Vitória, pequena cidade do leste brasileiro, capital do Espírito Santo, é sui generis, a começar pela surpreendente e admirável união –considerando o significado simbólico – dessas duas denominações: Vitória e Espírito Santo!
Ponto de afluência estrategicamente instalado no meio do litoral do país, Vitória não é cosmopolita. A cidade é uma ilha e aqui mantemos as velhas e boas características provinciais, a começar pela maneira tão refratária a quem é daqui mesmo. Observando a média, não sem motivo: o mundo lá fora é o desconhecido, a terra ignota. Ou é, digamos, uma fonte de consulta não autorizada.
Vitória é sim, cosmopolita. Nosso custo de vida está sempre entre os três mais altos do país, o que significa que os nossos ganhos estão entre as três melhores médias salariais do país. Também somos uma grande cidade em termos de acidentes, assaltos, violência… Nisso estamos ali entre os maiores, quase imbatíveis.
Temos ainda certas vantagens e facilidades, justo por sermos assim como somos. E isso é uma das coisas que atrai tanta gente e nos prende aqui: ainda que passemos longe uma vida que seja, sempre estaremos de volta.
Nossas diversões não são muito peculiares. Coisa simples nos mantém entretidos: observar quem passava na porta da Lanchonete 7, quando havia Lanchonete 7… Passar trote, quando popularizaram o telefone… Observar pela veneziana, quando havia veneziana… Tentar encontrar um bom restaurante que não feche na hora do almoço e do jantar… Esquadrinhar as curvas e retas da cidade… E, sempre, listar o que temos de melhor, em relação ao que há em Vila Velha.
Imbuídos que somos do sentimento ecológico, cultivamos o saudável hábito de jamais desperdiçar qualquer coisa que seja. Não estamos aqui, por exemplo, para esbanjar idéias. Talvez água, talvez palavras, mas ideias não. Conscientes, socializamos ao máximo o que uma pessoa, digamos, com mais tempo, é capaz de criar. Ideia demanda pensar, pensar demanda tempo… Otimizamos o tempo. Talvez não seja correto dizer que nos apropriamos – ainda que sejamos francamente favoráveis a isso, não tenha dúvida, tanto é que patente, direitos autorais e coisas assim… ora, temos mais o que fazer! – de projetos, idéias, nomes, marcas, modelos… Fazemos citações, homenagens.
Coisas mais pueris também nos deixam em larga vantagem…
Temos praias, um pouco descuidadas, não é possível negar, mas ainda assim, praias. Um belíssimo Teatro Carlos Gomes, levemente cuidado e com programação levemente interessante, mas ainda assim um teatro. Ruas! Ruas, temos muitas. Isto é, algumas. O que dá para ter em uma ilha. Não são arborizadas, claro, mas ainda assim, ruas. Temos de novo funcionando o Cine Teatro Glória, sem a maioria das magníficas portas de madeira que davam para a rua, claro, e com nome para cada um dos seus cômodos, alguns despropositados, certamente, mas ainda assim, nomes.
Em certos aspectos somos bem comuns, estamos mesmo lado-a-lado com as cidades mais cosmopolitas do país: a programação de exposições no Palácio Anchieta e do Museu de Arte oscila sempre entre alguma coisa boa e muitas inexpressivas; belas construções são abandonadas e despencam sob a ação predatória do homem, seja lá o que isso signifique, mas o fato é que despencam; nossas farmácias demonstram um gosto incomum por prateleiras sem o que os médicos prescrevem; nossas papelarias – tirando uma ou outra que, de vez em quando, irritantemente, faz questão de destoar – têm horror a vender produtos de papelaria; nosso usuário de ônibus, como em qualquer lugar, ocupa, cada um, cadeira e meia, não pede licença quando quer passar e não cede o lugar quando é para ceder; nossas pessoas comuns – o cúmulo! – fazem questão de envelhecer; nossos hospitais, inteligentemente, cultivam o hábito espartano, anti-perdulário, franciscano, de ocupar os corredores, o chão, o pátio, a entrada, com feridos, mortos e doentes.
Poucos se dão conta de outra característica muito própria: a ausência de fila para ver um bom filme – esses não costumam cair no gosto do capixaba – e das cadeiras vazias nos leilões de arte. O que, se por um lado é negativo, por outro é, sem dúvida, uma grande vantagem.
Seguimos assim, apressados, em sintonia com o progresso, com vários projetos, centros culturais e pontos de cultura que certamente nos asseguram qualidade de vida, pertencimento, pocar, inclusão social, a coisa de, o resgate, o grid, as cotas, os receptivos, a nível de, vou estar telefonando, selfies, os engajados, us manu, e tutti i quanti.
No mais, o Vento Sul continua a nos visitar com esporádica freqüência; a Pedra dos Olhos continua de atalaia; Araribóia continua querendo tomar banho de mar; o Penedo vai… E as baleias, antes vivas, abundantes e ruidosas, pouco a pouco começam a voltar. Mortas, encalhadas na praia, mas começam a voltar. Os botos ainda não. Isto deve significar alguma coisa.
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