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V. Roupa, habitação, alimentação e água

Vestuário — Constituem a roupa de trabalho dos homens uma camisa, em estilo de blusa, calças com cinturão e ceroulas (estas só na, região alta, fria), um chapéu de feltro preto, de abas largas; as mulheres usam saia, às vezes, anágua, camisa, blusa, avental, lenço branco de cabeça, preferindo-se sempre fazenda branca. Na região alta, usam-se várias blusas, uma em cima da outra. Sapatos e meias não são utilizados no trabalho, andando-se, o dia inteiro, de pés descalços. A roupa domingueira dos jovens consiste da roupa branca mencionada, de um terno preto, de um chapéu preto de abas largas, cinto, sapato e meias; as meninas usam um vestido branco, com muitas rendas e fitas, colar de pérolas falsas, meias brancas e sapatos de verniz. Os jovens costumam receber esse enxoval, ou parte dele, quando são crismados. Os homens, nos dias de festa, usam uma roupa semelhante, à que vestem os garotos no dia da confirmação, diferenciando-se, apenas, pelo cinto, que é mais ornado. As mulheres trajam-se de branco, preferindo, às vezes, preto. Encontram-se, ainda, embora seja raro, mulheres com indumentárias acentuadamente típicas, que lembram a velha pátria.

Habitação — Excetuadas as cabanas provisórias, nos sítios muito novos, as casas dos colonos teutos dão uma impressão de solidez, acolhimento e limpeza. São construções feitas por eles mesmos, com tetos pouco altos, tendo em geral uma espaçosa varanda; combinam excelentemente, com a paisagem verde, a fachada bonita e a caiação branca.

A casa ergue-se sobre uma armação de vigas, de um metro de altura; sobe-se uma escada para se chegar à varanda e ao interior da moradia. A habitação tem, geralmente, uma grande peça, a sala de estar e de jantar, em torno da qual se agrupam os quartos de dormir e a cozinha. Os colonos, em boa situação, dispõem, às vezes, de outros quartos de dormir, num puxado ou numa construção adjacente. O quarto de dormir maior destina-se aos pais e às crianças, existindo, para as meninas crescidas, um a dois quartos menores. Os pais dormem, geralmente, em camas, os meninos, freqüentes vezes, no chão. Dorme-se sobre sacos, enchidos de palha de milho desfiada; servem de coberta mesmo na região baixa edredões com forro multicor, extraordinariamente grossos, muito quentes para o clima de lá; apesar disso, os camponeses os apreciam muito.

O mobiliário, na maior parte, feito em casa, é pobre. Consiste de uma mesa grande, de alguns bancos de madeira (cadeiras são uma raridade), de um relógio de parede, uma máquina de costura, um quadro de pouco valor e um espelho. Raramente, encontram-se armários; as roupas são penduradas em ganchos, num dos quartos de dormir. As pecas de roupa mais valiosas, dinheiro, documento e coisas semelhantes guardam-se em baús. Nas casas dos colonos em melhor situação há, às vezes, um armário de vidro que contém a louça e copos. A iluminação é muito simples: onde há luz elétrica, as lâmpadas descobertas pendem por um fio, do teto; onde não há, o que é a regra, a iluminação se faz por um candeeiro de querosene, e na maioria dos casos, por um candeeiro de óleo, pequeno, feito de bambu. Pr falta de corrente elétrica ou, de dinheiro, são muito raros os aparelhos de rádio na região das colônias. Tivemos oportunidade de ver aparelhos de rádio na casa de um pastor, de um vendeiro e de dois cafeicultores. O colono, isolado do mundo, sente mais intensamente essa privação, pois o rádio é o único meio que lhe permite contato imediato com a pátria de origem. O grande interesse pelo rádio é devido, especialmente à emissora de ondas curtas alemã. É o que demonstra a visita animadíssima que todas as noites os colonos fazem aos aparelhos de recepção, quando irradiam notícias da Alemanha. O speaker sabe, magistralmente, fazer fãs, no meio da juventude de lá. As transmissões eventuais de votos de felicidades aos filhos dos colonos por motivo de aniversário, geram imensa alegria entre os garotos, que junto ao aparelho, ouvem, subitamente, a menção de seu nome, naquele dia, em Berlim. Para se ter uma idéia do entusiasmo que a emissora alemã desperta na zona colonial, citaremos o exemplo de um velho colono, por ela induzido a fazer longa e custosa viagem à Olimpíada de Berlim, sem nunca ter visto antes a Alemanha.

