54, nascido em Vitória, administrador aposentado, mora em Santa Luíza, e atualmente tem uma sorveteria na Praia do Canto. [30/09/2007]
– Há 40 anos atrás este bairro era outro, evidente. Vejo mudança com sofrimento, a cidade sofre essa mudança, o crescimento da planta urbana, me assusta um pouco como desaparece com rapidez o casario, principalmente ali na Chácara dos Guimarães, onde será erguida a sede da Petrobras. Tomei um susto. Veio-me então a lembrança de quando subia ali pra caçar passarinho, pegar galho pra forquilha de atiradeira. Aquela [rua] Constante Sodré está assustadora. Por um lado pode ser até pelo fato que o crescimento pode vir até a me beneficiar, pois estou na condição de comerciante, até me anima um pouco, mas por outro lado vejo o aspecto negativo, pois parece que a cidade começa a perder sua identidade, começa a perder sua memória. Na realidade não reconheço muito a preocupação de se preservar nossa memória, até mesmo porque numa roda de dez hoje em dia, se você conta, tem dois ou três capixabas, não mais do que isso. Uma parte é de Minas ou São Paulo, ou mesmo do interior, mas está difícil encontrar quem tenha nascido e se criado na ilha. Aqui tem muita gente de fora. A minha clientela creio que é formada em sua maioria por gente de fora, uns oitenta por cento. E eles perguntam muito pela cidade e também se ressentem por não haver muita informação sobre a cidade em que eles estão vivendo. Parece que há uma falta de orientação, no aspecto turístico mesmo, ou comercial. Aqui se sente falta de uma referência da cidade. Hoje se fala muito em Pedra da Cebola, que foi contemplada com benfeitorias, que acabou sendo referência de lazer, detalhes da natureza, e temos também o nosso litoral. Conheço, você sabe, muita gente da velha guarda, mas são os de fora que vêm aqui, principalmente em busca do sorvete de frutas e do campeão das preferências: o sorvete de coco verde, uma tradição capixaba.
– A cara de Vitória hoje fica até difícil de citar, a não ser a culinária. A moqueca, por exemplo, a panela de barro, que passou a ser nosso símbolo, apesar de que o capixaba mesmo come muito pouco peixe, até pelo preço que é um pouco puxado. O pessoal vai muito pelo churrasco.
– Como comerciante temos uma carga tributária meio pesada, mas acho que são normais, em nível municipal. Quanto à segurança é muito deficitária. É difícil ver polícia na rua. Meu filho já foi sequestrado, há mais de dez anos atrás, quase que em frente à delegacia de polícia, fora relógios, bicicletas que sempre estavam sumindo das crianças.
– No aspecto da saúde o município deixa a desejar, pois tenho experiência própria devido a problemas que me acompanham há certo tempo e não tinha plano de saúde. O município atende mal o cidadão. Você precisa ter sorte e, infelizmente, contar com seu conhecimento pessoal com o pessoal lá de dentro. Uma boa amizade nesse momento pesa bastante. Alguma coisa tem melhorado, tirando por mim, no que se refere a disponibilidade de medicamentos. Tenho usado mais recentemente o posto de saúde para controle da pressão e retirado alguns remédios, poucos, mas tenho conseguido. Talvez uma coincidência, pois o que me prescreveram é aquilo que o posto tem. A sinvastatina, por exemplo, que é uso contínuo, não há disponibilidade. Grave também é a falta de atenção, o atendimento. Você vê muito funcionário, muita aglomeração, funcionário conversando com funcionário, falta um atendimento mais humanizado que requer apenas uma atenção, um pouco mais profissional. Outro dia solicitei, através de receita prescrita pelo médico de lá, uma quantidade xis de medicação e o atendente chegou a questionar a receita dizendo que ela era muito estranha. Senti-me até agredido. Perguntei se era falsa, adulterada. O cara ainda ficou questionando que era muito remédio pra mim. É falta de educação, falta de preparo profissional. Perto de mim havia um senhor que teve seu pedido recusado, pois o atendente disse que só poderia fornecer com receita do SUS e que ele conseguisse uma. Eu tive que informar ao pobre senhor que essa receita do SUS era obtida no próprio posto. Veja, o homem já ia embora sem entender nada.
– Em Vitória, circulando, perambulando, vejo muito jovem. Nessa nossa região é um jovem claro, de bom poder aquisitivo, e me parece que cada vez é uma turma mais jovem que circula, em particular na sexta e no sábado, quando você vê meninos e meninas de até de 11, 12 anos à meia-noite, uma da manhã, todos estudando em boas escolas, mas de um comportamento crítico, muito arrogante. Vai desde o tom de voz ao conteúdo das palavras. Eles são extremamente mal-educados, principalmente os de maior poder aquisitivo, o que é contraditório. Me assusta muito essa nova geração. Espero que a cidade possa crescer com sabedoria, com planejamento, passo a passo. E o mais importante pra Vitória é que haja mais solidariedade. Ela está indo por um caminho muito desumano. É ainda uma cidade pequena e somos todos estranhos nas ruas, o individualismo prevalece, infelizmente. Aquela província solidária acabou, estamos nos desumanizando.
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