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VII. Medicina e salubridade

Faltam informações de médicos sobre as condições de salubridade a higiene, embora todos os exploradores se tenham manifestado sobre a influência do clima, as doenças e a situação higiênica, nas regiões povoadas pelos teutos. No tocante ao clima, Wagemann chega à conclusão de que poucas regiões da terra são tão favoráveis à saúde como as florestas serranas do Espírito Santo, e de que o clima benéfico se evidencia na aparência dos habitantes. Esse ponto de vista vige, até hoje, e levou à opinião de que o Espírito Santo está virtualmente livre de quaisquer doenças tropicais.

Apesar das condições climáticas favoráveis da região alta e da adaptação, até certo ponto bem sucedida, ao clima da região baixa, ataca a população, uma série de doenças, constituindo sérios perigo à saúde. Trata-se de determinadas doenças infecciosas que favorecidas pela falta de higiene, podem se espalhar. A inexistência de grandes concentrações humanas e a moradia em sítios isolados atuam contra a contaminação de diversas doenças infecciosas, especialmente as agudas.

As ideias de higiene eram desconhecidas dos antigos imigrantes, e, hoje, ainda são muito primitivas. Exorcismos e abusões sobre doenças estão na ordem do dia. Antigamente, não havia médicos; hoje, há, no Espírito Santo, certo número de médicos brasileiros e os mencionados médicos alemães, doutor Schröder, de Vitória e doutor Saettele, de Santa Teresa. Mas, influem, no caso, transportes distantes e difíceis, impossibilitando, frequentes vezes, o médico, de visitar um doente, pois, segundo as circunstâncias, teria de viajar um dia inteiro. A remuneração do médico é relativamente elevada, e elevadas também as despesas com o exercício da medicina: a conseqüência é que, só em casos muito graves, se resolve ir ao médico, ou só se consulta o médico, quando já é tarde demais. Visitar o médico em seu consultório, depende de grande sacrifício de tempo e de dinheiro, pois seria necessário uma difícil viagem à cidade, a cavalo, ou de ônibus. Se se trata de um doente grave, transporte é, frequentes vezes, totalmente impossível, ou só se realiza sob maiores dificuldades. Ouvimos o caso de uma mulher enferma que foi carregada durante muitas horas numa cama de ferro, a fim de visitar o médico. Em caso de doença, muitos procuram socorrer-se de seus próprios recursos. Entre os colonos ou entre os brasileiros há diversas pessoas que sabem curar, com todas as espécies de remédios e rezas, existindo, ainda, os curandeiros ambulantes, que jeitosamente vão arrancando o dinheiro do bolso do próximo. Quem receia ou não deseja ir ao médico, ou não pode gastar o dinheiro, volta-se para o pastor ou para o professor, que prescreve um remédio da farmácia caseira, aconselha, é capaz de rasgar um abcesso, e, em casos difíceis, recomenda que se procure um médico. Os vendeiros também praticam, às vezes, medicina, encontrando-se preparados, principalmente da indústria farmacêutica alemã, nas mais afastadas zonas. Ao seu lado, abundam, na farmácia dos pastores, remédios homeopáticos, aplicados com frequência.

Não é fácil a tarefa dos médicos, sobretudo dos médicos alemães, que além de competirem com os colegas brasileiros, enfrentam a concorrência dos curandeiros, estando em luta permanente contra a indiferença, a ignorância e todas as formas de resistência. Cabe ao doutor Saettele o mérito de ter construído um pequeno hospital ou sanatório, muito útil, onde realiza operações e pode internar seus doentes. Contudo, esse internamento só está ao alcance dos colonos que dispõem do dinheiro necessário.

Soube ter havido, entre os colonos, várias tentativas de organizar um fundo de auxílio social. Numa comunidade, procurou-se constituir uma caixa, para pagar um médico alemão que se encontrava no Espírito Santo. O empreendimento falhou por causa do médico (que, entrementes, deixou o Espírito Santo) e por causa das elevadas contribuições, que eram necessárias.

