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Entrevistado: Robson Santos

Entrevistado: Robson Santos, apelido Robalo
Grupo ao qual pertence: Itapuã
Entrevistador: Maria Clara Medeiros Santos Neves
Data da entrevista: 16/10/2013.

Local / data de nascimento: Vila Velha, Centro em 23 /07/1958
Nome do pai: Pedro Oliveira Santos nascido em Vila Velha, Centro, marítimo e pescador
Nome da mãe: Zenita Santos, nascida no Estado da Bahia.

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[Conte um pouco da história dos seus pais, da sua infância, adolescência e da sua vida adulta, como foi seu trabalho na pesca]

Eu segui o mesmo caminho do meu pai e sempre mexi com mar. Fui nascido e criado aqui em Itapuã, sou canela verde.  Desde criança acompanhei meu pai no serviço dele, que era marítimo. Segui a carreira de marítimo e de pescador. Ele (meu pai) tinha carteira da Marinha, mais conhecido como pescador.

Meu pai trabalhava como rebocador na Codesa, Porto de Vitória, na antiga Codesa. Também trabalhei na Codesa e me aposentei por problemas de saúde que tenho até hoje: pancreatite aguda, e me aposentei por invalidez. Meu pai se aposentou normal.

Tenho nove irmãos, a família é bem grande, são quatro homens e cinco mulheres. Os homens quase todos eles mexiam com pescaria, só tem um que não mexe, e tenho três irmãs, três moram na Suíça, apenas uma mora aqui. Meu pai já faleceu e minha mãe vive sozinha, está viva graças a Deus até hoje. Sempre gostei do artesanato, do mar, da vida marítima e estou aí na vida.

[Com idade começou a pescar?]

Fui nascido na praia, já nasci pescando. Meus tios e meu pai colocavam rede e eu ajudava. Desde criança mexendo com rede.

Com 17 para 18 anos fiz curso para a marinha mercante. Passei, fiz os cursos e fiquei um determinado tempo, na faixa de uns vinte e poucos anos, quase chegando na época para eu me aposentar normal, mas eu adoeci uns três anos antes e aposentei por invalidez.

Meu primeiro emprego foi na Condusa, na lancha de transporte de Vitória. Em 1979 e em 1980 fiz curso na Codesa no início de 80 e fiquei na Codesa até 98. Na Codesa entrei como marítimo, como rebocador, e trabalhava sempre no mar. Nunca deixei o rebocador, me aposentei lá. Trabalhava atracando e desatracando navios sempre mexendo com o mar, e até hoje estou nessa vida aí. Hoje tenho dificuldades de ir para o mar e só fico consertando rede, os meninos é que pescam para mim, não tenho mais condições de trabalhar em barco, tenho a barriga toda cortada, da pancreatite aguda muito séria, então não posso pegar peso. Tenho dez cortes na barriga e fiquei muito tempo internado. A pescaria acabou para mim. Pescaria, só olhando os outros.

De vez em quando saio aqui para pertinho, para dar uma remada, mas mar a fora nunca mais fui, só umas remadinhas aqui na beira da praia, mas nem isso eu posso por causa da minha barriga. Tenho muitas hérnias grandes e não posso remar. De em vez quando vou à ilha aqui com os meninos, mas são eles que remam, eu não posso mais remar, há muitos anos não remo, vou mais a passeio. Quando é trabalho é com eles mesmos, eu não posso ir com eles porque não aguento.

[Quem trabalha com suas redes?]

São uns colegas pescadores profissionais. Eles não estão aqui hoje. A maioria que puxa rede aqui é aposentada, os mais novos trabalham à noite como vigias e vem para cá, ficam esperando um peixinho aí, passando o tempo, vêm aqui na pracinha e de vez em quando pegam um peixinho e levam para casa. Dividem o peixe que dá com todo mundo e, quando dá muito peixe, tiram um dinheirinho para tomar a cervejinha deles e a gente vai levando aí. A maioria aqui é aposentada.


[Como era a pesca há alguns anos atrás e como ela é hoje?]

