Foto Gilson Soares, 2014. |
Talvez por conta dos vai e vens na divisão territorial entre o Espírito Santo e a Bahia, o mapa do nosso estado apresenta na sua parte superior uma linha absolutamente reta. O que é pouco comum em cartografia.
Por isso, observando o limite norte do Espírito Santo vem-nos a impressão de que aconteceu ali, em algum momento da história, uma delimitação político-geográfica impositiva.
O imbróglio se deu porque o pensamento capixaba é de que o nosso território se estenderia até a margem sul do rio Mucuri. A cartografia seiscentista também tinha esse entendimento. Mais de um mapa marcam ali a delimitação entre as duas capitanias.
Como o mapa federativo brasileiro nasceu – com confusa bastardia, em verdade – do que veio escrito nas Cartas Régias que desenharam as capitanias hereditárias, esse entendimento capixaba tem o benefício da história.
Caso os baianos também assim pensassem, nosso estado seria ainda um pouco mais oblongo do que é, e aquela linha não seria reta, pois o marco fronteiriço estaria submetido à sinuosidade natural do Mucuri.
E eu não estaria, também, cometendo um possível erro geométrico (ou semântico?) ao admitir no título deste relato as palavras giro e arco.
Já que as duas pressupõem, quando nada, uma tênue nuança de círculo.
Mas se o leitor concorda que essa nuança está assegurada quando voltamos o olhar para o flanco noroeste, podemos prosseguir com o relato e com a viagem, pois daqui a pouco tomaremos o rumo desse ponto geográfico.
Em verdade, se eu não estivesse sendo conduzido por propósitos extremistas, poderia, até mesmo, ter saído de Itaúnas na manhã daquela quinta-feira, 5 de junho, e ter ido direto pra Pedro Canário onde planejava pernoitar.
Mas o mesmo gosto por extremos que me conduziu na peripécia do ano anterior até a Praia das Neves e que me induziu, ainda, a chegar ao cocuruto do Caparaó e contorná-lo, derrapando por perambeiras mineiras, exigia agora que eu ao menos pisasse as areias extremas da Praia do Riacho Doce, mesmo que mais nada eu tivesse – como não tinha – pra fazer lá.
E olha que pra chegar à praia mais setentrional do Espírito Santo, tive que assumir uma dívida para com um benevolente e corajoso pequeno empreendedor dali, que atende pelo aumentativo de Celsão.
Esse empresário solitário, tem – além de um valente fusquinha, que vi – uma pousada e restaurante sem par – mesmo, porque única – em Riacho Doce.
Isso já seria motivo bastante para que ele fosse conhecido pelo seu codinome superlativo, mas, além disso, Celsão deve ser exaltado por outra iniciativa de alto valor coletivo: postou – posteou – textos informativos, em plaquinhas indicativas, desde a saída de Itaúnas até a entrada do seu estabelecimento comercial, que dá acesso à praia e ao riacho doces.
As plaquinhas, rústicas e divertidas, vão se sucedendo, no decurso das florestas de eucalipto, como se propondo uma engraçada contagem regressiva até chegar à pousada e, claro, ao claro – e doce – riacho fronteiriço.
Eu, que já vinha pedalando escabreado desde que perdi Barra Nova e Guriri por não saber falar, nem ler, petrobrês e por ter sido vítima de um lapso de sinalização informativa, não deixei de, ao passar pela pousada, expressar o meu elogio à agradável e útil iniciativa de Celsão.
Ele, certamente ciente do valor do seu labor, contentou-se em comentar, sem se vangloriar – com, até, uma expressão de sincera preocupação – que já era hora de repetir o trabalho, posto que as plaquinhas seriais estavam – por conta da ação do tempo e dos contratempos – em petição de miséria.
O que me cabe assegurar é que sem aquela diligente e generosa informação eu teria me metido por alguma das muitas estradas incógnitas que se embrenham pelas fileiras uniformes de eucaliptos perfilados, e teria chegado a lugar nenhum.
Que é onde vão dar, eu acho, todas aquelas inúmeras vias vãs.
Ou, talvez, pior, tivesse desistido e tomado o rumo mais fácil, mais reto e mais sinalizado de Pedro Canário e, assim, a praia do Riacho Doce teria se juntado a Barra Nova e a Guriri no angustiante mapa dos destinos inalcançados.
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Gilson Soares é poeta e nasceu em Ecoporanga, no extremo noroeste do Estado do Espírito Santo, em 10 de fevereiro de 1955. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)