Capítulo IV – Os métodos de produção dos sitiantes alemães
1. Superfície, em média, cultivada
Antigamente, o Governo distribuía lotes com mais de 50 hectares; reduziu-os, mais tarde, à metade, aproximadamente, estabelecendo, por fim, como unidade, 25 hectares. Daí designar-se de “colônia” uma superfície de 25 hectares. Através dos mais diversos processos de transferência de propriedade, algumas famílias se assenhorearam de 20 “colônias” ou mais. A média, porém, é de 2 a 3 “colônias” ou seja 50 a 75 hectares. Uma superfície de 75 hectares é cultivada, mais ou menos, da seguinte maneira:
1. | Café | 1½ a 2 ha. |
2. | Milho | 4 a 6 ha. |
3. | Tubérculos | 1 ha. |
4. | Pastos | 4 ha. |
O que se verifica, portanto, é o cultivo de meia “colônia”, ou seja um sexto de todo o sítio. Acrescentem-se de 10 a 12 hectares (quase a metade da “colônia”) desbravados, mas sem amanho, os quais se destinam à plantação de milho e tubérculos. O resto é mata.
As “colônias” da planície afastam-se, não raro, desse esquema, o que sucede quando se intensifica a criação de gado, havendo necessidade de um pasto maior. Também apresentam fisionomia diversa os sítios muito novos: ai encontramos, geralmente, bem mais terra para o cultivo de mandioca e milho, que são vendidos enquanto se espera a colheita do café.
2. A derrubada
Antes de começar as plantações, o colono tem de derrubar a mata; todo ano, ele procura, na medida do possível, conquistar à floresta novas áreas para a cultura.
1. A derrubada — O desbravamento começa com o corte dos arbustos, para o que se utiliza o facão, que tem a forma de uma espada curta, e a foice (Faschinenmesser), uma lâmina fixa a um cabo longo, curvada, ao fim, como uma ceifeira, de modo a servir para golpear e segar. O colono chama-a deFose, e fosen (do português “foiçar”) a atividade exercida com esse instrumento.
Depois de consumada essa primeira operação de limpeza, passa-se, com a ajuda do machado e da serra, à derrubada das árvores. Os troncos são golpeados à altura do peito. Só quando as árvores são mais possantes, convém escolher um ponto mais alto em que o diâmetro seja menor. Levanta-se, então, um andaime em torno da árvore, derrubá-la custa, muitas vezes, mais de um dia de trabalho. As árvores menores, que são golpeadas de leve, são arrastadas pela queda dos grandes troncos. A derrubada exige muito esforço e atenção, pois não raro é difícil calcular a direção da queda. Quanto agricultor foi vítima de seu trabalho, principalmente no começo da colonização!
2. A queimada — 8 a 10 semanas depois da derrubada, se o tempo tiver estado seco, toca-se fogo às árvores e arbustos caídos; em caso contrário, espera-se mais algum tempo. Nem todos os troncos comburem. É desejável que o fogo não seja excessivamente forte. Do contrário, destruir-se-ia o húmus, e o terreno se endureceria como um tijolo, e o volume de cinza produzido seria tão grande que dificilmente se misturaria com a terra. Quando tal sucede, não se cogita da cultura de milho, que exige esse terreno muito fofo. A taioba, uma planta tuberculífera, cresce, então, vigorosamente, e a cultura do café não é prejudicada. Mas é melhor quando o fogo é menos intenso, e sobre uma parte apreciável de hastes e ramos, entre os quais se encontra muita madeira de lei. O terreno se conserva, então úmido, e se desenvolve melhor, depois a desejada capoeira.
Pior que a combustão demasiada é a queima insuficiente que pode inutilizar completamente, a roça, por um ou dois anos, pois repetir, logo, a queimada quase nunca é possível. Anteriormente, os colonos cuidadosos faziam fogueiras com os ramos e hastes que remanesciam. Mas, essa prática foi sendo afastada cada vez mais, porque tornava o terreno irregular: nos pontos atingidos por essa queima, o fogo atuava forte demais.
Hoje deixa-se ficar onde está a madeira remanescente, após o fogo insuficiente, plantando-se nos espaços desimpedidos, até onde for viável, e espera-se a queimada que, no ano seguinte, depois de crescer a capoeira, se torna necessária. De início, foiça-se a capoeira; 4 a 6 semanas depois, realiza-se a queimada. O terreno fica, então, melhor do que era antes, queimado com mais regularidade e livre dos destroços da mata. Planta-se novamente.
