Também esta Capitania do Espírito Santo sentiu o poder das armas holandesas, ainda que com melhor fortuna. Saíram da Bahia oito naus inimigas para o Reino de Angola, com intento de entrarem a cidade de Luanda, como tão importante para o comércio do Brasil, cuja cabeça estava já rendida; mas não respondeu o sucesso ao desenho; porque ainda que um mês inteiro trabalharam na empresa, como o ânimo dos moradores portugueses era grande, e a vigilância igual, nunca lhes foi possível porem pé em terra.
Voltando pois para a Bahia, antes de chegarem a ela 100 léguas para o sul entraram no porto do Espírito Santo a 12 de maio de 1625, assaz confiados que por bom concerto ou ruim guerra a vila se lhes entregaria, ou eles a renderiam, como bem mostravam na entrada, publicando por uma parte a altas vozes “Paz”, e por outra, com o disparar das bombardas, ameaçando guerra.
Não havia na povoação defensa de artilharia, pelo que com mosquetes e flechas se dividiu a gente pelas trincheiras que fechavam as bocas das ruas, nos passos mais necessários, esperando a determinação dos inimigos, e foi esta que por entre o fumo e perturbação dos tiros aparelharam sete lanchas com o melhor dos soldados, e ainda marinheiros, os quais saindo das naus e saltando livremente em terra, ,começaram a marchar para a estância do capitão Francisco de Aguiar Coutinho, que também o era da vila e senhor dela, ou seu donatário.
Estava aqui uma roqueira (que isso havia outra na terra), e tanto que foi vista dos inimigos, para evitarem o perigo desfizeram as fileiras, e arrimando-se todos às paredes continuaram a entrada: vendo isto o animoso capitão, manda pôr fogo à roqueira, o que não foi debalde, e logo sucessivamente salta fora das trincheiras com alguns poucos que o seguiram: conjeturaram os holandeses que tanto ânimo vinha confiado em maior poder de gente, e sem fazerem rosto deram as costas e largaram as armas: os nossos lhes foram dando até à praia com tal valor e ventura, que além do grande número dos feridos morreram muitos, uns em terra à espada, outros no mar afogados.
Ficaram eles com a desgraça muito sentidos, e bem o mostraram os tristes e desconcertados gritos que nas duas naus levantaram, e na nossa vila se ouviram: quiseram no dia seguinte recuperar o perdido nas fazendas que estão pelo rio arriba, mas dobraram a perda, porque o capitão Salvador Corrêa de Sá, filho de Martim de Sá, governador do Rio de Janeiro. (Vinha este fidalgo dar socorro por ordem de seu pai ao cerco da Bahia com duas caravelas e quatro canoas), não se tendo achado o dia antes no assalto por guardar sua estância, os foi esperar, e tendo eles já tomado uma barcaça, os acometeu com as canoas, e apertou de maneira as frechadas, que, sendo mortos quarenta, largando uma lancha, à força de remo escaparam.
Com estes ruins sucessos desesperados já de sua fortuna, o general inimigo mandou ao outro dia, que era o terceiro da entrada, um recado ao capitão em que lhe pedia um sobrinho seu, que parece ficara preso entro nós, oferecendo resgate a que os padres da Companhia lhe mandassem algum refresco pelo bom agasalho, que ele fizera aos outros padres que na Bahia foram tomados.
Ao que respondeu o Capitão, que quanto ao primeiro, seu sobrinho devia de morrer na briga, porque o não tinha preso; ao segundo, que não havia na terra outro refresco senão o que nos dois , dias precedentes eles tinham experimentado, e, com ele estava aparelhado para os receber a qualquer hora que viessem. Ouvida a resposta, levaram ferro no mesmo dia e se fizeram na volta do Norte.
Em um e outro encontro se acharam os nossos padres: no primeiro os que residiam na vila, no segundo dois que em companhia do capitão Salvador Corrêa vieram do Rio de Janeiro; e assim um como outros não faltaram nem à guerra, nem aos soldados antes dela: também os que residiam nas aldeias, no porto em que souberam o que passava, se partiram com os índios a toda a pressa, posto que quando chegou este socorro (como a jornada é comprida) não foi necessário. Em uma destas aldeias foi Deus servido levar para si o irmão Antônio Fróis, com uma morte mui repentina, porque, andando achacoso, um dia o acharam morto.
Sentiu-se geralmente esta morte por ser assim apressada, mas muito mais sentida fora, se o irmão não andara bem aparelhado como andava: além do que em toda a sua vida foi mui edificativo e resignado na obediência, e já pode ser que por obedecer lhe viesse esta morte, causada das chuvas, passagens de rios, e outros muitos trabalhos, que naquela residência, aonde pelos superiores fora posto, padecia continuamente. Faleceu no ano de 1625, de idade de 28 anos, com oito de Companhia.
[VIEIRA, Pe. Antônio. Ânua da missão da Capitania do Espírito Santo do ano de 1621 e 1625, mandada a Roma. In Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, 5:362-364, 1843, 3ª ed.]
Padre Antônio Vieira nasceu em Lisboa a 06/01/1608 e morreu em Salvador, BA, a 18/07/1697. Uma das figuras mais importantes e influentes do século XVII, foi missionário da Companhia de Jesus no Brasil, destacando-se como escritor, filósofo, orador, político e missionário, tendo sido consagrado principalmente por seus sermões. Combateu a escravização dos povos indígenas e trabalhou em sua evangelização. Defendeu os judeus e a abolição da escravatura, fazendo sérias críticas aos sacerdotes de sua época.