Na pescaria antiga mesmo dava muito peixe em Itapuã, muito peixe mesmo. Devagarinho foi-se acabando, principalmente com esse negócio de traineiras aí fora. Nós estamos na época de peixe, e cadê? Não entra um peixe para pescar, está zerado. Não sei como é que esse pessoal que vive da pescaria vive. Se as mulheres deles não trabalharem fora e se não tiverem outra atividade, não sobrevivem aqui em Itapuã. Aqui já foi época, hoje, para comer aqui está difícil, tem que comprar, está difícil o peixe em Itapuã, o que pega aqui é pouquíssimo mesmo. Quem vive da pescaria aqui tem que arrumar outro meio para tentar sobreviver porque senão não consegue: a mulher trabalha na casa dos outros, de doméstica e vai embora. Pela pescaria mesmo, aqui em Itapuã está difícil.

Com as traineiras aí não entra nem mais um cardume de peixe aqui porque elas pegam tudo aí fora, porque em Vitória está liberado. Para vir um cardume de peixe aqui é um milagre, só quando tem muito mesmo, no verão, que vem algum cardumezinho. Antigamente, nessa época do ano, estava todo mundo […] Você podia pegar igual agricultura. Você pegava e ficava uns 7 a 8 meses sem pescar nada, mas você ganhava bem aqui, guardava um pouco do dinheiro e vivia nessa época, agora não dá nem um mês de peixe. Quem vive só disso aqui está bem ruim. Todo mundo tem que fazer uma coisinha, aqueles que não fazem nada está difícil. Tem uns seis ou sete pescadores que insistem ainda, mas as mulheres deles trabalham fora porque se não trabalharem… eles insistem na pescaria, mas têm que fazer alguma coisa.

[Como era Vila Velha, Itapuã no seu tempo de criança?]

Aqui tudo era mato, não tinha nada, só tinha umas casinhas de palha. As casas eram todas para o lado do mar. O mar invadiu quase tudo para cá. Eram todas de palha. Era difícil ver uma casinha… Nem eram casas de estuque, de barro, eram de madeira bem ruinzinha, de palha de coqueiros que tinha aí. Tinha muito coqueiro.

Aqui nessa área, onde nós estamos conversando, aqui para dentro, a gente puxava rede quando era criança. Quando dava fome, a gente não passava fome, tinha pitanga, coquinho, caju, tinha tudo aí. Dava fome, a gente não ia pra casa tomar café, a gente entrava pra dentro do mato e já arrumava caju, coquinho, pitanga, cactos. Aqui tinha fartura dessas coisas. Não precisava ir em casa tomar café, era aqui mesmo. Hoje em dia só dá prédio, não se vê uma pitangueira. Agora nós estamos plantando uns coqueiros, pitanga, aroeira para ver se nascem.[…] Nós plantamos ali para ver se cresce, mas os insetos estão matando tudinho, matou tudinho lá no centro.

Aqui a vida como pescador está bem difícil, sobreviver e viver da pescaria, eu mesmo penso em largar. Trabalhar o último ano aqui […] porque não tenho saúde e penso em comprar um sítio e mexer com peixe mesmo, criar tilápias em cativeiro. Para isso vendo uns órgãos para me orientar melhor, como começar. Já tenho um pouco de experiência, como cria, mas quero me profissionalizar melhor para começar legal e não bater cabeça como fiz com o artesanato. Eu penso em eu mesmo fazer minha própria ração, porque tem tanto resto de peixe aí, jogado fora. Pegar e fazer ração, produzir e criar peixe, não vou pegar muito peso e é só dar alimento aos peixes. Comprar um sítio pequeno que tenha água e levar o resto da minha vida assim, não muito fora da água, mas na água doce, porque o mar está cada vez pior.

[Seu pai fazia rede?]