Após a colheita, deixa-se a terra descansar um ano. Depois foiça-se e planta-se, ao que segue novo ano de repouso para o solo. Procede-se, dessa maneira, três vezes sucessivas, sendo necessário, em seguida, proporcionar ao terreno dois anos de descanso, e, mais tarde, até três a quatro anos. Não sendo adubado, o solo esgota-se, por fim, totalmente, e produz no máximo um pasto ralo. Crescem, então, no planalto, as filifolhas. Constituem um sinal de terreno inteiramente esgotado.
3. O café: plantação, trato cultural e colheita[ 1 ]
O café, como produção única de exportação é a mais importante atividade econômica do colono embora não seja a maior do ponto de vista da superfície. Imprime direção a toda a economia.
Cultiva-se, geralmente café “bourbon” e crioulo. O “bourbon” tem a vantagem de amadurecer mais rapidamente que o outro. O crioulo, entretanto, proporciona rendimentos anuais mais regulares. O “bourbon” floresce na região alta, nos meses de outubro a janeiro, o crioulo nos meses de janeiro a março Só excepcionalmente, cultiva-se café de grão pequeno. Os colonos costumam iniciar a plantação imediatamente após a queimada. As mudas que utilizam são os arbustos de 1 a 3 anos, que crescem, espontaneamente, nos velhos cafezais ou nas proximidades. Alcançar-se-iam melhores resultados com o processo de viveiros, o que exigiria, porém, esforço e atenção especiais; daí talvez, não convir, economicamente, ao dono, que só dispõe de poucos braços.
As mudas são plantadas em filas, que, entre si, distam 3 metros, mais ou menos. Não correm paralelas à base da encosta, mas, perpendicularmente, o que demonstra não se usar o arado, no Espírito Santo. Na região alta, em cujos lugares elevados não se dá bem, prefere-se o lado do sol (o do norte), das encostas; na planície quente, onde a colheita facilmente estorrica, prefere-se o lado da sombra (o do sul).
As possíveis culturas associadas são o milho (de raízes superficiais), o cará, a taioba e a mandioca, sujas raízes, segundo Kaerger, “penetram nas partes do solo que encerram reservas nutritivas para as necessidades futuras do cafeeiro”. Acrescentem-se as batatas doces, que “se têm revelado prejudiciais, brotando, por toda parte, tubérculos, que, ao serem arrancados, podem, facilmente, danificar as raízes do cafeeiro”.
Os cuidados com o cafeeiro quase se restringem a limpar o terreno, com a enxada, de ervas daninhas. No Espírito Santo, essa limpeza realiza-se, em regra, duas vezes por ano (na zona baixa, com freqüência, 3 vezes; na alta, tem havido casos de uma só vez), enquanto em São Paulo se considera necessário executá-la quatro a cinco vezes. Faz parte do trato cultural afastar do cafeeiro, um parasita: a erva de passarinho, assim chamada, porque a semente atinge o cafeeiro, por intermédio dos excrementos dos pássaros.
O colono não conhece a poda. Nem é usual cortar ou serrar as hastes já mortas “embora cortes adequados aumentassem e assegurassem, por mais tempo, a frutificação e prolongassem a existência das árvores”.[ 2 ]
A aradura, como já vimos, é desconhecida. Só excepcionalmente, aduba-se. Recentemente, incentivaram-se experiências de adubação artificial.
Há cafeeiros que já no terceiro ano (em São Paulo no 4º e 5º) começam a frutificar. É o tempo em que na zona baixa, começa, imediatamente, a colheita, que se inicia na região alta, mais tardiamente, no 5º ou 6º ano. O cafeeiro carrega mais entre o 7º e o 20º, havendo, não raro, casos de boa colheita até os trinta anos. Daí em diante, o cafeeiro, vai-se rapidamente, tornando improdutivo.
Não é possível colher o café de uma só vez, pois os grãos não amadurecem a um só tempo. Quanto mais alto for o local da plantação, mais tardia e irregularmente sazonam os grãos, e mais amiudadas vezes tem o colono de se ocupar com a colheita. Assim, a colheita na zona alta dura muitos meses, particularmente os de setembro a janeiro; na baixa, os de maio, junho e julho.
