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6 de Junho: Fala Velázquez [ * ]

Filósofo, fulgurante,
como
um coéforo portando
oferendas verbais,
alguém
enfileira suas palavras
escre
vendo francamente
coisas agudíssimas
sobre mim.
Vejo ainda
um pintor pertinaz
porém
impertinente
repintando o que eu faço,
repetindo-se
sem nunca repetir
os meus traços.
Agora
eis que se apronta
um tonto
da minha antiga
etnia
(mais um
com as suas próprias
manias?)
fingindo
que meus lábios se mexem,
num faz-de-conta
ineficaz:
en
quanto vai
refazendo
cálculos e mais
cálculos, rebuscando talvez
a fórmula
da fama que lhe foge,
falo
como se fala hoje
a língua materna
dos antepassados
do meu pai.
Tolos, todos,
completamente, se competem
comigo.
2
De minha parte,
faço o retrato
de quem imortalizou o morto,
lapidando em soneto
um conceito dos mais altos
sobre o pintor e “su nombre”,
El Greco inquieto
“que dio espíritu a leño,
vida
a lino”.
Eu retrato
este Góngora na velhice,
enquanto
o novo rei aguarda
nalgum ponto do futuro
o traço,
o tratamento
do meu pincel.
A um
e a outro igual
men
te
imortalizarei.
A morte, porém,
após
tanto esforço e artifício, tanta
destilação de engenho,
é o último
lugar comum, destinado
a todos:
aos nossos, aos inimigos, aos nossos
próprios ossos.

[ * ] 06/06/1599: nascimento do espanhol Diego Velázquez, descendente de portugueses. A sua tela As meninas foi repintada várias vezes por Picasso, antes de servir de pórtico teórico para As palavras e as coisas, de Foucault. Velázques pintou igualmente um quadro de Góngora, o qual, por sua vez, escreveu um soneto sobre a morte de El Greco. Ademais…

[publicado originalmente no site em 2004]

Lino Machado é poeta e professor universitário. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

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