José de Anchieta. |
Antes do descobrimento a região do futuro estado do Espírito Santo era habitada por tribos indígenas, destacando-se os temiminós e tupiniquins na maior parte do seu litoral, com os Goitacás ao sul. No interior estavam os aimorés ao norte e os puri-coroados ao sul.
Os índios brasileiros, à semelhança de todos os povos primitivos, não possuíam uma educação sistematizada. Excetuadas as “cerimônias de iniciação”, o processo educativo era desenvolvido mediante uma ação mais ou menos informal pela qual eram transmitidos às gerações mais jovens certos costumes, crenças e normas de comportamento próprias de um determinado grupo.
Meio século após o descobrimento começaram a chegar aqui os jesuítas. Vinham como responsáveis por aquilo que era considerado o objetivo principal da nova política colonizadora idealizada por D. João IV, ou seja, a conversão dos indígenas à fé católica pela catequese e pela instrução.
Foram o padre Afonso Brás e o irmão Simão Gonçalves os primeiros jesuítas que vieram para a capitania do Espírito Santo a fim de cumprir essa tarefa. Chegaram em 1551. Iniciaram seus trabalhos construindo o que seria logo depois o Colégio de São Tiago (no local onde hoje está o Palácio Anchieta) que teve, em seus primórdios, grande desenvolvimento, tornando-se um dos três principais núcleos do incipiente sistema educacional jesuítico; os outros dois estavam localizados na Bahia e em São Vicente. Mas, sem razões muito claras, em 1554 o Colégio foi rebaixado a uma categoria inferior, a Casa Reitoral, ficando dependente do Rio de Janeiro.
Só um século mais tarde o Colégio seria restaurado.
Nos primeiros tempos a educação jesuítica limitava-se à catequese e ao ensino elementar, embora tenha havido a tentativa de implantação dos estudos de Latim. Além de Vitória, a ação dos jesuítas estendeu-se aos principais núcleos da capitania, como Reritiba (Anchieta) e Guarapari ao sul e Reis Magos (Nova Almeida) ao norte.
Com a restauração do Colégio, em 1654, além do ensino elementar instituiu-se o Curso de Humanidades que, na época, correspondia ao ensino médio.
Após a expulsão dos jesuítas, em 1759, como decorrência das reformas empreendidas pelo marquês de Pombal, o governo português decidiu-se pela criação das chamadas “aulas régias”. Essas “aulas” constituíam-se em unidades isoladas sem chegar a compor um sistema organizado. Somente em 1771 foi criada, em Vitória, uma aula de Gramática Latina, sendo designado professor dela Domingos Fernandes Barbosa Pita Rocha. Sobre a aula de ler e escrever, ainda que se tenha certeza de sua existência em 1790, não há notícias de quando teria sido criada. Também funcionava em Vitória e, nessa época, era ocupada por José das Neves Xavier. A essas duas “aulas régias” limitava-se o ensino na capitania ao final do século XVIII.
A partir da segunda década do século XIX as reivindicações da população levaram o governo português a criar, gradativamente, novas aulas. E isso aconteceu em Benevente (Anchieta), São Mateus, Nova Almeida, Espírito Santo (Vila Velha) e Itapemirim.
Com a proclamação da independência imaginaram os governantes que poderiam resolver o já então grave problema da educação nacional adotando o chamado método de “ensino mútuo” ou “monitorial” criado por Bell e Lancaster. Esse método consistia na utilização de alunos mais adiantados como monitores para a instrução dos menos adiantados sob a supervisão de um professor. Pretendia-se, assim, alcançar grandes massas da população.
A experiência do “ensino mútuo” no Espírito Santo durou de 1825, quando a escola teria sido instalada, até 1841, quando foi extinta. Foi responsável por ela José Joaquim de Almeida Ribeiro, antigo sargento das Armas, designado pelo governo imperial após se ter submetido a um curso de preparação no Rio de Janeiro. A experiência fracassou não apenas aqui mas em todo o país.
A Lei Imperial de 15 de outubro de 1827 teve sensível influência no Espírito Santo, pois determinava que deveriam existir escolas de primeiras letras que fossem necessárias em “todas as cidades, vilas e lugares mais populosos”. Esses lugares seriam indicados pelos governos locais, o que propiciou maior participação das províncias na organização de seus sistemas escolares. Os cargos de professor eram providos mediante concurso realizado perante os Conselhos de Governo.