Meu pai fazia rede e eu aprendi com ele. Minha mãe sempre mexeu com comércio, sempre gostou de ter o negocinho lá em baixo, era uma quitanda: vendia banana, essas coisinhas assim. Hoje ela está aposentada, com Alzheimer. Quando ela produziu, ela fez a casinha dela, hoje ela tem os aluguéis, tem a aposentadoria e não precisa da gente financeiramente, graças a Deus, ela mesma se mantém, é isso que ajuda a ela. Todo dia dou banho e café pela manhã para ela, ela está com Alzheimer e não pode fazer mais nada.

[Onde ficava o comércio dela?]

Lá em casa mesmo. O comércio dela ficava lá em casa mesmo, na Luciano das Neves, encostado ao antigo Colégio Nacional. Hoje em dia a frente é alugada: tem uma vidraçaria e uma lanchonete e em cima da casa dela tem umas quitinetes alugadas que, com a aposentadoria, dá para ela viver.


[O senhor lembra-se dos pescadores de Itapuã?]

Hoje vivos tem uma meia dúzia dos antigos: seu João de Zeco (seu João Cardoso), Mizinho, Zé Boião, […] que é mais novo do que eu, só tem isso. O pessoal da época do meu pai, só o seu João Cardoso e seu Mizinho.


[E os mais antigos que o senhor encontrou aqui e que já não estão mais vivos?]

Antério, Zizinho,[…] seu Carlinhos, tem um monte deles aí, todos eles faleceram. Eu peguei o Zequinho vivo, até meu avô e meu tio. Meu avô era chamado de Cabo Antônio, não sei por que botaram o nome de Cabo Antônio, e meu tio era o Juquinha, era mais velho do que meu pai.

Meu avô era pescador bem antigo daqui, essa colônia que é bem antiga, igual na Praia da Costa, que é a mais antiga depois da Ponta da Fruta. A Barra é mais recente, mas não tem aquela pescaria como antigamente tinha aqui.

[E a Praia do Ribeiro?]

A Praia do Ribeiro é mais fraca, é mais para embarcação de motor, porque ali é muita lama, a pescaria ali não é tão boa de embarcação como a nossa. Ali é um porto seguro, quando chega embarcação maior, ancora ali porque não tem vento e não tem mar grosso. Aqui em Itapuã não pode encostar barco maior, de motor, porque quando dá uns tempos ruins não dá para ir buscar, então lá é um porto seguro, igual à Prainha de Vila Velha. Quando os portugueses chegaram aqui, chegaram na prainha de Vila Velha, no porto seguro, na tranquilidade.

[Como foi sua infância, o que você fazia quando criança aqui em Itapuã?]

Aqui era pegar peixe, pegar pitanga, goiaba e aqueles caranguejinhos que davam na beira da praia e vou aproveitar para fazer uma reclamação da Prefeitura e do Ibama. Hoje, a Prefeitura de Vila Velha passa a máquina para dizer que está limpando a praia à noite e não limpa nada, só faz fofar a terra e matar os animais todinhos. Os caranguejinhos, você não encontra mais os caranguejinhos de jeito nenhum, você encontra uma vez que outra um buraquinho aqui por cima. Aqueles caranguejinhos limpavam a praia, quando alguém suja a praia aqui, eles comem o resto, eles até faziam a limpeza da praia. Hoje em dia você não encontra, a Prefeitura acabou com aquilo. Aqui tinha muito guruçá!  A gente chamava de guruçá. Eu comia muito aquilo, comia frito quando criança. A gente pegava à noite, na lamparina, à noite eles perdiam o buraco e ficava mais fácil pegar e comer.