Construção da casa — A construção de uma casa costuma processar-se da seguinte maneira:

Para a feitura de vigas, utilizam-se árvores de madeira dura, que não tenham sofrido muito com a queimada da floresta, ou troncos frescos. Fazem-se tábuas e telhas, com madeiras mais leves. Tudo é aparelhado, na mata, na forma desejada, com machado e serra. Quando todo o material está pronto, é levado com indizíveis esforços, ao local de construção, onde são enterrados alguns mourões, de modo a ficar do lado de fora uma parte que mede 1 metro, mais ou menos. Os mourões, em cada canto da casa, em número de quatro, são ligados por vigas horizontais. Sobre elas levanta-se a armação da casa, constituída de vigas igualmente fortes, e, a seguir, a cumeeira, que se cobre, rapidamente, com telhas de madeira. As vigas que armam as paredes são ligadas por juçaras ou varas de outros espécimes ficando o esqueleto das paredes com o aspecto de uma peneira; na armação das vigas, há aberturas para as portas e janelas onde se encaixam as respectivas molduras. Entaipam-se, então as paredes, jogando-se o barro do lado de dentro e do lado de fora. Secado o barro, faz-se o reboco, para encobrir as lacunas que ficam. Caia-se a parede, mais ou menos alisada. A varanda e a escada são construídas no fim. Diversas tarefas se concluem com rapidez, graças ao ajuntamento, mais utilizado na construção das casas. Costuma-se levantar a cumeeira e cobri-la com telhas de madeira num só dia.

As casas têm uma duração muito longa, em virtude de ser a madeira empregada, excepcionalmente resistente, e admira que o camponês se decida por construções tão sólidas, pois, com a atual exploração exaustiva, tem de contar com uma mudança da casa e do sítio, não muito remota, indo estabelecer-se noutro local, onde vai, de novo, sobrecarregar-se com os sacrifícios da construção da moradia.

Alimentação — O colono dá muito valor à boa alimentação, aos bons pratos, mesmo quando dispõe de poucos recursos. No primeiro almoço (pelas 6 horas), costuma servir-se de café com leite, pão com manteiga ou banha; na segunda refeição (pelas 8 horas), da mesma alimentação e, mais de carne assada ou cozida, ou de ovos, freqüentes vezes de mel. O almoço consiste de sopa de várias espécies de carne, tubérculos, arroz e verdura. Pouco depois do anoitecer, há um jantar substancioso, cuja composição é semelhante à do almoço. É usado o café com leite em qualquer refeição. Nos intervalos, comem-se muitas frutas. O pão é consumido em quantidades abundantes, sob a forma, principalmente de pão de milho, a que se adicionam, na maioria dos casos, ovos e outros complementos (aipim, batata, leite, às vezes um pouco da farinha de trigo). É mais saboroso e mais digerível que o antigo pão de milho, pois atualmente, com o aperfeiçoamento dos moinhos, dispõe se de uma farinha mais fina e de digestão mais fácil. Aprecia-se muito o pão de trigo, às vezes feito em casa, mas em regra só pelas famílias mais abastadas, por não existir plantação de trigo no Espírito Santo, e ser cara a farinha importada. Os camponeses de lá desconhecem o pão de centeio.

Entre as leguminosas, apreciam-se o feijão preto e o amarelo, espécimes nativos que quase nunca faltam às refeições principais. O colono gosta muito da feijoada, o prato nacional dos brasileiros, uma mistura bem condimentada de feijão cozido, arroz, carne, toucinho, pedaços de lingüiça, farinha etc. Utilizam-se na alimentação, as mais diversas variedades de tubérculos. A batata inglesa usufrui destacada preferência, mas não cresce em todos os lugares, sendo substituída por outras plantas, tuberculíferas, especialmente o aipim, a taioba e a batata doce. Da mandioca se extrai uma farinha grossa, através de um processo de esmigalhamento e de prensagem, em que a parte venenosa (ácido cianídrico) sai sob a forma de suco. A farinha, depois de passar no forno, tem as mais variadas aplicações e quase nunca falta às refeições. Antigamente, só os pastores se ocupavam com a plantação de verduras, mas depois que seu valor e sua preparação adequada se tornaram conhecidos, passaram os colonos a plantá-las em grande quantidade e a utilizá-las, (acelga roxa, alface, feijão verde, pepino, abóbora, chuchu etc.).

