Voltar às postagens

VI. Situação Econômica

O preço eventual do café desempenha um papel substancial, decisivo na configuração da economia do colono: a venda desse produto constitui, quase, o único meio de obter dinheiro. Na tabela abaixo, vê-se como oscilam esses preços. Um colono recebeu de um vendeiro, por uma arroba de café com casca (arroba = 15 quilos, na realidade, porém, 20 a 22 quilos):

Preços arredondados em mil réis

1925-1928 45-50$ Abril 1930 13$
1929
24$
Agosto
1930
15$
Janeiro 1931 14$ Março 1932 9$
Fevereiro 1931 9$ Agosto 1932 6$
Março 1931 9$ Janeiro 1933 6$
Janeiro 1932 11$ Abril 1933 10$

Desde a elevada conjuntura dos anos de 1925 a 1928, iniciou-se uma queda de preços, que tem prosseguido até os últimos anos. Não admira que essa desvalorização tenha lançado muitos agricultores numa situação bem desagradável que se manifesta de maneiras diversas e se reflete na caderneta de venda do colono, onde o vendeiro faz os lançamentos. Nos bons anos, as compras, que vão sendo escrituradas, se animam muito, abrangendo artigos que lá são de certo modo objetos de luxo, como farinha de trigo, batata inglesa, sabonete etc., e o colono ainda fica com um saldo ativo da venda do café; nos anos menos propícios, reduzem-se as transações, e o colono torna-se, por fim, devedor, Apresentamos abaixo, discriminando item por item, os lançamentos da caderneta de venda, do começo de abril de 1929 aos fins de julho de 1930, e, a seguir, balanço final dessas contas, nos anos de 1929 a 1933.