Quando chegava o tempo de estudar, a gente ficava lá na casa da minha mãe, onde ela mora hoje, ela tinha um boteco aqui e vendia umas bebidas para os meninos aí. Quando acabava a escola a gente vinha morar aí, ninguém ficava lá em baixo todo mundo queria praia, dormia na areia. Minha infância foi na praia mesmo, pegando tatuí. Hoje em dia acabou tudo, tem uns poucos aí, o guruçá então, com a máquina passando, varrendo a praia. Nunca vi limpar praia daquele jeito, não limpa nada, só para destruir os guruçás e o Ibama e os outros setores ainda não abriram os olhos para isso, comenta, comenta e ninguém vê. E os animais foram mortos e ajudam a limpar a praia. Quando o turista chega a dormir, a deitar na praia não sabe os retos de comida que ficaram de ontem, porque os animais vão lá e comem. Acabaram com tudo, se tiver meia dúzia aí tem muito, perdido aí, porque dá cá em cima também, lá em baixo acabaram. Os guruçás antigamente, se eles começassem a subir você podia contar que o mar ia pegar balanço, que é ficar grosso, ficar bravo, criar ondas grandes de 2, 3m,  do jeito que eles falam aí. É ressaca […] pegou balanço, balança demais o mar, as embarcações ficam balançando. Quando os caranguejos começam a subir, a embolar cá em cima, o mar vai balançar. A natureza sabe primeiro do que a gente, eles fogem para as casas cá em cima. Isso aí a gente tinha antigamente e a gente marcava por isso aí. Hoje em dia, se você vê na rua, nem sabe, não tem mais caranguejo para poder informar, os dedos duros, né? Antigamente na nossa época, os guruçás começavam a fazer buraco aqui em cima – Oh! Vamos botar os barcos lá em cima, porque vai vir mar groso, aí podia contar que já se sabia.

[E os peixes que eram encontrados ou ainda são encontrados?]

Tem peixe aqui que você não encontra nem para remédio, você não acha, se você tiver morrendo, você não acha. É melhor você ganhar na loteria do que pegar. Xaréu, antigamente dava na mudança, a cavalinha e a sardinha hoje em dia estão escassas também. Muitos peixes são escassíssimos aqui. Tinha muito peixe aqui, hoje em dia se você quiser xaréu para remédio… Se você tem que jogar na mega sena, que você vai ter mais lucro.


[O que quer dizer a expressão “para fazer remédio”?]

A coisa é muito cara ou que você não acha, é igual garimpar, é uma expressão muito usada, você está para morrer e não acha o remédio.


[E o calendário da pesca?]

Tudo tinha sua época. A partir de outubro é época do chicharro. Cada época tinha uma qualidade de peixe. No inverno era a enchova, o baiacu passou a época e ninguém matou nenhum. O colega matou um ali ontem e foi a festa, unzinho que ele matou, não achou nenhum mais. Baiacu dava demais aqui, acabou. Tinha enchova, tainha, hoje estamos na época do chicharro e cadê? Quando é época dos peixes as redes ficam todas aqui em baixo, estão todas aqui em cima, não tem peixe, ninguém nem desce, nós estamos aqui sem pegar peixe. Desde fevereiro que não dá peixe nenhum.

Só vai mesmo mirar rede, puxar rede aqui, não. Só traz malha, que é rede de espera. Só com esse tipo de rede que vem algum peixinho ainda, você coloca um bocado de rede só vêm um, dois, três peixinhos, não é aquela fartura.

[E o que é a tarrafa?]

Tarrafa é tipo: você botar no ombro, na boca e arremessar em cima do cardume de peixe. A tarrafa depende do lugar, da fundura, do local. Não pode ser muito no fundo, não tem condições de ir lá, não tem como arremessar porque as ondas não permitem. Tem que ser lugar mais manso que você possa entrar com água na cintura e arremessar, mais próxima da praia, bem próxima, é manual.

Já a rede de arrastro você bota dentro do barco, pega as cordas e bota em cima e vai até onde está o cardume, arrasta ele e junta. Só um barco que vai. Quando sai, uma ponta fica na praia, ele vai, cerca o cardume e fecha na outra ponta, aí o pessoal ajuda a puxar, os turistas também ajudam, junta todo mundo e junta as duas pontas, uma já sai e a outra já volta.

[E quais são os nomes das redes, por exemplo, a rede que faz o arrastão?]

É a rede de arrastro. Aqui nós temos a rede boieira, que pega o peixe mais boiado, em cardume, e tem a de pescadinha, que é um peixe mais de fundo, ele vem por baixo só para pegar pescadinha porque é um peixe que só fica na lama, no fundo. Os dois tipos de redes trabalham separadas. Quando é pescadinha a gente coloca rede de pescadinha, que é igual a essa aqui, já vem no fundo. Já a outra é para peixe boieiro.