Recentemente, por inspiração do doutor Saettele, planejou-se formar uma caixa da comunidade, com o fim de proporcionar assistência médica e de cuidar da saúde dos colonos. A concretização encontra, entretanto, dificuldades de organização e financeiras. Antigamente, existia uma caixa para os chamados “doutores das cobras”: segundo dizem, curavam mordidas de serpentes, sendo remunerados por uma caixa comum, ficando o paciente desobrigado de qualquer pagamento pela mezinha. Hoje, em todas as comunidades, está organizado, de maneira semelhante, o fornecimento de soro antiofídico, com as seringas necessárias, o mesmo sucedendo com o soro antidiftérico. Os associados, que pagam uma contribuição relativamente pequena (15 mil réis por ano) recebem tratamento gratuito, em caso de necessidade. Quem não é associado, recebe o soro, mediante pagamento.

Há parteiras entre as mulheres dos colonos, mas as ideias, reinantes, até hoje, sobre parto e resguardo são medievais. Poderíamos citar diversos casos entre os que nos foram relatados pelos pastores e médicos: admira que a febre puerperal não conste no registo de óbitos, com muito mais frequência, como causa mortis. Casos têm havido, como os seguintes: as mulheres, por ocasião do parto, ficam em pé ou de cócoras, ou por receio supersticioso, todas as janelas e portas são hermeticamente fechadas, ficando as parturientes, vários dias, após o nascimento da criança, sem asseio corporal, ou se estimulam as contrações do parto, mantendo-se as pacientes sobre fogo produzido por achas. Pelo que soubemos, parece haver dificuldades à vinda de parteiras, formadas na Alemanha, embora se pudessem hospedar nas paróquias e fossem de grande utilidade, como assistentes sociais. Em Vitória, o doutor Schröder procura formar parteiras, de filhas de colonos.

Certo número de dentistas, alguns deles saídos das fileiras dos colonos, proporcionam seus cuidados profissionais à população, e, com o instrumental mais necessário, faz obturações e dentaduras, sendo de surpreender a abundância de dentes de ouro e de obturações. Não pudemos investigar o interessante problema da situação dentária em geral, mas ficamos com a impressão que era, com bastante frequência, bem ruim em pessoas de meia idade ou mais velhas.

Doenças — Não têm sido raras as epidemias de doenças infecciosas, sobretudo no início da colonização, e, a julgar por antigos relatórios, sacrificaram a vida de numerosos colonos. Entre essas doenças figuram febre amarela, tifo, malária, disenteria e varíola.

A febre amarela foi, outrora, uma epidemia frequente, em quase todas as cidades portuárias do Brasil, entre as quais Vitória, sendo verificada em Porto do Cachoeiro, mas nunca atingiu consideravelmente a região alta, e, nestes últimos tempos, tem havido, apenas, casos esporádicos. Pesquisas recentes demonstraram que pode ser endêmica em muitas regiões consideradas indenes à febre amarela, sob uma forma especial, denominada febre amarela da jungle, ou febre amarela rural, embora os casos escapem ao quadro típico da doença. Em 1931, verificou-se febre amarela, principalmente no chamado Vale de Canaã, região situada entre Santa Teresa e o rio Doce (200 a 700 metros acima do nível do mar), povoada, de início, por colonos teutos, e descrita em conhecido romance brasileiro de Graça Aranha. Nos anos de 1919 a 1931, não houve notícia de nenhum caso de febre amarela, no Espírito Santo. Fato digno de nota: a transmissão não se deu através do mosquito da febre amarela, Aedes Aegipti, uma vez que não foram encontrados espécimes dele, apesar de minuciosa procura, o mesmo se verificando noutras zonas endêmicas de febre amarela. A falta de mosquitos nas moradias levou à suposição de que haveria outros insetos transmissores. Em diversos casos de curso fatal, a suspeita de febre amarela pôde ser comprovada no fígado, na conformidade da modificações do tecido, reconhecidas, pela primeira vez, como especificas, por Rocha Lima, e observadas através da viscerotomia (afastamento de um fragmento do fígado do cadáver e exame microscópico). Conseguiu-se transmitir o vírus da febre amarela a cobaias (Macacus Rhesus). No Vale de Canaã, as provas de soro, de grande número de pessoas deram, com o emprego da imunização contra camundongos (prova de anticorpos específicos), certa porcentagem (12%) de resultados positivos. A propagação peculiar, o número relativamente pequeno de casos e de pessoas imunes após a infecção, a inexistência dessa febre na infância, estão a indicar que a doença é adquirida nas matas mais afastadas, e não em casa. Embora seja possível o aparecimento eventual de casos de febre amarela, não há, no momento, o perigo de uma propagação epidêmica, no Espírito Santo, especialmente na área de povoamento teuto. Nada podemos averiguar com relação ao aparecimento de casos suspeitos entre os colonos alemães, parecendo que o mal é desconhecido pela atual geração de colonos.