Caderneta de venda de um colono alemão

Débito Réis Crédito Réis
1929
Abril 5. 50 arrobas de café a 24.000 1.200.000
16. 1 arroba de café 22.000
1 pacote de meadas de linha nº 16 7.000
1 pacote de pregos 4.000
5 litros de arroz 8.000
2 pares de meia 5.000
Agulhas 2.000
Cigarros 1.000
1 novelo de barbante de algodão 3.500
2 garrafas de verniz a 3.500 7.000
Agosto 17. Cola 80.000
Dinheiro 1.000.000
31. Dinheiro 200.000
30 arrobas de café a 24.000 720.000
42 metros de pano riscado 80.000
38 metros de pano riscado 79.800
42 metros de pano riscado 100.000
1 peça de algodãozinho 17.500
1 peça de morim para camisas 26.000
Agosto 31. 11 metros de cetim a 3.000 33.000
16 metros de tecido de algodão 32.000
15 metros de tecido (algodão) 33.000
10 metros de cetim a 4.500 45.000
2 gorros 12.000
1 caixa de linhas 14.000
6 pratos 13.000
1 facão 15.000
1 esquadro 11.000
3 chales a 19.000 57.000
Banha 3.000
3 dúzias de botões 2.800
6,70 metros de pano 9.900
3 pedaços de cânfora 2.400
Tinta 23.000
Setembro 9. 500 cigarros 17.000
1/10 de cachaça 72.000
6 (ilegível) 11.500
1 saco de trigo 42.000
1 saco de batatas inglesas 60.000
2 caixas de sabão 60.000
1/2 quilo de cebolas 3.500
4 quilos de açúcar 7.000
24. 1 pacote de fios 7.000
1 lima 2.000
26. 14 arrobas de café a 24.000 336.000
26. Feitio de calças 17.000
1 caixa 2.500
Novembro 18. 4 meadas de linha a 500 2.000
5 litros de arroz 7.500
200 gramas de canela em pau 2.500
1 lenço 3.000
4 lenços a 1.500 6.000
1 caixa de sabonete 20.000
6 garrafas de óleo 24.000
1 enxada 9.000
1 pacote de meadas de linha 6.500
1 pacote de agulhas 1.500
1 meada de linhas 800
6,350 quilos de folhas de zinco 28.600
1 saco de trigo 46.000
1 caixa de querosene 45.000
1 pacote de fósforos 1.000
25. 1 garrafa de terebentina 6.000
2 vassouras a 2.500 5.000
Dezembro 20. 1 lata de biscoitos 6.000
1 lata de bombons 20.000
1 quilo de biscoitos 5.000
1 quilo de arroz 1.500
1 pacote de polvilho 3.500
1 lata de canela 1.000
Pimenta 1.200
2 peneiras a 4.500 9.000
2 matracas a 3.800 7.600
6 pacotinhos de anil a 500 3.000
1 vaso de ungüento para animais 10.000
6 folhas de papel 1.500
1 folhinha 2.800
1 pacote de fósforos 1.000
1 quilo de açúcar 2.000
5 litros de sal 2.800
2 caixas de botões 4.000
2.528.700 2.278.000
Diferença 250.700
2.528.700
1930
Janeiro 1. Saldo a meu favor 250.700
27. 1 arroba de trigo 18.000
10 litros de arroz 15.000
1 pacote de meadas de linho 7.000
Fevereiro 17. 1 pacote de fósforos 1.000
5 litros de arroz 7.000
1 pacote de pregos 4.000
Arame 30.000
1 chave 9.000
Março 21. 1 pacote de pregos 4.000
Abril 5. 5 metros de cetim a 3.000 15.000
2 peças de renda a 2.000 4.000
1 caixa de botões 2.000
6 dúzias de colchetes 2.000
3 dúzias de botões 4.500
1 pacote de fósforos 1.000
1/2 quilo de sal gema 1.000
1 pote de brilhantina 3.000
1/2 arroba de trigo 9.000
13 arrobas de café a 13.500 175.500
Haver 200.000
1 rolo de arame 30.000
1 pacote de pregos 4.000
1 quilo de grampos 2.000
2 pacotes de tinta (azul) 6.000
1 quilo de óxido de zinco 3.000
1/2 quilo de cordas 4.000
1/2 saco de trigo 22.500
3 meadas de linha 4.800
Tinta 5.000
1 dúzia de garfos 5.000
1 dúzia de colheres 5.000
2 quilos de peixe seco 6.000
1 peça de fita 3.000
6 telhas 3.500
10 envelopes 1.000
5 folhas de papel 500
Abril 22. 14 metros de pano a 2.200 30.800
3 metros de pano 3.000
1 peça de renda 8.000
1 lata de sardinha 5.000
Maio 21. 1 martelo 12.000
1 pacote de linha 7.500
4 colheres de sopa 7.000
3 panelas a 3.700 11.100
2 pares de meia 6.500
4 metros de flanela 12.000
1/2 arroba de trigo 8.000
Peneiras 5.000
2 jarros 6.000
Sabão 4.000
1/2 dúzia de bálsamo 28.000
1 carretel de linha 900
1 pacote de pregos pequenos 25.000
1 tubo de pasta de dente 3.500
Roscas 2.500
Pastéis 500
Maio 31. 2 lápis 1.000
3. 1 vidro de linimento 5.500
17. 1 bacia grande 30.000
1/2 arroba de trigo 8.000
Arroz 1.000
1 arroba de trigo 16.000
1 vassoura 2.500
Canela em pó 500
743.800 375.500
Diferença 368.300
743.800
Saldo a meu favor 368.300
Anos Produto da
venda do café
Mercadorias
fornecidas
Fornecimento
de dinheiro
Deve Haver
1929-1930 1:992$000 1:305$000 900$000 398$000
1930-1931 1:069$000 893$000 191$000
1931-1932 1:328$000 585$000 500$000 52$000
1932-1933 804$000 1:246$000 300$000 741$000

Como se verifica nos livros, as operações comerciais são muito modestas. Põem em evidência os resultados do sistema de agricultura em sítios e a grande frugalidade dos agricultores alemães de lá, aos quais a terra fornece tudo o mais de que precisam para viver. Os quatro balanços anuais demonstram que nos anos menos favoráveis, apesar da diminuição das compras, surgem as dívidas, que aumentam com a escassez crescente dos artigos de importação indispensáveis, e com os créditos inevitavelmente maiores do vendeiro (ano de 1932 a 1933). No extrato de contas, abaixo, verificamos que o colono procura compensar os ganhos insuficientes com a colheita de café, vendendo milho e toucinho. Mas não é provável que encontre colocação para maiores quantidades desses dois produtos, que contam apenas com o mercado interno.