Maior autonomia é alcançada com a edição do Ato Adicional de 1834. A partir de então as províncias passaram a ter competência para legislar sobre o ensino em nível elementar e médio. Logo após se ter instalado a Assembléia Legislativa Provincial, em 1835, foram aprovadas duas leis na área educacional: uma delas criava uma cadeira de primeiras letras para meninas em Vitória, e a outra uma cadeira de Latim em São Mateus. A escola para meninas, a primeira a ser criada na província, demoraria ainda dez anos para ser instalada porque faltava uma “senhora com as qualificações exigidas”. A aula de Latim de São Mateus dava início ao processo de expansão, para o interior, daquilo que então era tido como ensino de nível médio.
Com a criação de novas escolas, lentamente se vai organizando o sistema educacional da província. Em meados do século XIX existiam 29 escolas de primeiras letras, freqüentadas por 775 alunos, sendo 36 do sexo feminino que estudavam na única escola do gênero, situada na capital; as duas aulas de Latim, uma na capital e outra em São Mateus, e as de Filosofia e Francês, na capital, eram cursadas por 34 alunos.
O Liceu de Vitória, criado em 1843, só veio a ser implantado em 1854. Representou grande avanço, pois nele os jovens capixabas podiam preparar-se nas matérias exigidas para ingresso nas Academias do Império. Mas o ensino era precário em todos os níveis, condição essa ressaltada em vários relatórios presidenciais. As causas eram atribuídas à má remuneração do professorado, ao seu preparo insuficiente e à falta de uma coordenação das escolas. Insistia-se na necessidade de um regulamento que pudesse corrigir esses defeitos.
Finalmente, em 1848, durante o período administrativo do presidente Luís Pedreira do Couto Ferraz, foi editado o primeiro regulamento das escolas de primeiras letras da província, marcando o início de uma série de regulamentos. Os outros vieram em 1861, 1869, 1873, 1877 e 1882.
Esse primeiro regulamento dividia as escolas públicas de instrução primária em duas classes. As de primeira classe destinavam-se ao ensino da leitura; da escrita; dos rudimentos da gramática nacional; da teoria e prática da aritmética até proporções, inclusive; das noções mais gerais da geometria prática; da moral cristã; e da doutrina da religião do Estado. Nas escolas de segunda classe o ensino abrangeria as mesmas matérias anteriores excluída a geometria e limitada a aritmética à teoria e prática das quatro operações de números inteiros. Nas escolas femininas o conteúdo do ensino seria idêntico ao das de segunda classe acrescido de costura, bordado, e outras prendas domésticas. As escolas de primeira classe seriam estabelecidas em todas as cidades, vilas e freguesias mais notáveis por sua população. As de segunda classe seriam criadas pelo presidente da província nas outras freguesias e povoações com mais de vinte meninos em estado de aprender. O regulamento criou também o cargo de diretor das escolas com o objetivo de propiciar uma ação mais homogênea das escolas.
Curiosamente, apesar dos problemas sempre apontados, numa estatística referente a 1860 a província é colocada como detentora da melhor situação escolar entre todas as outras. Existiam 41 escolas para 45.000 habitantes livres, o que significava uma escola para cada 1.097 habitantes. Seguia-se o Paraná, com uma escola para cada 1.200 habitantes.
O Liceu de Vitória, cujo início tinha sido tão promissor, não prosperou. As aulas, por falta de alunos, foram sendo suprimidas. Em 1867, foi instituído em seu lugar o Colégio do Espírito Santo que, enquanto se organizava definitivamente, funcionou como Escola Normal.
Uma nova classificação para as escolas primárias aconteceu em 1869, tomando como base o número de alunos. Seriam principais as escolas com 40 ou mais alunos e auxiliares as que tivessem menos. Nesse mesmo ano foi criado o Colégio Nossa Senhora da Penha, destinado a ministrar o ensino secundário para meninas.
A reforma de 1873 transformou o Colégio do Espírito Santo em Ateneu Provincial que foi, durante largo período, o principal estabelecimento de ensino secundário na província.
A reforma e o conseqüente regulamento de 1882 foram marcados por forte tendência positivista tendo, inclusive, um dos principais líderes desse movimento filosófico no Brasil, Antônio da Silva Jardim, vindo a Vitória para fazer a divulgação das suas idéias e métodos pedagógicos. Por esse regulamento as escolas primárias foram classificadas novamente por sua localização: as elementares estariam situadas em centros agrícolas; as suplementares em centros de maior desenvolvimento e densidade de população; e as complementares em vilas e cidades com maior progresso industrial e comercial. O conteúdo do ensino dessas escolas era cumulativo, ou seja, na seqüência, o conteúdo da escola complementar incorporava o das outras duas. Além disso se incorporou maior número de matérias de cunho científico.
