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Safira


Na fábula infantil Safira, com ilustrações de Mara Perpétua, Sérgio Blank consegue, sem renunciar à profundidade, representar esteticamente a naturalidade do olhar infantil sobre o mundo e as coisas circundantes, ao tratar com lirismo e sensibilidade um tema tão instigante quanto universal: a existência humana, suas contradições e descobertas, sua consciência ontológica.

Ao falar do cotidiano da criança e para a criança, transitando entre o sonho e a realidade e puxando seus fios, o autor vai enredando o leitor-criança numa narrativa, cuja riqueza reside justamente na simplicidade e na escolha de personagens tão prosaicos quanto verossímeis, responsáveis pela inversão no universo infantil. A personificação, construída tão-somente por crianças e poetas, revela a capacidade do autor de metaforizar a condição humana, recolhendo na vivência infantil o que lhe é peculiar e indelével: interesses, gostos e preferências, proximidade lúdica e onírica com objetos e bichos como caneta, lápis e pincéis, papel e borracha, almofada, pássaro, formiga e barata, sempre com um “…olhar grande cheio de perguntas”.

De descoberta em descoberta, a personagem Safira cria suas próprias personagens, contrastando-as e caracterizando-as. E nessa caracterização que o autor faz da diversidade, da diferença, como marca de personalidade, o sangue substância da vida, é a marca dessa diferença. Sendo uma fábula, Safira realiza, no plano simbólico, a magia, as emoções e os conflitos necessários ao desenvolvimento emocional e psíquico da criança, tal como nos contos de fadas. No entanto, condizente os novos tempos e os novos ares, esta fábula é original porque a personagem que dá título ao livro “era uma caneta nova e estava aprendendo”, o que lhe confere um sentido de busca e de incompletude.

Há, portanto, uma identificação da criança com as personagens e com a própria história, rica em ritmo, movimento, forma e cor. E na cor se encontra o elemento essencial dessa história, a significação metafísica de azul. Considerada a mais profunda, a mais imaterial, a mais pura das cores, o azul simboliza o jogo de transparências e claro-escuro no limiar do consciente/inconsciente.

Jogando com o sonho como leitmotiv para iniciar a sua criação simbólica – “Safira era uma caneta muito magra e bonita. (…) Sonhou que morava em palácios e era rainha…”, Blank reafirma o sonho como inerente ao homem, configurando-o ao final como repouso e encontro – Depois desse dia cheio de descobertas, estava cansada e queria sonhar.

Trata-se, pois, de um trabalho de metaficção, em que o estilo leve e conciso permite e fruir a escrita, que se debruça sobre si mesma e em sua superfície vê refletida sua própria imagem. O sentido da vida é (re) descoberta pela palavra. Cabe à criança tomá-la – e deixar-se tomar por ela – para conferir ao livro o seu real valor.

[Por Rita Maia in Caderno 2 – A Gazeta, 30/01/2000]

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Rita de Cássia Maia e Silva Costa é autora do texto.

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