Venda

Réis
1930 Agosto 2 arrobas de café a 15$000 30$000
1930 Agosto 30 arrobas de café a 12$000 360$000
1931 Janeiro 1 arroba de café a 14$500 14$500
1931 Janeiro 50 arrobas de café a 8$000 400$000
1931 Janeiro 5 sacos de milho a 12$000 60$000
1931 Fevereiro 5 1/2 arrobas de café a 9$000 47$500
1931 Março 4 arrobas de café a 9$000 36$000
1931 Junho 6 arrobas de toucinho 120$700
1.068$700

A situação econômica dos colonos, durante nossa estada no Espírito Santo, não era muito propícia. Ouvi muitas vezes, dizer-se que já tinham experimentado tempos melhores, e queixavam-se, principalmente, dos elevados tributos, que não estavam em nenhuma proporção com os pequenos rendimentos atuais. Observações e reflexões diversas levam a entrever uma possível piora da situação no futuro. A costumeira cultura exaustiva está começando a dar prejuízos, roubando, progressivamente, a fecundidade do melhor terreno, embora, de início, se justificasse em face da abundância dos recursos naturais. Na zona da primitiva colonização no planalto, a prática desse sistema levou ao esgotamento de grandes extensões de terras. Embora a velha zona de povoamento não esteja ainda, completamente exaurida, não existem mais grandes extensões de terra virgem, adequadas às plantações de café, o que motiva, em virtude do rápido crescimento demográfico, forte migração para a região baixa do rio Doce, de extraordinária fertilidade, mas infestada de impaludismo e, portanto, desvantajosa do ponto de vista da saúde. Lá é muito mais provável uma mistura com outras etnias, do que na velha zona de povoamento, pois negros habitam partes daquela região.

Para impedir a continuação desse estado de coisas seria necessário pôr em prática uma exploração racional das áreas já cultivadas, revivescendo o solo devastado, e diminuir o cultivo do café, em favor da lavoura de outros produtos agrícolas exportáveis. A superprodução crescente da rubiácea, probabilizando a continuação da queda do preço do café, torna mais imperiosa uma transformação dessa natureza. Já vimos que é possível, com um sistema de exploração racional, converter esse solo exausto em terreno fecundo, onde se desenvolveriam todas as espécies de plantas tropicais (algodão, sisal, fumo, cacau, amendoim, laranjas, uvas, mamona, etc.). Mas, os colonos têm bons motivos para não optarem por essas inovações. As péssimas condições de transporte dificultam a exportação, pois a maioria desses produtos perderia sua capacidade de competição, com a longa distância e o custoso frete para o porto; outros, mais sensíveis, como as frutas, não podem suportar as demoras do percurso para o mercado. O beneficiamento de alguns produtos exige motores e máquinas, não dispondo o agricultor, isoladamente, de recursos próprios para adquiri-los. Ademais, foram pouco estimuladoras as tentativas realizadas por alguns colonos, na região baixa, com arroz e algodão. O arroz medrou magnificamente, mas quando estava quase maduro, foi totalmente carregado pelos pássaros; as plantações de algodão foram, na maior parte, devoradas pela saúva.

Parece que os velhos métodos continuarão em vigor, no Espírito Santo, pois até agora nada se ouviu a respeito de qualquer plano do governo de dotar a região de estradas de ferro ou de rodovias, a fim de encurtar a distância do porto. Mas, a permanência rígida nos métodos vigentes deve dar o que pensar ao colono, pois a monocultura do café lançou muitos numa situação bem desagradável. Colocaram-se em maiores dificuldades, os colonos que, no período de alta do café, quando o preço da terra também subiu, compraram, a prazo, mais terra, contando com maiores lucros e com a probabilidade de resgatar as dívidas em pouco tempo. Mas, sucedeu o contrário: o preço do café foi caindo continuamente, os tributos permaneceram os mesmos, e, assim, muitos agricultores foram constrangidos a fazer o máximo de poupança, a fim de pagar as dívidas dos bons tempos. Alguns nem podem pensar em pagar as prestações uma vez que o resultado da colheita não chega para a situação do mais necessário.

Com a manutenção do atual sistema de cultura, tudo indica que tempos sombrios aguardam os colonos, pois, com a superprodução progressiva e a de valorização do café, reduzir-se-ão de tal modo os recebimentos que os sítios ficarão impossibilitados de produzir qualquer renda. O perigo revela-se mais quando se verifica, como já vimos atrás, que o café de lá não está entre os de melhor qualidade, tendo pouco valor no mercado mundial, e a renda do produtor ainda é fortemente reduzida pelos fretes atuais elevados e pelo intermediário (o vendeiro). Não está excluída a hipótese de o governo fazer cessar um dia, a cultura exaustiva atual, destruidora implacável dos mais valiosos trechos da floresta, e de proibir o aumento das áreas de plantação de café par exportação, como já se planejou e, em parte, já se pôs em execução, noutros estados brasileiros.