Quase ao final do período imperial, contava a província com 103 escolas primárias públicas (das quais cinco estavam vagas) para ambos os sexos. A matrícula somava 2.160 alunos do sexo masculino e 625 do feminino. Nas escolas particulares e na escola anexa ao Colégio Nossa Senhora da Penha estavam matriculados 345 alunos, o que elevava a matrícula para um total de 3.130 alunos. No Ateneu e no Colégio Nossa Senhora da Penha as matrículas alcançavam, respectivamente, 74 e 28 alunos.
Superados os problemas iniciais resultantes da implantação do regime republicano, o primeiro presidente do Estado, Afonso Cláudio, tentou modificar alguns aspectos do sistema de ensino. Contudo coube a Muniz Freire, seu sucessor, promover a primeira reforma efetiva nesse novo período. O ensino primário tornou-se obrigatório para os meninos de 7 a 12 anos. Os castigos físicos foram proibidos. O Ateneu Provincial e o Colégio Nossa Senhora da Penha foram substituídos pelos cursos masculino e feminino da Escola Normal, assumindo o ensino secundário novas características.
No final do século XIX as dificuldades financeiras provocaram grave crise no ensino público, ocasionando o fechamento de muitas escolas.
Algumas instituições de ensino particular surgem nesse período, destacando-se entre elas o Ateneu Diocesano, o Ateneu Santos Pinto, o Colégio Nossa Senhora Auxiliadora (Carmo), o Colégio Americano e, mais tarde, o Ginásio São Vicente de Paula.
Uma tentativa de recuperação do ensino público foi desenvolvida durante a administração de Henrique Coutinho, quando se criaram escolas primárias no interior, esboçou-se uma reorganização da Escola Normal e instituiu-se o Ginásio Espírito-santense. Mas é no período de governo de Jerônimo Monteiro que iria acontecer a reforma de maior significado, sob a direção do professor Gomes Cardim. Em poucos meses, foi reorganizado o ensino primário, que passou a ser ministrado em escolas isoladas, diurnas ou noturnas, escolas reunidas, grupos escolares e na Escola Modelo, que foi criada anexa à Escola Normal com o objetivo de servir para treinamento dos formandos. O Ginásio Espírito-santense foi reestruturado e logo equiparado ao Ginásio Nacional (Pedro II). Realizou-se o Congresso Pedagógico, para atualização dos professores. Foi instalada, em colaboração com o governo federal, a Escola de Aprendizes Artífices, que depois se transformaria na Escola Técnica de Vitória e, posteriormente, na Escola Técnica Federal do Espírito Santo. O número de escolas primárias e de matrículas aumentou significativamente, passando, em quatro anos, de 125 para 271 e de 2.740 para 7.340, respectivamente.
A reforma empreendida por Jerônimo Monteiro permanece, com poucas alterações, até 1928, quando assumiu o governo Aristeu Aguiar. Atílio Vivacqua, escolhido como secretário da Instrução, era partidário das novas idéias pedagógicas da Escola Ativa, e portanto buscou introduzi-las no sistema de ensino estadual. Com esse objetivo criou o Curso Superior de Cultura Pedagógica, que se realizou entre setembro de 1929 e julho de 1930. Mas a vitória do movimento revolucionário frustraria a reforma pretendida.
Ainda em 1930, surgem as primeiras instituições de ensino superior no Estado. Foram elas a Faculdade de Farmácia e Odontologia de Vitória e a Faculdade de Direito, ambas resultantes da iniciativa particular.
As mudanças políticas provocadas pela revolução de 1930 iriam determinar o início de um processo de centralização, no governo federal, das diretrizes para o ensino. Esse processo se acentua com a implantação do chamado Estado Novo.
Durante o governo de João Punaro Bley (1930-1943), dentre as inúmeras realizações destacam-se: a criação do Departamento de Educação Física; do Serviço de Inspeção Médica e Educação Sanitária; do Serviço de Educação pelo Rádio e Cinema; do Jardim da Infância Ernestina Pessoa; da Escola Normal, depois Liceu Muniz Freire, de Cachoeiro de Itapemirim. Por outro lado, o número de grupos escolares elevou-se de cinco para vinte e quatro e a Secretaria da Instrução, criada em 1920, inicialmente substituída pelo Departamento de Ensino, foi transformada na Secretaria da Educação e Saúde Pública. Destacam-se ainda as medidas adotadas no sentido da nacionalização do ensino nas zonas de colonização estrangeira.