Os colonos derriçam os grãos das hastes, deixando-os cair em peneiras e evitando que os grãos verdes as atravessem. (A colheita se faz muito cedo, enquanto os arbustos estão orvalhados, o que facilita tirar os grãos dos galhos. Naturalmente que esse trabalho em contato com a umidade não é dos mais cômodos). Varrem-se e juntam-se os grãos já caídos, na maioria pretos. São postos em peneiras e abanados, a fim de se livrarem, tanto quanto possível, de corpos estranhos.
Depois, ensaca-se o café, que é carregado, encosta abaixo, até o caminho e daí para casa. O colono traz a carga sobre os próprios ombros e às vezes, utiliza mulas.
O café dá mais frutos nas altitudes medianas. Consideram-se cem arrobas (1.500 quilogramas) de café não descascados, por 100 pés, como excelente colheita. O arbusto isolado fornece, não raras vezes, três a quatro quilos, mas uma plantação nunca atinge, em média, tal resultado. O maior rendimento médio que se alcança é de 2 quilos por pé. Não há colheita dessa importância, em Santa Joana, nem às margens do rio Lamego e do rio Claro. Em Santa Joana, têm-se por boa colheita 1.200 quilos por 1.000 cafeeiros.
Só podem passar com uma colheita de 30 a 50 arrobas, iniciantes ou colonos mais velhos, que não têm mais filhos para cuidar. Produzindo menos, o que excepcionalmente acontece, tem o colono de procurar, possivelmente com a venda do milho, o necessário ganho adicional. Uma colheita de 100 a 150 arrobas constitui a média. Quem colhe 250 a 300, passa por abastado, e rico quem apanha 500 a 600. Um verdadeiro nababo é o que chega a produzir 1.000 arrobas. Quando se ouve falar de um felizardo cujos cafezais forneceriam, anualmente, 2.000 a 3.000 arrobas, trata-se indubitavelmente, de mera fantasia. Uma colheita desse porte não se pode realizar na pequena empresa, mas exigiria o auxílio de forças de trabalho mais numerosas, vindas de fora.
Uma pessoa isolada será capaz de colher, no máximo, duas e meia arrobas por dia, mas assim mesmo, se os cafeeiros carregarem abundantemente. Uma arroba por homem-dia já é uma boa média. Se a colheita, propriamente, não dura mais de 40 a 60 dias, e os pequenos agricultores não dispõem de mais de 6 a 8 pessoas que trabalham, é evidente que o maior rendimento é de 60 x 8 x 2,5 = 1.200 arrobas.
Lembramos que o café consumido, em média, por uma família, no Espírito Santo, importa, mais ou menos, em 5 arrobas por ano. Estimamos que vivam, atualmente, nesse estado 50.000 famílias. Deduz-se daí que a quantidade do consumo interno é de 250.000 arrobas. A exportação, como já vimos, é de 3.000.000. A produção total do estado atinge, portanto, a 3 ¼ milhões.
Relativamente à parte com que concorrem os colonos alemães para essa produção total, não se pode ir além de uma conjetura: Admitamos existir, ao lado das 2.000 famílias evangélicas, 1.000 famílias alemãs de outras seitas, suponhamos haver, por conseguinte, 3.000 sítios nos quais presumiríamos que se colhessem, em média 150 arrobas; daí inferiríamos que os alemães produzem 450.000 arrobas de café. Essa quantidade seria, mais ou menos, a sétima parte de toda a produção do estado.
4. O beneficiamento do café
O café apanhado do chão é posto em água corrente (o que não se dá com o que se colhe dos arbustos). Os corpos estranhos imergern e separam-se das bagas que bóiam, são recolhidas em peneiras e, depois, amontoadas com as não lavadas. As tulhas, assim formadas, se aquecem e as cascas dos frutos racham. O café, a seguir, é espalhado no terreiro e exposto ao sol, a fim de que os invólucros fiquem secos e quebradiços. Quando vem chuva, os colonos juntam o café com pás de madeira e o levam para um barracão.
É índice de progresso possuir um sítio o chamado carro de café, um vagão de secagem com pequenas rodas que deslizam sobre trilhos de maneira que vão dar num alpendre, destinado a proteger o produto contra as chuvas. Esse mecanismo é dispensável na zona baixa, pois, aí, pouco chove. Mesmo na alta, não se encontra freqüentemente.
