Na história de Antônio Marins há uma curiosa informação alusiva ao suíço João Moulaz (Moulay), “que tinha uma pequena fazenda no lugar Caxoeiro, à margem do rio Itapemirim, onde já era morador desde 1839”. Propriedade que — acrescenta o historiador — defrontava com Alexandre Davidson e Manuel Crispim da Silva.
Quando, em 1860, o Barão de Tschudi visitou a Província, ele procurou levantar os fundos depositados nos cofres do Governo, por oito anos, resultantes da venda dos bens de L. S. Moulaz Fiez, natural do cantão de Vaud. E o enviado extraordinário da Confederação Helvética ao Brasil nos forneceu, ainda, outros elementos elucidativos sobre o caso.
João Moulaz deixara a família na Suíça Francesa e emigrara para o Brasil, vindo-se afazendar nas margens do Itapemirim. Não consta de quem tenha adquirido as terras. O Barão de Tschudi narra que elas foram administradas com zelo e competência. A fazenda prosperou, chegando a possuir bastantes criações e alguns escravos.
Um manuscrito do Arquivo Público capixaba, assinado a rogo e endereçado ao então presidente da Província (1841), parece trazer pálidas luzes a respeito desse emigrante: “…Diz I. S. Moulaz, ele suplicante” — assim começa a petição, por sinal que mal redigida — “que o fim de janeiro de 1837…” foram, à sua casa, os cidadãos Antônio Luiz Barbosa e Alexandre, filho do Tenente Monteiro, acompanhados de quatro negros armados de facas e espingardas, com o propósito de o assassinar. Como se encontrassem em sua casa um índio com mulher e filho e mais escravos da fazenda, que o acudiram, a agressão foi frustrada, ficando em ameaças. Decorrido um ano, isto é, a 27 de janeiro de 1838, o dito Alexandre voltou à casa de Moulaz com novas ameaças, exibindo a intenção de saqueá-lo. O suíço pôs o agressor para fora, repelindo-o violentamente. Armado de espingarda, Alexandre alvejou Moulaz na cabeça e o chumbo queimou-lhe os cabelos, perto do ouvido. Em seguida, o agressor esfaqueou o suíço com duas facadas perigosas, enquanto este, defendendo-se com um pau, a custo se desembaraçou. O juiz, Capitão José Tavares de Brum, estabeleceu o ato de corpo de delito e como não constasse que o agressor houvesse sofrido punição — acrescenta o documento — o queixoso procurava instância superior, o Presidente da Província (Machado de Oliveira), “…persuadido que não se mandou oferecer terra a tantos estrangeiros para os deixarem no desamparo”.
Uma nota à margem do manuscrito (28 de maio de 1841) declara que o réu Alexandre foi absolvido pelo Júri.
O disparo de espingarda, à queima-roupa, na cabeça de Moulaz, e os ferimentos que ele sofreu, teriam afetado suas faculdades mentais!
O certo é que, inesperadamente, sem informar de suas intenções, um dia, ele tomou um vapor no Rio de Janeiro de regresso ao seu país. A fazenda ficou acéfala: ninguém sabia informar o paradeiro do suíço, nem mesmo uma preta escrava com quem ele tivera um filho que recebera o seu nome de batismo.
Quando os escravos sentiram que Moulaz estava desaparecido, começaram a fugir e a se esconder pelos matos. O Major Caetano Dias da Silva, proprietário da fazenda Limão, encarregou-se da tutela do mulato, filho de Moulaz, enquanto a fazenda era invadida pelos vizinhos que aproveitaram para remover os marcos divisórios. Famílias pobres invadiram grandes porções, com o intruso, e, após alguns anos, a fazenda estava reduzida a menos da metade.
Na Suíça, a família de Moulaz levou tempo para notar que ele estava perturbado da cabeça e viu-se forçada a interna-lo num manicômio. Foi quando sua esposa mandou o filho mais velho ao Brasil, para cuidar da fazenda abandonada, no Caxoeiro. Tal a má sorte desse emissário que ele, ao desembarcar no Rio de Janeiro, se contaminou com a epidemia da febre amarela e faleceu. Tomando conhecimento do ocorrido, o Consulado Suíço procurou entrar em entendimentos com o Governo Provincial, para levantar os fundos depositados nos cofres públicos, resultantes do apurado na venda de alguns escravos de Moulaz.
Antônio Marins fez transcrição da curiosa conta apresentada pelo inventariante dos bens e recebida do Juiz Municipal em exercício, o alferes Custódio Luiz Azevedo, ajuntada aos autos de requisição feita pelo mesmo Major Caetano Dias, em 1851: “Vila de Itapemirim, 26 de outubro de 1848. Lista das despesas que fiz com a prisão dos escravos do ausente João Moulaz por não quererem obedecer às ordens do Juiz: A cinco pessoas que lhes fizeram emboscadas por cinco dias: cem mil réis; quatro libras de carne-seca: quatrocentos e oitenta réis”.
O Dr. Campos Melo, juiz municipal da Vila de Itapemirim (a cuja jurisdição pertencia o Caxoeiro), informou ao Barão de Tschudi, enviado especial do governo suíço, que um velho escravo de Moulaz vivia, ainda, da caridade pública. E esclareceu ao Barão que poderia mandar prender o mulato, filho do suíço, o qual, pelas leis vigentes, deveria ser considerado como escravo, mas Tschudi declinou dessa sugestão.
Ah! Se pudéssemos encontrar outros documentos, explicando o desmembramento da fazenda desse imigrante suíço, quantas luzes viriam aclarar a história da formação do povoado do Caxoeiro…
[In Crônicas de Cachoeiro. Rio de Janeiro: Gelsa, 1966. Reprodução autorizada pela família.]
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Levy Rocha nasceu em 14 de merco de 1916, em São Felipe, então distrito de São João do Muqui. Graduado em Farmácia, residiu em Cachoeiro de Itapemirim e no Rio de Janeiro, interessando pela história de seu Estado natal. Publicou vários livros. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)