Os casos de malária são, em geral, raros. Apenas certas zonas baixas, na área do rio Doce e de seus afluentes setentrionais (rio Pancas), estão infestada de malária. Essas zonas são pouco povoadas, e fomos informados de que colonos que procuram estabelecer-se aí, abandonam, pouco depois, a região, em virtude do perigo da febre. Considera-se perigoso uma estada curta ou mesmo um pernoite. Soubemos que grande número de trabalhadores adquiriu impaludismo, sucumbindo à doença, na construção da estrada, que, partindo do rio Doce, segue em direção ao norte, através das matas, cruza o rio Pancas, e acompanha o seu curso. Faltam investigações minuciosas sobre a matéria. Além dessa região principal de propagação, à margem do rio Doce, a malária parece manifestar-se, esporadicamente, em diversos lugares, não existindo a menor dúvida de que são raros os casos nas zonas, onde se situa a parte mais importante das colônias de alemães. O exame de 316 alunos (doutor Saettele) de 4 diferentes comunidades da região alta e da baixa, não revelou nenhum caso de malária. Em 10 meninos verificou-se aumento ligeiro do baço, mas em nenhum deles se encontrou indício de malária, nem mesmo na anamnésia. Todos os resultados de nossas investigações foram também negativos, com exceção de um caso que examinamos em Santa Teresa, não se tratando, entretanto, de colono de descendência teuta. No Espírito Santo, não se faz uso de mosquiteiros. Não os encontramos na casa de nenhum colono, nem na moradia de nenhum pastor. Era de estranhar o pequeno número de mosquitos, nas casas, na época em que fizemos nossa viagem, embora não faltassem águas próprias para incubação desses insetos. (Em compensação, a praga de moscas, em muitas casas da região baixa era quase insuportável). É possível que o desbravamento e a exploração da terra tenham contribuído para o recuo da malária, nas zonas mais elevadas. Além da pequena quantidade de mosquitos, a forma de povoamento, em colônias distantes umas das outras, talvez, contribua para impedir uma propagação mais forte da malária. De qualquer modo, legitima-se a suposição de que a malária não tem desempenhado, nem desempenha nenhum papel importante, para a população de origem teuta, excetuada a parte que habita as zonas do outro lado do rio Doce. Este ponto é de importância decisiva para a colonização e propagação dos descendentes de alemães no Espírito Santo.

Tendo-se verificado, recentemente, casos de leishmaniose visceral ou kalaazar, no Brasil, não parece fora do domínio das possibilidades, a ocorrência dessa moléstia também no Espírito Santo. Até agora, parece que só se comprovou seu aparecimento em zonas situadas no norte do estado. Não vimos casos suspeitos, tão pouco casos de leishmaniose mucoso-cutânea ou blastomicose. Entretanto, disseram-nos ser o câncer do nariz e dos lábios não muito raro entre os colonos teutos, existindo a suposição de que nem sempre se trataria de carcinoma, mas de infecções de leishmania, ocorrentes no Brasil e no Sul (por exemplo, em São Paulo), sob a forma de necroses extensas de aspecto canceroso. Não se verificou, em nenhum dos exames de sangue, a doença de Chagas.

A disenteria amebiana é, provavelmente, mais rara do que em outras regiões tropicais. Explica-se o fato com a inexistência prática do consumo de verduras cruas, e no e caso de este se realizar, não existe a adubação com excrementos humanos O abastecimento de água em parte, muito ruim, piorando nas regiões mais baixas, representa uma fonte de perigos.