É boieiro porque ela fica em cima, na superfície da água. Todas elas têm boias, mas a boieira fica na superfície. A de fundo ela só vai no fundo porque a rede não pega de cima em baixo. Todas elas têm boias, as de fundo a gente coloca mais boias e mais chumbo para elas descerem. Já as boieiras a gente coloca mais boias e menos chumbo para elas ficarem no alto para aguentar o peso do peixe, são mais reforçadas.

Essa branca é usava para o peixe ficar ali dentro e não sair. É usada junto com a rede boieira, é uma rede só, é muito usada como rede de espera. Estou colocando aqui para porque se botar essa aqui só ninguém aguentar puxar, pesa muito e aquela fica mais leve para a gente puxar, elas são emendadas, é uma rede só. A boieira tem mais azul porque se você pegar manjuba ou sardinha ela vaza, ela não fica, então a gente coloca mais seda para ficar com a malha bem grande porque dentro do escuro fica com medo de invadir. A de pescadinha a gente coloca menos seda porque senão pesa muito. A seda pesa muito e as outras são para cercar o peixe. Aí, quando o peixe vê o escuro fundo, pensa que vai vazar e ensaca no funil e fica preso. Os menorzinhos passam pela malha maior e só ficam os maiores.


[E a pesca de linha de fundo?]

Tem a de linha também. A pesca de linha eles pescam com os anzóis, vão para a embarcação, procuram o lugar em que está o peixe, na lama ou na pedra, e arremessa manual. A gente não sua molinete, molinete só na beira de praia, para quem vai pescar manual. Bota a linha o peixe pega e puxa, só com a isca no anzol, e só puxa com a linha, tira o peixe e volta com a linha para dentro d’água. Pesca com duas linhas ou três linhas, cada pescador pesca com duas, três linhas, uma de um lado e outra do outro, e sempre coloca uma boieira atrás também, porque quando você está arriando uma pode aparecer um peixe diferente, duas linhas de um lado e de outro, porque quando você está arriando puxa outra que está com peixe, você não vai ficar esperando as duas. Você pega até com o pé na pedra. Enquanto você trabalha com essa linha, tira o peixe da outra […], vai puxar outra linha para aproveitar melhor o tempo.

Pescador tem que ser esperto porque se o peixe chegar no fundo e ele não aproveitar o cardume, o cardume vai embora, e se não tiver esperteza, vai ficar esperando outro cardume chegar, vai ser difícil. Tem que matar o mais rápido possível, tem que ser esperto para poder pegar um peixinho melhor, se for todo enrolado não arruma nada.

[E como funcionam os horários, a que horas o senhor vinha para a praia quando pescava?]

O horário é muito similar, às vezes que o peixe vem na enchente da maré, às vezes no embate, que é a mudança da maré. Por exemplo: a maré vazia vai começar a encher, aí dá aquele embate. Às vezes, de noite, de linha, varia muito o horário. O pessoal pesca mais de manhã cedo porque o vento é mais calmo do que de tarde, que sopra mais por causa da mudança da maré.  A pescaria mesmo é de manhã ou senão à noite, não tem horário fixo porque a maré muda todo dia.

[E como vocês sabem da mudança da maré?]

Pelo calendário mesmo, a lua também influencia muito. Cada dia é as 6h e poucos minutos que muda, nunca fica o mesmo horário, sempre tem mudança, cada semana […] muda muito, é quase 40 minutos por causa da vazante, não tem aquele horário específico.

[Como funcionava o calendário de pesca?]