Uma praga que preocupa extraordinariamente os colonos de muitos estado brasileiros e que no Espírito Santo parece desempenhar papel secundário, é dos animais daninhos que ocasionam prejuízos à agricultura, atacando a cultura de café, de algodão, de laranjas e uvas. Somas imensas foram gastas pelo estado pelos agricultores para combater esses hóspedes indesejáveis. Futuramente, será necessário, no Espírito Santo, tratar esse problema a sério, pois o mais temível animal daninho da América do Sul, a saúva, já penetrou lá. A saúva é um terrível perseguidor da agricultura. Evita a floresta, e gosta de penetrar na área recentemente cultivada; aí, os espécimes desse animalzinho constroem colônias, multiplicam-se infinitamente, em suas fortificações, que despertam pouca atenção, e atacam aquelas plantas (na maioria, culturas valiosas) que não são nativas no país. Suas construções subterrâneas assemelham-se às fortalezas, povoadas por milhões de habitantes, penetrando, às vezes, dez e mais metros de profundidade na terra, com arranjos muito inteligentes (caldeirões, tubos, galerias, disposições que protegem contra a água, saídas subterrâneas). A saúva realiza rapinagens noturnas, e, em muitas delas, transforma plantações inteiras em esqueletos vegetais. Tivemos a rara oportunidade de observar esses animais, tão interessantes sob muitos aspectos, trabalhando à noite (não vivem das folhas picotadas, mas, de fungos que nelas se desenvolvem, mediante um processo especial). Era um verdadeiro comboio que levava pedacinhos de folhas para as câmaras de cultura de fungos, existentes na fortaleza. Muito apertado, diante da entrada de um canal subterrâneo, sustendo os pedaços de folha que se alteavam em forma de velas, cada um desses carregadores lutava para entrar, com a maior rapidez possível. À luz da nossa lâmpada de bolso, o quadro animava-se como se fosse a miniatura de uma regata de vela, prestes a alcançar a meta.

Este animal daninho parece ter penetrado, há pouco tempo, na área de cultura agrícola do Espírito Santo. Com a propagação e a reprodução crescente da saúva, grave perigo ameaçará, no futuro, a vida econômica do colono, principalmente porque são muito caros os métodos de combate eficientes (tratamento dos formigueiros com certos gases venenosos). Mas, os valores que a saúva pode destruir são incalculáveis. Só o estado de São Paulo experimentou, por causa da saúva, um prejuízo anual avaliado em quarenta milhões de marcos. Nada exprime melhor a preocupação dos brasileiros pelo insolúvel problema da saúva do que o dito freqüente: “ou o Brasil acaba com a saúva, ou a saúva acaba com o Brasil”.

[GIEMSA, Gustav, NAUCK, Ernst G. Uma viagem de estudos ao Espírito Santo: pesquisa demo-biológica, realizada, com o fim de contribuir para o estudo do problema da aclimação, numa população de origem alemã, estabelecida no Brasil Oriental. Trabalho publicado pela Universidade de Hanseática, Anais Geográficos (continuação dos Anais do Instituto Colonial de Hamburgo, vol. 48), série D, Medicina e Veterinária, vol. IV, Hamburgo, Friederichsen, De Gruyter & Co., 1939, traduzido para o português por Reginaldo Sant’Ana e publicado no Boletim Geográfico do Conselho Nacional de Geografia, n. 88, 89 e 90, 1950].

Gustav Giemsa nasceu na Alemanha a 20 de novembro de 1867 e faleceu a 10 de junho de 1948. Foi químico e bacteriologista e alcançou notoriedade pela criação uma solução de corante conhecida como “Giemsa”, empregada para o diagnóstico histopatológico da malária e outros parasitas, tais como Plasmodium, Trypanosoma e Chlamydia. Estudou Farmácia e mineralogia na Universidade de Leipzig, e Química e Bacteriologia na Universidade de Berlim. Entre 1895 e 1898 Giemsa atuou como farmacêutico na África Oriental Alemã. Em 1900 tornou-se chefe do Departamento de Química Institut für Tropenmedizin em Hamburgo.
Ernst G. Nauck nasceu em São Petersburgo, Alemanha, em 1867, e faleceu em Benidorm, Espanha, em 1967. Especialista em doenças tropicais. 

Deixe um Comentário