Uma das crendices que nos lembra ter ouvido à saudosa informante, é a seguinte: Quando se cose ou remenda a roupa no corpo de uma pessoa viva, deve-se dizer:
Coso o vivo e não o morto,
Coso isto que está roto.[ 25 ]
É esta uma das velhas superstições, conhecida em toda a parte. Aqui mesmo, no Espírito Santo, lá em Conceição da Barra, é corrente a crença, na seguinte variante:
Coso roupa no corpo sem precisão.
Viva São José, viva São João!
No Ceará, segundo registro de Guilherme Studart, “quando se costura um rasgão do vestido que se traz no corpo, deve-se dizer: Eu te coso vivo e não morto (in Antologia do Folclore Brasileiro, p. 304).
Também em Pernambuco, Pereira da Costa recolheu a velha abusão: “coser roupa no corpo é agouro de morte, o que porém se evita recitando-se por três vezes (Folk-lore pernambucano, p. 113):
“Coso o vivo,
Nanja o morto;
Coso isto
Que está roto.”
No Baixo São Francisco, Antônio Osmar Gomes registrou a mesma crendice na seguinte forma versificada e mais longa:
“Coso a roupa,
Mas não coso a sorte,
Coso na vida,
Mas não coso na morte.”
(Tradições populares colhidas no Baixo S. Francisco, in II Anais do Congresso Brasileiro de Folclore, vol. II, p. 189).
Trata-se de um antigo ritual mágico, que bem se pode incluir dentro do conceito de magia homeopática ou imitativa, de que nos fala James George Frazer, e que se funda “na associação de idéias por semelhança”. (La rama dorada, magia y religion, p. 27-8).
Um corpo vivo pode assemelhar-se a um corpo morto, principalmente quando se cose a roupa naquele vestida. De fato, em regra a costura de roupa ou véstia (mortalha) se faz no corpo de pessoa morta. Toda vez que, por necessidade ou pressa, tem de coser-se a roupa, ou remendá-la no corpo de uma pessoa viva, convém fazer-se a ressalva protetora, frisando-se que a costura se processa em corpo vivo e não morto. Com isto julga-se — o ato de coser não provocará a morte da pessoa em cujo corpo se costura ou se remenda a roupa.
Até certo ponto esse ritual mágico do “coso o vivo nanja o morto”, semelha-se à conhecida ressalva que se faz, na fala viva do povo. “Descrevendo lutas, ferimentos ou moléstias, o homem do interior localizando a ferida, golpe, úlcera, chaga, num determinado lugar no seu próprio corpo, não se esquece de dizer o lá nele, afastando o poder do nome, capacíssimo de conduzir o ferimento para o mesmo local indicado na evocação.” (Câmara Cascudo, Anubis e outros ensaios, p. 144).
NOTAS
[ 25 ] Informação colhida de Albina da Silva Neves, mãe do autor.
[Alto está e alto mora — Nótulas de folclore. Vitória: edição do autor, 1954.]
Guilherme Santos Neves foi pesquisador do folclore capixaba com vários livros e artigos publicados. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)