Após a secagem, pila-se o café, a fim de tirar-lhe a casca. Para isso, usa-se, na maioria dos sítios, o monjolo (daí “mascholle” palavra corrente entre os colonos, originada da corrupção do vocábulo brasileiro monjolo). Assim se designa uma peça geralmente utilizada no Brasil,[ 3 ] a qual aproveita a força hidráulica para a atividade de pilar, e é constituída da seguinte maneira: imagine-se uma trave de balança com um braço terminando em pilão e o outro oco. Neste penetra a água forçando-o a descer, enquanto o pilão sobe. O braço oco, ao abaixar-se, perde a água, e fica mais leve; o pilão cai, então, numa grande cuba, onde está o café para descascar. O tempo do movimento de subir e descer varia com a quantidade de água e com o peso do martelo, sendo, em geral, de 10 a 20 segundos; há, portanto, relativa lentidão. Esse aparelho tem a vantagem de não precisar de fiscalização. Os grãos se libertam dos invólucros, com o pilamento, mas há os que se quebram e os que não se livram completamente da película prateada situada em baixo do pergaminho.
Em empresas grandes utiliza-se em lugar do monjolo, um moinho de pilar, que dispõe de vários martelos, os quais, acionados por uma roda hidráulica, sobem e caem, alternadamente.
Os grãos misturados com as cascas partidas, são, por fim, derramados na peneira plana de palha, a qual é sacudida, o que faz separarem-se, facilmente, dos grãos, as cascas, que são mais leves. A peneira, nas grandes explorações, é substituída por um ventilador, construído do mesmo modo que a máquina de limpar cereais, na Alemanha, diferençando-se, apenas, no traçado feito de acordo com o grão de café.
5. O milho e a abóbora
O milho é cultura:
1. principal, a que se associa a da abóbora;
2. acessória à plantação de café (1 a 2 colheitas);
3. raras vezes, de terreno de pasto.
Inicia-se o plantio, fazendo-se buracos com a enxada, distantes um passo, mais ou menos, uns dos outros, recebendo, cada um, 4 a 5 grãos e sendo, depois, cobertos de terra.
É boa colheita, a multiplicação do grão por 150, e muito boa, a multiplicação por 200, Entre os holandeses, em Santa Leopoldina, onde o terreno é menos fértil, entre 50 a 100 vezes a quantidade de grãos semeados. Um colono colhe, de modo geral, 50 a 100 sacos (de 80 litros, cada um). Alguns se aproveitam para fazer pão, e os outros se destinam à alimentação dos animais. Durante os primeiros anos do sítio, enquanto os cafeeiros não frutificam, vende-se milho, que, nesse período, constitui, em regra, a mais importante fonte de receita. Mais tarde, só se cultiva para as próprias necessidades.
O milho, apenas debulhado, serve para a alimentação dos animais. A debulha faz-se, freqüentemente, a mão. Há colonos que simplificam o trabalho, utilizando uma debulhadeira, um aparelho agora introduzido, que se roda manualmente. Dá-se o milho cru ao gado, como a aveia, em países europeus, à qual substitui, no Espírito Santo. Cozido alimentaria melhor, segundo opina Kaerger. Eventualmente, a palha de milho é empregada para alimentar os animais. Desfiada, presta-se para encher colchões.
Um moinho, existente em todos os sítios, impulsionado por força hidráulica, faz o fubá de milho, utilizado na preparação do pão. A água percorre uma calha que se vai estreitando na medida em que se aproxima da turbina; esta impulsiona um eixo em posição vertical. Esse atravessa uma mó fixa, na qual fricciona outra mó, presa à extremidade superior do eixo que a move. A mó superior é perfurada, a fim de que o funil introduza os grãos que vêm de um recipiente, colocado acima.
Sempre se cultiva a abóbora junto com o milho. Após a apanha do milho, colhe-se a abóbora, o que se faz no inverno, quando há tempo seco conforme forem exigindo as necessidades. A utilidade principal da abóbora é alimentar os animais.
6. Os tubérculos
A mandioca – Distingue-se a doce da venenosa, amarga (aipim e mandioca brava). No Espírito Santo, cultivam-se ambas as espécies. Dão-se poucos cuidados a esses rizomas. O terreno não é preparado por arado, nem por enxada, nem por grades. Na zona baixa, planta-se a mandioca, sempre que possível, em terreno muito queimado: enterram-se tanchões, de 10 a 15 centímetros de comprimento, com vários olhos, a uma distância de 30 centímetros a 1 metro, uns dos outros, em buracos feitos a enxada; na região alta, planta-se, geralmente, a distância menor. A época do plantio é a segunda metade do inverno.