Em contraste com a raridade da disenteria amebiana está a frequência da verminose, especialmente a ancilostomose, cujo aparecimento no Espírito Santo já data de longo tempo. Tschudi,[ 1 ] na narrativa de sua viagem de 1860 pelo Espírito Santo, fala da frequência da chamada opilação, cuja origem se atribuía, naquela época, à alimentação defeituosa, especialmente ao consumo exclusivo de farinha de mandioca. Escreve:

O estado de saúde dos colonos era, então, apesar do clima sadio, desfavorável. A causa residia numa alimentação pobre. Muitos colonos contavam apenas com o consumo de farinha de mandioca, transformada em pirão, na água quente, ou em bolos assados. O consumo de quantidade desproporcionalmente grande deste alimento, cujo conteúdo era o amido, e a limitação, ao mínimo, da absorção de proteínas e gorduras produzem uma doença bastante rara na Europa mas muito frequente no Brasil: a hidremia (opilação). Decorre da falta de tecido fibroso no sangue. O sangue que corria de um corte ou de uma sangria quase que continha apenas soro hemático e uma quantidade de fibrina surpreendentemente reduzida. Fraqueza, amolecimento, palpitações cardíacas, opressão do peito, edema, clorose, hidropisia, chagas, grande preguiça das funções do intestino, forte entumescimento do fígado, são quase sempre uma conseqüência dessa doença, a que sucumbem inúmeras vítimas. Os melhores meios de evitá-la, são alimentação suficiente, racional e uma alegre disposição de espírito, que dificilmente encontraria lugar nas circunstâncias que predominavam em Santa Leopoldina.

A forte propagação de vermes parasitas comprova-se, com a maior clareza, nos exames de fezes que realizamos nos alunos. Pode-se afirmar que, praticamente, 100% dos alunos estão infestados de vermes, entre os quais o ancilóstomo ocupa o primeiro lugar, tanto na região alta como na baixa (90,9 na região baixa 88,7 na região alta). Na região baixa, existe, também, forte infecção de tricocéfalo e de oxiúros; na região alta, de áscaris.

A abundância da verminose, especialmente a quase universal infecção de ancilóstomos, revela-se, nitidamente, nos quadros hepáticos, que apresentam na maioria dos casos, grande quantidade de elementos eosinófilos. A determinação de hemoglobinas (segundo Tallquist) revelava número surpreendentemente alto (raramente abaixo de 70%, na maioria dos casos 70 a 80%), com resultados ainda um pouco mais elevados, na região alta, apesar de a frequência da infecção ser aproximadamente igual. Na maioria absoluta dos alunos, faltavam sintomas clínicos acentuados, de modo que é de supor que os prejuízos causados pelas infecções — trata-se na maioria dos casos ou exclusivamente, do Necator americanus — à juventude escolar não são em média, muito grandes. Por outro lado, havia, justamente nas comunidades da região baixa, grande número de garotos gravemente enfermos, de adolescentes e de adultos, nos quais se percebia, à primeira vista, a ancilostomose; observamos, também, casos isolados com a mais grave anemia (hemoglobina abaixo de 30%), afecções cardíacas e curso mortal. Revela-se, claramente, a relação existente entre a gravidade da doença e a situação econômica da família, e em concordância completa com a observação de Tschudi — a relação com a alimentação, conforme se verifica nas famílias dos meeiros, que não possuem terra própria, nem mesmo gado de leite, e alimentam-se miseravelmente de pão de milho e feijão preto (o mesmo observamos em diversas famílias de alcoólatras). Onde as condições econômicas eram boas, não se notavam sintomas graves, apesar de a possibilidade e de a força da infecção serem substancialmente iguais pois não existem latrinas nem mesmo na moradia dos colonos melhor situados, andando os garotos, como os adultos, de pés descalços. É digno de nota terem resultado negativos os exames de fezes que realizamos em filhos dos pastores (alguns tinham feito, pouco antes, tratamento de vermes). Os colonos, hoje não desconhecem a causa da opilação, e faz-se com frequência, tratamento de vermes, com diversos preparados e remédios patenteados, inclusive os da Bayer, restringindo-se assim, a doença, que não é eliminada em virtude da permanente possibilidade de infecção. Os párocos ou professores também fazem ou fiscalizam o tratamento de vermes, dos alunos.

Além das moradias dos párocos, dispõem de latrinas, apenas, as escolas da comunidade, sendo utilizadas pelos alunos. Já se iniciou, na escola, o ensino das ideias fundamentais, mais primitivas de higiene, e, com o tempo, aparecerão os seus frutos.