Há, de frutas, a mais abundante variedade; as mais diversas espécies de bananas, que, segundo a propriedade, são comidas cruas, cozidas, assadas ou fritadas; diversas espécies de laranjas; abacaxis, mamão, abacate, mangas, ameixa, pêssego etc. Só na região baixa se plantam cocos, que se comem crus, ou sob a forma de doce.

Consome-se carne, em grande quantidade, aves principalmente (galinhas, patos, gansos, perus e galinhas d’angola); carne de porco e, mais raramente, de vaca. Comem-se ovos, preparados pelas mais variadas maneiras, entre as quais, com manteiga e queijo. Os adultos não gostam de beber leite, exceto sob a forma de coalhada; o leite fresco só desempenha papel importante na alimentação dos garotos. É freqüente a má prática de dar a recém-nascidos quando a mãe por qualquer motivo não possa amamentá-los, leite de vaca não diluído em água, o que, em regra, ocasiona graves perturbações digestivas. Outro fato a observar: as mães acostumam as crianças, de três a quatro meses, a se alimentarem com os pratos mais leves, de adultos (sopa de leite, de macarrão, verduras cozidas, ovos mexidos etc.), embora não se lhes dê carne.

As numerosas variedades de peixe que povoam os rios das montanhas, enriquecem o cardápio; costuma-se pescá-los com redes, e são preparados pelas mais diferentes maneiras. Não nos foi possível uma verificação quantitativa das quantidades de calorias, em média, absorvidas. Além do tempo, faltavam-nos condições de outra natureza, indispensáveis a pesquisas dessa espécie. Entretanto, conclui-se do cardápio apresentado e temos o testemunho do bom estado de alimentação dos colonos que a alimentação é, em geral, substanciosa e bastante variada, para cobrir plenamente, as necessidades das famílias, em alimentos importantes, isto é, nitrato de carbono, gorduras, albuminas, vitaminas e substâncias minerais. Essas condições propícias decorrem, principalmente, de ser o colono o provedor de si mesmo; os mantimentos de mais importância, de que precisa, são produzidos no próprio sítio, em quantidades muitas vezes, excedentes, graças às boas condições climáticas e do solo.

Os meeiros estão em pior situação, a esse respeito. Não possuindo terra própria, são forçados a trabalhar nas propriedades dos sitiantes, cuidando dos cafezais. São, freqüentemente, pessoas que já possuíram sítio próprio, e perderam-no em virtude de dívidas avultadas. O proprietário lhes atribui, para a plantação de produtos alimentares, uma pequena área, e prescreve-lhes quantos animais podem ter. A maioria das famílias dos meeiros vive em condições paupérrimas, com a alimentação correspondente. Esta consiste, em regra, de feijão, aipim, milho e bananas. Quando não há peixe nem manteiga, nem leite, pode ocorrer acentuada subalimentação qualitativa.

Água potável — o colono obtém água de mananciais, ribeiros, rios ou poços.

Mananciais — Na região alta, encontram-se mananciais em abundância, na maioria, a pouca distância das colônias, tornando-se possível o abastecimento de água, aliás excelente, após encanamento adequado.

São, porém, esporádicas instalações que estejam acima da crítica. Há muitas casas que recebem água da fonte, através de canos de madeira ou de metal, mas o encanamento não vai até a origem do manancial, terminando a maioria deles num lugar mais abaixo da fonte original. A água percorre, para chegar a esse ponto, extensões mais ou menos longas, desprotegida, através da floresta, plantações ou pastos, passando, às vezes, por um ou outro sitio e expondo-se às mais variadas impurezas.


Águas fluviais — Na planície, onde os mananciais são mais raros, obtém-se água para beber, em regra, dos ribeiros ou rios. A água é consumida pura ou sob a forma habitual de café com leite, a infalível bebida caseira. A fim de se avaliar o perigo a que se expõe a saúde com o consumo de água não fervida basta lembrar que os rios, principalmente nos trechos inferiores em que tomam aspecto pantanoso ou de lagoa, abrigam, além de peixes, a mais variada fauna. Na proximidade das colônias (quase sempre situadas à margem dos rios), constituem um lugar de recreio para todas as espécies de animais, grandes e pequenos, especialmente patos e gansos. Neles, lava-se, toma-se banho, lava-se rosto e lançam-se todos os resíduos da casa e do sítio. Os colonos, praticamente, não conhecem latrinas, tendo em regra de realizar, no mato, suas necessidades fisiológicas. Desse modo, quando chove, quantidades apreciáveis de excrementos humanos e animais são levadas para a água, e com eles, elementos infecciosos. As distâncias que os rios percorrem, entre os diversos sítios, não são suficientes para permitir a regeneração das águas.