Antigamente, se tinha calendário, nem usava, era mais a prática do pescador, eram os animais que falei, eram umas aves que passavam aqui também, que eles chamavam de tesoura. Passou vento sul aqui, é sagrado. Na Bahia tem vento sul demais, passa a ave já sabe que vai mudar para vento sul. É experiência mesmo, e o pescador conhecia. Olhar para o navio lá fora, vê a embarcação se ela está parada ou não, se subir uma barreira pelo sul, aquela coisa preta, já não saía, que já sabia que ia vir vento sul. Se começar a subir barreira não sai para alto mar porque vai vir vento sul e embarcação pequena… Então a pessoa já via pela natureza mesmo. O próprio pescador sabia a época certa do peixe, o peixe que entrava na época certa. Outubro é época de chicharro, todo mundo já sabia que outubro é época de chicharro. Já começava a aparecer. Não existe mais calendário para peixe, não existe mais, mudou tudo e mudou feio. A natureza está toda…

Só hoje que é usado calendário, porque tem as duas marés, tem que é boa ou não. Antigamente, era o pescador mesmo que tinha que saber, era ao natural, pela natureza e pelos animais. É igual na agricultura, se a formiga começar dentro de casa mesmo, se você vir a formiga mudando com os ovinhos dela, pode contar que vai vir chuva. É igual aqui. […] Sanhaço, como acabou a mata, eles estão todos aqui. Tem gavião aqui, que a gente não via aqui pássaros, que era de mato mesmo, como não tem mais mato… Tem tanto canarinho fazendo ninho aí, canarinho dá em todo lugar, mas todos os pássaros estão vindo para a praia. Antigamente era de mato fechado. Até as pombas grandonas estão vindo aqui, coisa que era de mato, espantada mesmo. Hoje em dia está tudo na cidade. Só tinha em arrozal. As matas estão acabando.

[Quais são os nomes de cada parte das redes?]

Pela maneira que tem a corda, chama calão para abrir a rede. Calão é um pedaço de madeira que faz para puxar a rede para ela não fechar, vai manter a rede aberta e esticada, depois nós temos as mangas das redes, que são as partes brancas, temos a guarda encontro e temos o centro porque a guarda encontro fica entre a manga e o centro. A parte branca é do centro, onde fica o peixe, que é a malha vem diminuindo um pouquinho o tamanho para concertar o peixe. Tem a manga, a guarda encontro e centro. O centro é o azul, onde aguenta mesmo o peixe, a guarda encontro é o marrom […] é para poder fazer a entralha. A rede você compra ou você faz. Se você comprar 100m, ela vai dar 60 depois de pronta porque você a compra esticada, mas quando vai esticar ela vai ter que ficar abertinha para… Aí tem que botar essas amarrações com essas boias, em baixo coloca o chumbo e as boias em cima. Se for rede de fundo você coloca mais na beira e as boias mais distantes uma da outras, se for boieira, inverte, faz o costado de cima e as boias em cima do encostado e chumbo na beira e modifica o peso, aí muda tudo, e tem as redes de fundo que vem no fundo.

[A rede de fundo pega que tipo de peixe?]

Pescadinha, vários peixes que não sobem que vive só no fundo comendo camarão, na lama e só vivem no fundo. O peixe boieiro é o chicharro, galo, manjuba, sardinha, são peixes de superfície, só vivem em cima. Se a rede pega em cima e em baixo, você não aguenta puxar, pesa muito porque é muita rede para colocar em cima e em baixo, então cada peixe tem que ter um tipo de rede. Para pegar galo a gente tem uma rede com uma malha bem grande. Para pescadinha, que é um peixe menor, tem que ser menor. Para sardinha tem que ser menor ainda, porque a sardinha é pequena e fina, senão vaza. Cada peixe tem um tipo de malha em um tipo de rede diferente e a boieira tem outro tipo e rede. Para o galo e o chicharro tem outro tipo de rede. Os peixes maiores, a malha é maior, além de serem redes grandes, são mais leves e são malhas grandes e mais altas, por causa do peso. Então cada peixe tem que ter uma rede diferente. Espada é o inimigo do pescador aqui, de rede, porque ela corta muito, mas eu não esquento não, eu gosto de espada, eu pego, minha vida é consertar rede, eu não me importo. Tem colegas aí que não chegam a pescar a espada, dá muito profunda. Às vezes trabalha mais com ela do que com a boieira, que é mais difícil. A boieira a gente cerca o peixe quando a gente vê o cardume, já a de fundo a gente vai de instinto, a gente chuta, às vezes não vem nada, às vezes vem alguma coisa, às vezes vem muito. A gente não vê o peixe, vai no escuro. A gente chama de escuro mesmo, lanceia no local. Às vezes vem bastante, às vezes a gente não vê um cardume.