A doença de Bilharz não foi, até agora, verificada com segurança, nas regiões ou povoamentos teutos do Espírito Santo. Soubemos que se observou essa infecção num pastor depois de sua volta da Alemanha, estando, na ocasião, na mesma região em que exercera, antes, as suas atividades. Também Vitória, segundo relatos brasileiros, descobriram-se casos, possivelmente oriundos de zonas situadas ao norte.

Em exames de fezes, realizados em Laranja da Terra, encontramos ovos de Schistosoma mansoni, em quatro garotos, e pudemos observar, em dois deles, sintomas clínicos, sob a forma de diarreias de sangue. Verificou-se ainda que os garotos eram originários de colônias situadas próximas umas das outras, num vale de rio (rio Laranjinho). As investigações que se fizeram imediatamente, levaram à descoberta dos prováveis hospedeiros — 3 espécies diferentes de gastrópodos — nos quais se encontraram, ainda, cercárias.[ 2 ] A infecção ocorreu no banho e ao vadear o rio ou no pasto vizinho, em parte alagado, ou ao beber-se a água infeccionada. Verificou-se a presença de gastrópodos em rios próximos, de modo que é admissível não constituir nenhuma raridade a infecção de schistosomum pelo menos em certas zonas do Espírito Santo. Após o banho em alguns rios, experimenta-se, às vezes forte coceira na pele, que talvez decorra da presença de cercárias, que poderão ser ou não cercárias de schistosomum.

Na comunidade da região alta que visitamos (Santa Maria) não se encontraram nos exames de fezes, ovos de schistosomum, e não conseguimos achar nos rios os gastrópodos hospedeiros.

O tifo aparece em forma de epidemia mais ou menos limitada, provavelmente transmitida, em geral, pela água, tendo, em diversos anos, ceifado vida de um número apreciável de colonos. As epidemias de tifo parecem ter-se tornado mais raras no curso dos últimos dez anos.

Entre as doenças infecciosas infantis ocorrem escarlatina, sarampo e roséola, cujo curso, porém, na maioria dos casos, não é grave, como em quase todos os países tropicais. Segundo a narrativa dos pastores e de acordo com o quadro da doença por eles descrito — curso benigno em 3 dias, com exantema, — a roséola, aparece, às vezes, sob a forma de epidemia, entre os alunos. Mais grave, embora não seja frequente, é a difteria, muitas vezes sob forma de epidemia caseira, com um ou mais casos mortais. A varíola (ou alastrim) aparece, ocasionalmente, e antes, comissões brasileiras ou pastores vacinavam as pessoas quando ameaçava o perigo. Atualmente, os filhos dos colonos, na sua totalidade, não estão vacinados.

Há lepra, no Espírito Santo, não se manifestando, entretanto, nas família dos colonos teutos. Soubemos apenas do caso de um colono teuto-suíço, estranhavelmente, em situação abastada, e que desde longo tempo, vinha recebendo cuidados médicos (doutor Saettele).

A tuberculose parece estar pouco difundida, e não existem, entre os colonos, doenças venéreas.

Merece atenção especial a existência ou a manifestação de doenças hereditárias, em certas famílias portadoras de taras. Não pudemos confirmar a afirmação, frequentemente ouvida de que há entre os alemães muitas famílias degeneradas. Tacha-se de degeneradas algumas famílias economicamente decaídas ou dadas à embriaguez, nas quais as doenças, principalmente a verminose atuam de maneira muito mais grave. Os meninos pálidos, esquálidos, espiritual e fisicamente retardados e, em regra, abandonados, parecem facilmente, os olhos do leigo, como totalmente degenerados. Só numa única família encontramos mixedema e cretinismo, cuja evolução hereditária ainda não está inteiramente esclarecida, sendo as vitimas três garotos, enquanto cinco outros, tiveram desenvolvimento sadio, inteiramente normal. A história da família nada proporcionou de especial, tão pouco qualquer indício quanto à existência de disposições hereditárias. Noutra família, havia certa frequência de perturbação psíquica, de forma que alguns membros da família, tinham de ser levados, de vez em quando, para um hospício. É difícil observar sinais de hereditariedade no vício, não raro, da embriaguez, encontrável, também, em mulheres (cada comunidade tem alguns notórios beberrões).

