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A Alda Magalhães Santos Neves (Rio de Janeiro, 27/5/1961)

Rio, 27 de maio de 1961.

Aldinha querida:

Os caminhos da política são quase sempre ásperos e cruéis. Chego a essa conclusão ao comparar hoje os períodos da nossa vida de ontem. Os tempos saudosos do passado, antes de ser arrastado pelas traiçoeiras [falta uma palavra] dos acontecimentos políticos. Quando vivíamos em paz, com a nossa descuidada felicidade, esquecidos do mundo e sem ter que dar satisfações da nossa vida a ninguém. Fazendo o que nos aprouvesse, sem receio de ter sobre nós os olhos vigilantes da curiosidade pública. Sobretudo sempre juntos, em nosso cantinho, vendo os filhos crescerem ao nosso lado e desfrutando, quase todas as noites, da presença saudosa do velho Arnaldo [Magalhães] que assistia a nossa felicidade e como que completava o nosso lar. Lembra-se? Depois o mundo assestou sobre nós as suas lunetas, viramos notícia e não tivemos mais sossego. Até 1955, quando, ainda em decorrência da política, fui afastado do meio e dividiu-se a família. Estávamos agora, aos poucos, regressando à obscuridade e vislumbrando ao longe a possibilidade de retorno ao Estado para, em companhia dos filhos que lá estão, reestruturarmos o nosso lar na terra natal, mais próximos assim da última morada. Longe, entretanto, da vida pública e distantes das curiosidades alheias. Simplesmente, humildemente, como toda a gente em liberdade pode fazer.

Eis, porém, que desaba, novamente, sobre a minha cabeça o vendaval da política. Em condições irrecusáveis e irremediáveis, como que impelido por forças violentas do destino. E, embora ainda esperançoso de que sejam encontrados outros caminhos que me libertem do compromisso moral de comparecer ao pleito, já sofro as delimitações do movimento que impõem aquelas circunstâncias.

Tudo isto vem ao meu pensamento neste instante, quando me ponho ante a máquina para responder às suas últimas cartas, justamente no dia em que se completa um mês de sua ausência e ao meditar sobre a impossibilidade de fazer essa coisa simples que o meu coração comanda: correr para aí e beijar a netinha querida que Deus nos deu. Percebi nas expressões de júbilo do Joel e entrevi nas suas próprias palavras, querida, esse desejo e essa vontade. Sinto também que esse é o meu dever e que não posso satisfazê-lo. Os acontecimentos políticos não permitem e repugna-me misturar as afetividades tão ternas do meu coração com as sujas explorações da política. Tenho, assim, de transferir o gostoso prazer de afagar a nova Aldinha que já ocupa um largo lugar em meu coração por ser a primogênita do Joel e Thaís e porque traz a aureolar-lhe a personalidade o nome que é uma bênção constante em minha vida: Aldinha.

Peço que seja intérprete junto aos queridos filhos desses meus sentimentos. E justifique a minha ausência, tão dolorosa para mim, pedindo-lhes compreensão e desculpas. Enquanto isto, longe do entezinho querido, procuro visualizar-lhe as feições ou adivinhar-lhe a imagem, através das rápidas palavras de sua descrição. Deve ser um encanto, e todas as minhas preces se elevam pela sua felicidade e pela sua saúde. É alguém que ainda não conheço, mas que possui parte do meu sangue e, Deus o permita, também uma grande parcela da meiga sensibilidade da avozinha querida.

[…]

Vou deitar-me agora e sonhar, talvez, com a netinha. Conto os dias para o seu regresso, mas compreendo que só deve regressar após tudo normalizado. Breve e com a graça de Deus estaremos de novo juntos e praza aos Céus sem outras interrupções de ausência. Muitos afetos aos queridos filhos e filhas, netinhos e netinha. Beije-os muito por mim para compensá-los da minha falta e da falta dos presentes que o vovô deveria levar. Para V., querida, a saudade enorme e o beijo afetuoso do

[In Cartas selecionadas – Jones dos Santos Neves. Vitória: Cultural-ES, 1988.]

Jones dos Santos Neves graduou-se em Farmácia no Rio de Janeiro e, de volta a Vitória, casou-se, em 1925, com Alda Hithchings Magalhães, tornando-se sócio da firma G. Roubach & Cia, juntamente com Arnaldo Magalhães, seu sogro, e Gastão Roubach. A convite de interventor João Punaro Bley, em 1938 funda e dirige, juntamente com Mário Aristides Freire, o Banco de Crédito Agrícola (depois Banestes), tendo depois disso seu nome indicado juntamente com o de outros dois, para a sucessão na interventoria. Foi então escolhido por Getúlio Vargas como novo interventor, cargo em que permaneceu de 1943 a 1945. Em 1954 retomou seu trabalho no banco, chegando à presidência, sendo, em 1950, eleito  governador do estado. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

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