Uns procuram limpar, por processo mecânico, a água colhida para beber. Os pequenos filtros empregados ou são em número reduzido para cobrir as necessidades, ou não funcionam como deviam, de modo que em muitos casos, ocasionam mais prejuízos do que proporcionam vantagens. Passíveis de crítica são também os grandes recipientes de barro, muitas vezes sob a forma de vasos ornamentais, em que se procura pela sedimentação, libertar a água das impurezas.

Não se erraria afirmando que o consumo da água não fervida e o banho nos rios constituem uma das causas principais da propagação de muitas doenças no Espírito Santo (infecção de Necator, Ascaris, Trichocephalus, Amoeba histolytica, Schistossoma mansoni, etc.), inclusive de moléstias de origem bacteriana, especialmente o tifo.

Poços — Nas proximidades dos rios, cavando-se a terra, encontra-se freqüentes vezes, em profundidades relativamente pequenas, água cristalina e pura. Com bombas adequadas, pode-se obter excelente água potável. Muitos colonos instalaram bombas, talvez menos por considerações de ordem higiênica, do que por repulsa instintiva à água do rio, por ocasião das chuvas, de sabor desagradável. Entretanto, a maioria dessas bombas não obedece a padrão irrepreensível pois, em regra, são cisternas abertas, que não oferecem proteção bastante contra a penetração de impurezas. São esporádicos os poços convenientemente instalados, impermeabilizados em volta e em cima e providos de uma bomba de sucção.

De modo geral, o abastecimento de água, no Espírito Santo, ainda é bem ruim. Se é raro o aproveitamento conveniente da água de poço e de manancial, proporcionada, abundantemente, pela natureza, a causa reside no nível de educação muito baixo da maioria dos colonos, faltando-lhes o conhecimento da maneira de realizar uma obra dessa natureza. Há algum tempo, as escolas se esforçam em instruir a juventude nos princípios de higiene, mostrando-lhe, entre outras coisas, os perigos do atual sistema de provimento de água; mas não é provável que os professores de lá disponham sempre, de conhecimentos especializados suficientes, e de autoridade para atuarem com êxito. Ademais, dificulta muito a sua tarefa a manifesta repulsa do camponês a tudo que lhe seja desconhecido. A propósito: perguntamos a um colono mais arguto, que tinha no seu sítio, uma bomba, muito boa, reluzente de limpa, por que não instalara nenhuma latrina, e ele respondeu que já o teria feito, há muito tempo, se não receasse a mofa dos vizinhos, em virtude da inovação. Estava, entretanto, disposto a levar avante o seu projeto, depois que seus filhos aprendessem na escola, as vantagens de uma instalação sanitária e que nós secundássemos o ponto de vista do professor.

[GIEMSA, Gustav, NAUCK, Ernst G. Uma viagem de estudos ao Espírito Santo: pesquisa demo-biológica, realizada, com o fim de contribuir para o estudo do problema da aclimação, numa população de origem alemã, estabelecida no Brasil Oriental. Trabalho publicado pela Universidade de Hanseática, Anais Geográficos (continuação dos Anais do Instituto Colonial de Hamburgo, vol. 48), série D, Medicina e Veterinária, vol. IV, Hamburgo, Friederichsen, De Gruyter & Co., 1939, traduzido para o português por Reginaldo Sant’Ana e publicado no Boletim Geográfico do Conselho Nacional de Geografia, n. 88, 89 e 90, 1950].

Gustav Giemsa nasceu na Alemanha a 20 de novembro de 1867 e faleceu a 10 de junho de 1948. Foi químico e bacteriologista e alcançou notoriedade pela criação uma solução de corante conhecida como “Giemsa”, empregada para o diagnóstico histopatológico da malária e outros parasitas, tais como Plasmodium, Trypanosoma e Chlamydia. Estudou Farmácia e mineralogia na Universidade de Leipzig, e Química e Bacteriologia na Universidade de Berlim. Entre 1895 e 1898 Giemsa atuou como farmacêutico na África Oriental Alemã. Em 1900 tornou-se chefe do Departamento de Química Institut für Tropenmedizin em Hamburgo.
Ernst G. Nauck nasceu em São Petersburgo, Alemanha, em 1867, e faleceu em Benidorm, Espanha, em 1967. Especialista em doenças tropicais. 

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