[E no caso do arrastão?]

Fica uma ponta de corda aqui na areia e o barco leva e faz a distribuição. Quando chega na praia ele contorna e faz coisa de  um círculo e volta na areia e começam a puxada dos dois pontos, recolhendo.  Centraliza no meio certinho, que é onde fica o peso, e vem puxando dos dois lados para não adiantar nem um lado nem o outro.  Aí os turistas ajudam, os colegas ajudam, todos ajudam até chegar na praia.


[Como é feita a distribuição?]

Uma parte é do proprietário da rede, que tem uma parte de 30% líquido, o outro é dividido entre os colegas, para o pessoal que fica todo o dia. Eles dizem que são 50%, mas não é não, porque separa em duas partes. Os outros ficam na faixa de 35% da pesca. O conserto da rede, compra de material tudo é dele, a despesa toda é do dono da rede. O material todo é da gente, o resto todo é feita a divisão, os amigos que estão aqui constantemente.


[O senhor é um homem religioso?]

Mais ou menos, fui criado na igreja evangélica. Hoje em dia estou desviado, mas conheço um pouquinho a palavra. Meu pai nunca foi de religião, no final da vida é que ele ia à igreja Maranata, mais novo não. Quando saiu de casa e casou-se com outra mulher é que ia para a igreja. Minha mãe sempre foi da igreja.

[O senhor gostaria de falar alguma coisa que achou de interessante?]

Muita coisa tem que mudar aqui em Itapuã, o pessoal tem que olhar mais para os pescadores que estão à míngua, a maioria está passando dificuldades. O governo não abre as portas para eles, só pagam um defeso na época, mas é nacional. Da Exclusiva chegou uma galera aqui. Tem lugar que tem muito peixe aqui […] O governo não está olhando para quem está na pior ou na melhor. Tem lugares aí que está bom, outros não tem nada, não dá incentivo nenhum. Os grandes empresários levam, os empresários ficam aí fora pescando o ano todo. Aqui o pescador que precisa do peixe não tem peixe. Os empresários podiam ter uma participação para distribuir esse dinheiro que eles ganham demais para os pescadores aqui. Se juntar essas redes todas de Itapuã, com Praia da Costa, Ponta da Fruta, Barra do Jucu, essas traineiras [?] ainda que eles fiquem dormindo ali uma semana, o verão todinho não pegam. Se juntar todo mundo não pega uma pescadinha deles. […] Eles pegam 70, 80 toneladas de peixe, aqui não pegam nem 10 toneladas, todo mundo aqui, não pegam. Então eles estão comendo tudo ali, e o pescador nada. Desse dinheiro também podia ter uma verba, 10%, só para os pescadores, para dividir nessa área de Vila Velha. Se estão atuando aqui em Vila Velha, eles (os empresários) tem que dividir um pouco desse lucro, essa é uma pescaria só para quem tem muito dinheiro. Uma embarcação dessa aí custa muito dinheiro. Eles vem de fora, não são nem de Vitória, são de outros estados, e pegam o peixe todinho e o pescador fica a ver navios e não tem distribuição de renda para eles. Até esses grandes empresários, que ganham muito dinheiro, deviam ter uma pequena participação dos pequenos pescadores de toda a área de Vila Velha. O que falta é a distribuição de renda, enquanto um só está pegando tudo ou outros… Não tem um equilíbrio certo, o errado é isso aí, é o empresário lá de baixo que pega tudo. A minha reclamação é essa, a má distribuição, enquanto tem famílias passando fome, os empresários só na boa. É a vida né?

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