entre os livros que aqui produziu está Elza dos pássaros ou A ordem dos planetas (1993), editado com recursos da Lei Rubem Braga, além de textos em prosa, como A idade da aurora (1990; reeditado em 1991) e O túnel perfeito (1991).

Elisa Lucinda Campos Gomes (1958–), que se assina apenas Elisa Lucinda, é autora de Aviso da lua que menstrua (1990), Sósias dos sonhos (poemas e alguma prosa) (1994), O semelhante (1994; 2a. edição, 1998; 3a edição, 2002), e euteamo e suas estréias (2000), além do cd O semelhante (1997). Atriz de televisão, teatro e cinema, Elisa Lucinda leva sua poesia ao palco, numa fusão com o teatro e a música. Sobre ela escreveu Francisco Aurelio Ribeiro: “A melhor poesia erótica feminina, ou poesia-fêmea, é a de Elisa Lucinda, poeta e atriz. Seu primeiro livro, Aviso da lua que menstrua, 1990, é um escândalo, pela liberação total do verbo, da paixão e da tesão, que os homens e as mulheres, estas subjugadas por eles, esconderam durante tantos anos.[ 131 ] E, mais adiante: “Seus poemas retratam o cotidiano mais intimista da mulher esposa, mãe, amante, num realismo gritante de um eu exclusivamente mulher.[ 132 ]

Dentre outros nomes novos surgidos na década estão os de Viviane Mosé (1964–), que publicou Escritos. (1989), 7 + 1 (1997) e Toda palavra (1997); Abner G. Jacobsen, autor de Poemas (1991), edição artesanal com ilustrações e gravuras originais de Gilbert Chaudanne e tiragem de cem exemplares; Magda Lugon (1944–), cujos livros principais são As faces de Proteu (em co-autoria com Evandro Moreira) e Janelas (premiado no concurso literário do DEC em 1995), ambos de sonetos; Lucimar Cardozo (1961–), autor de Poemas e não palavras (1994), Filete (1995), Avesso (1996) e Vertente (2000), este último editado com prefácio de Deny Gomes; Caê Guimarães (1970–), autor de Por baixo da pele fria (1997), editado também com prefácio de Deny Gomes; Israel Francisco do Rozário (1971–), que publicou alguns poemas na revista Você;[ 133 ] Antonio Bezerra Neto (1957–), nascido no Rio Grande do Norte e radicado em Linhares, praticante de uma poesia sóbria e límpida, que publicou Rendas barrocas (1996), Seda sacra (1999), Matinas & ângelus (2000), À sombra do claustro (2001), além dos livros de crônicas Pequeno espólio e outros escritos (1996) e Flanando: registro de andanças (1998); e Erly Vieira Júnior (1977–), que publicou Contraponto, reta, plano (1998). Na apresentação deste livro, José Augusto Carvalho escreveu: “Em nenhum momento deste livro ocorre ao leitor a idéia de que se trata de um autor estreante”, definindo Erly Vieira Júnior como “um poeta maduro, conhecedor dos recursos estilísticos e dos segredos mais recônditos da língua portuguesa”.

Digno de menção é um grupo de professores do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Espírito Santo, todos eles doutores, todos eles poetas e todos eles vindos de outros Estados e aqui radicados há pelo menos cinco anos. São eles Alexandre Moraes (1955–), autor de Objetos com nomes (1995) e Pequenos filmes sobre o corpo (1997), o primeiro editado pela Secretaria de Cultura da Ufes, o segundo, pelo Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo; Lino Machado (1957–), ainda inédito em livro, mas com poemas publicados em revistas diversas; Raimundo Carvalho (1958–), autor de Sabor plástico (1983), Brinde (1990) e Conversa com o ciclope (1997); e Wilberth Salgueiro (1964–), que como poeta se assina Bith, autor de 32 poemas e Digitais (1990). Os quatro participaram, em 2001, da série alternativa Folha de Livro: Alexandre com Algum sinal; Lino Machado com Meus & de mais; Raimundo com Língua impura; e Wilberth com + caras. Além destes, Bernardo de Oliveira (1965–), também professor do mesmo programa de pós-graduação, publicou alguns trabalhos em prosa em periódicos e coletâneas.

Anne Ventura (1981–) estreou aos quinze anos com O amor, o ódio e outros detalhes (1996); os poemas que incluiu numa antologia coletiva, Escritos entre dois séculos (2000), revelam um grande amadurecimento na técnica e no discurso de sua poesia.