São raros os casamentos entre parentes. O perigo de relações consanguíneas é de recear, apesar da perda da linhagem genealógica, porque as famílias, em virtude da forma de colonização se separam com frequência, nas gerações seguintes, e o grau de parentesco aumenta, lentamente, na população, que já conta, agora, 30 000 almas.

As doenças da pele, que aparecem nas formas mais variadas, desempenham papel importante, sobretudo as chamadas “feridas do clima” nas pernas. São, geralmente chagas não específicas, difíceis de curar, a que se associam picadas de insetos.

Há casos com o aspecto do chamado uleus tropicum e outros com o aspecto de infecções de leishmania. É grande a praga de carrapatos, dermatófilos e moscões, principalmente em crianças, sendo a frequência maior na região baixa. (Na região alta, são muito frequentes no gado e noutros animais, como cães, por exemplo).

As cobras venenosas, bastante espalhadas no Espírito Santo, constituem perigo apreciável para a população, e o assentamento da causa-mortis, no registo de óbitos demonstra que as mordidas dos ofídios eliminam, todo ano, certo número de vidas, apesar de haver, hoje, um tratamento muito mais eficaz, com o soro. Os colonos estão expostos ao perigo, especialmente quando trabalham no mato e nas plantações. Matam toda cobra que encontram, e fazem fogo para queimá-la imediatamente. Nos esqueletos abandonados das serpentes, continuam as presas com o veneno que provavelmente, perdura por muito tempo; podem ferir as pessoas, nos pés, ocasionando inflamações graves e úlceras difíceis de curar. O exame do registo de óbitos nos livros de igreja revelou, numa comunidade da região alta (Laranja da Terra, 1915 a 1935) a existência de 4 mortes, por picada de cobra, em 289 óbitos (desses, apenas 183 de pessoas com mais de 1 ano). Numa comunidade da região alta (Santa Maria), no mesmo período, 9 casos em 331 óbitos (desses, 264 de indivíduos com mais de 1 ano).

Uma classificação das causas de morte extraídas dos registos de óbitos dos livros de igreja tem apenas valor limitado pois essas causas, com frequência, não são reconhecidas com segurança, e só raramente são verificadas por médicos. Desistimos, por isso, de reproduzir, pormenorizadamente, os extratos que realizamos. Fraqueza senil, sofrimentos gastro-intestinais, febre puerperal, doença do coração e hidropisia ou cardioplexia são causa-mortis de relativa frequência. Entre as doenças infecciosas, tifo e, em garotos difteria. Gastro-enterite e convulsões figuram, frequentemente, nos assentamentos, em relação a recém-nascidos e crianças. Mais raramente, anota-se opilação, malária, tétano, câncer, encefalite ou paralisia infantil, papeira. Só uma vez, registou-se como causa-mortis icterícia (febre amarela?). É rara a menção de afecções pulmonares ou pneumonia, e esporádica, a de tuberculose. Uma série de falecimentos decorre de violências ou acidentes (afogamento, balaço, queda de cavalo, golpes de troncos, por ocasião de derrubadas, alguns assassínios e suicídios). Um quadro de doença, digno de nota designado de “arrepios internos”, observado em crianças, é, muitas vezes, objeto de assentamento. Segundo a explanação dos pastores, trata-se, talvez, de envenenamento, possivelmente com a mandioca (ácido cianídrico), em virtude das manifestações ligadas a perturbações respiratórias, (pontadas do lado), ocasionando a morte, na maioria dos casos (informaram-nos que algo semelhante se tem verificado com animais, entre os quais, os leitões).

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NOTAS

[ 1 ] Von Tschudi, Reisen durch Süd-Amerika, 1866.
[ 2 ] Segundo a classificação (doutor Vogel) realizada na Seção helmintológica do Instituto Tropical, em Hamburgo, os gastrópodos eram das seguintes espécies: Planorbis, provavelmente Planorbis guado-loupensis, physa e Limnaea. Entre as cercárias conservadas encontrou-se apenas uma espécie, a cercária em cabo de garfo, evidentemente strigeiden, e não schistosoma.

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