Entre 1940 e 1950 instalam-se em Vitória dois tradicionais estabelecimentos de ensino particular: o Colégio Salesiano e o Colégio Sacré Coeur de Marie. Ainda nesse período o ensino passa a reger-se pelas diretrizes da legislação federal estabelecidas, a partir de 1942, pelas chamadas leis orgânicas. Detalhes mínimos de organização eram fixados pelo Ministério da Educação.
Na década seguinte, primeiro o Senai e mais tarde o Senac iniciam suas atividades no Estado com a instalação dos primeiros cursos que, juntamente com a Escola Técnica de Vitória (hoje Escola Técnica Federal do Espírito Santo), as Escolas Técnicas de Comércio e a Escola Agrícola de São João de Petrópolis, já existentes, viriam compor o quadro do ensino profissionalizante. Surgem também os primeiros estabelecimentos da Campanha Nacional de Educandários Gratuitos, depois Campanha Nacional de Escolas da Comunidade.
Acontecimentos significativos marcam o período administrativo do governador Jones dos Santos Neves (1951-1955), destacando-se a reorganização do ensino primário e a criação de várias escolas superiores. Como coroamento de todo esse trabalho foi criada, em 1954, a Universidade do Espírito Santo, que viria a ser federalizada em 1961.
Nesse mesmo ano de 1961 foi aprovada no Congresso Nacional, após longa tramitação, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (lei 4.024/61), que determinou mudanças em toda a estrutura educacional do país. Os Estados deveriam criar seus conselhos de educação e organizar seus sistemas de ensino com observância das normas gerais. O Conselho Estadual de Educação instalou-se em 1962 e o plano que instituía o sistema estadual de ensino, após longamente discutido, seria transformado em lei em 1967.
No período compreendido entre 1965 e 1968 interioriza-se a rede de ensino superior, que se expande significativamente com a criação de mais seis estabelecimentos: dois em Colatina; dois em Cachoeiro de Itapemirim; e dois em Vitória; e a Universidade Federal do Espírito Santo, em conseqüência da legislação federal, sofre profunda modificação em sua estrutura, passando a constituir-se de oito unidades de ensino, pesquisa e extensão denominadas centros.
Em 1967 tiveram início os estudos visando a implantação do Programa de Expansão e Melhoria do Ensino Médio (PREMEM), bem como instalou-se o programa da Mobilização Cívica Contra o Analfabetismo (MOCCA), substituído, em 1970, pelo Mobral.
Nova lei federal de reforma do ensino brasileiro seria editada em 1971 (lei 5.692/71). Os ensino primário e médio cedem lugar aos ensinos de 1º e 2º graus, este último com sentido marcadamente profissionalizante. A implantação dessa reforma dar-se-ia mediante as resoluções 25/71 e 6/72 do Conselho Estadual de Educação e vigoraria até 1996, com as alterações introduzidas em 1982.
Atualmente são adotadas pelos órgãos da administração educacional do Estado medidas que possibilitem a implantação das novas determinações fixadas pela lei federal 9.394/96, a nova Lei de Diretrizes e Bases. Estatisticamente, o quadro educacional mostrava, em 1997, os seguintes números: 95.239 matrículas na educação infantil; 614.273 no ensino fundamental; 136.166 no ensino médio; 7.153 na educação especial; e 72.706 no ensino supletivo. Havia 42.807 funções docentes no ensino regular; 811 na educação especial; e 2.138 no ensino supletivo. O total de estabelecimentos de ensino chegava a 5.290. As aprovações no ensino regular chegaram a 445.982 no ensino fundamental e 72.374 no ensino médio.*
* Governo do Estado do Espírito Santo. Secretaria de Estado da Educação. Sinopse Estatística 1997.
[Texto inédito reproduzido no site com autorização do autor em 2002.]
Ivantir Antonio Borgo foi pedagogo dedicado à pesquisa da história da educação e autor do livro Ufes: 40 anos de história (Vitória: Edufes, 1994, reeditado em 2014). Sobre o autor, leia texto Ivantir Antonio Borgo (1934-2004), de Renato Pacheco.