Sobre Gabriel Menotti Gonring (1983–), autor de Ensaios para taxidermia (uma breve coletânea de artefatos encantados e engenhocas bizarras) (1999), Francisco Aurelio Ribeiro escreveu que, “da novíssima geração, Gabriel é o poeta que a representará, no próximo milênio”. E define, na orelha do livro: “Ensaios para taxidermia dialoga com a tradição da poesia simbolista (um outro Rimbaud?), com as estéticas cientificistas do final do século XIX e com os primeiros modernistas. Diferente de todos eles, no entanto, Gabriel Menotti Gonring faz uma poesia neobarroca, em que os conflitos espírito/matéria, mitologia profana/mitologia bíblica estão evidentes a todo momento.”

Marcus Nicodemus Cysne, que já lançara alguns livros de poesia na década anterior, reaparece em grande estilo com O cavaleiro alumioso (1999), editado com o selo da Editora da Ufes e apoio das Secretarias estadual e municipal de Cultura e do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo. Resultado de um projeto gráfico primoroso, fartamente ilustrado por César Cola, o livro inclui ainda um cd áudio (leitura dos poemas com acompanhamento musical) de que consta também uma faixa multimídia. Do texto em si diz Deny Gomes na contracapa do livro: “As bases da poética de Marcus Nicodemus Cysne assentam na cultura popular, por onde se aproxima do medievalismo, na cultura erudita, que lhe dá alguns traços do antropocentrismo renascentista e um certo colorido barroco, e na literatura contemporânea, cuja diversidade criativa é assinalada pela ruptura dos modelos herdados e pela invenção do inusitado.”

Com Eliza Lucinda e Marcus Nicodemus Cysne, que fizeram edições de livros acompanhadas de cds, com Adilson Vilaça, que publicou um romance-folhetim na internet, e com o projeto Crônicas Capixabas, idealizado por José Irmo Gonring para veicular textos de autores locais na Gazeta On-Line, o autor capixaba passa a valer-se também de recursos eletrônicos para divulgar seus trabalhos.

Vitória, agosto de 2000
Reinaldo Santos Neves
Núcleo de Estudos e Pesquisas da Literatura do Espírito Santo
Programa de Pós-Graduação em Letras
Departamento de Línguas e Letras
Universidade Federal do Espírito Santo

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NOTAS

[ 101 ] José Augusto Carvalho [1982].
[ 102 ] Francisco Aurelio Ribeiro [1993], p. 53-65.
[ 103 ] Coordenação de Literatura da Sub-Reitoria Comunitária da Ufes [1980].
[ 104 ] Oscar Gama Filho, in Letra [1982].
[ 105 ] Francisco Aurelio Ribeiro [1993], p. 152.
[ 106 ] Deny Gomes [1999], p. 27.
[ 107 ] Oscar Gama Filho [1990], p. 559.
[ 108 ] Oscar Gama Filho [1990], p. 560.
[ 109 ] Francisco Aurelio Ribeiro [1999], p. 27.
[ 110 ] Francisco Aurelio Ribeiro [1993], p. 112.
[ 111 ] Oscar Gama Filho [1990], p. 560.
[ 112 ] Bernadette Lyra [1988].
[ 113 ] Francisco Aurelio Ribeiro [1993], p. 225.
[ 114 ] Paulo Roberto Sodré, in Você n. 36, p. 39.
[ 115 ] Francisco Aurelio Ribeiro [1990], p. 74.
[ 116 ] Marcos Tavares [1988].
[ 117 ] Fernando Tatagiba [1986], p. 16.
[ 118 ] Bernadette Lyra [1982].
[ 119 ] Oscar Gama Filho [1990], p. 560.
[ 120 ] Deny Gomes, texto inédito.
[ 121 ] Oscar Gama Filho [1985].
[ 122 ] Reinaldo Santos Neves [1994], p. 36.
[ 123 ] Francisco Aurelio Ribeiro [1993b].
[ 124 ] Reinaldo Santos Neves [1980].
[ 125 ] Oscar Gama Filho [1990], p. 560.
[ 126 ] Nilzett Silva [1994], p. 19.
[ 127 ] Oscar Gama Filho [1990], p. 560.
[ 128 ] Idem, ibidem, p. 560.
[ 129 ] Idem, ibidem, p. 560.
[ 130 ] Francisco Aurelio Ribeiro [1998], p. 28.
[ 131 ] Francisco Aurelio Ribeiro [1996], p. 52-3.
[ 132 ] Idem, ibidem, p. 53.
[ 133 ] Cf. n. 47, de julho de 1997, p. 38-40.

Reinaldo Santos Neves é escritor com vários livros publicados e foi responsável pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas da Literatura do Espírito Santo, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Espírito Santo. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

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