Os tratos culturais se restringem, na região baixa, a eliminar, com a enxada, a erva má; terminam depois de três a quatro meses, quando a planta sombreia bastante o campo. Na zona alta, sacha-se até que os tubérculos brotem. Mas, depois, ainda se monda. Passado um ano, decapita-se a mandioca brava, para incentivar o desenvolvimento dos tubérculos.
Na zona baixa, a colheita começa em fevereiro; na alta, em abril. Mas não se realiza de uma só vez; arrancam-se as raízes de acordo com as necessidades. Em Jequitibá, o aipim dá, depois de dois anos, 1 a 3 quilos de tubérculos por planta; após quatro anos, dois a quatro quilos; lugares baixos 3 a 6. A raiz da mandioca brava é, geralmente, mais pesada. Decorridos quatro anos, deve-se desarraigar o aipim; e cinco anos, a mandioca brava.
O aipim é um sucedâneo da batata. Como esta, cozinha-se e come-se. A mandioca brava é transformada em farinha, utilizando os colonos, um processo comum em todo o Brasil: os tubérculos são lavados, raspados, enxaguados e, a seguir, comprimidos de encontro a um ralador, em movimento giratório, que os converte em massa pastosa. Esta é levada a uma prensa de madeira, que dela extrai o suco, portador de ácido cianídrico. A prensa tomou o lugar do antigo tipiti, um traçado de palha comprido, em forma de lingüiça, ainda hoje usado por certos colonos. Estes enchem-no de pasta de mandioca e o dependuram, de modo que o suco venenoso se escoe. Depois, leva-se a massa a um tacho; ai é assada, transformando-se em farinha, que, em geral, se come com feijão. O suco escoado é passível de aproveitamento recolhendo-se a um vaso, onde, após algum tempo, se deposita uma fécula, a tapioca. No Espírito Santo, ela não tem aplicação alguma.
Taiá ou taioba — Há a taioba branca e a amarela. As amarelas têm hastes azuis, as folhas e a casca do tubérculo, azuladas. São chamadas de amarelas, porque o tubérculo, depois de descascado, é amarelo como a cenoura, à qual se assemelha em gosto. Prefere terreno argiloso, de vale, frouxo e areento, e exige mais umidade que o aipim. Planta-se (na região alta, em setembro; na baixa, em outubro), sempre que possível, em terreno bem queimado, à distância de cinqüenta centímetros. Os tratos culturais consistem em limpar o terreno a enxada, e, mais tarde, em mondar, de vez em quando. O mais tardar, após um ano, os tubérculos têm de ser colhidos. Mantêm-se bem conservados como a batata. É costume fazer-se a colheita depois de 7 a 9 meses.
O inhame só dá bem à beira d’água. Planta-se, de preferência, à margem de rios e riachos. Nos lugares baixos, quase não é cultivado. O plantio realiza-se em setembro e outubro. Seis meses depois, os tubérculos já estão maduros; durante vários anos, podem ser colhidos em qualquer ocasião. No Espírito Santo, serve, exclusivamente, para alimentar os animais.
A batata doce desenvolve-se em qualquer parte, sem apresentar, quase, incompatibilidade com nenhum terreno. Suporta muita chuva. Planta-se sempre que possível, em terreno queimado, à distância de 50 centímetros a um metro. Os sarmentos desempenham o papel de tanchões; a planta não provém do tubérculo. Faz-se o plantio em fevereiro, março e setembro. Três a seis meses depois, colhe-se a batata.
O cará requer terreno úmido e prefere a planície. Planta-se em setembro e outubro, e colhe-se seis meses depois. Sua utilidade principal é a de alimento para os animais; às vezes, substitui a batata, quando, geralmente, serve de complemento ao pão.
O amendoim cultiva-se na planície, em terreno arenoso. Come-se, em regra, cozido; às vezes, cru. É muito apreciado pelos italianos e brasileiros.
Com algum amanho, as batatas inglesas dão bem no planalto; mas, são pouco plantadas, pois o cultivo dos outros tubérculos exige menos esforço. Daí serem importadas.
7. As outras culturas
Feijão preto — Às vezes, é cultivado juntamente com o milho, o que, entretanto, não convém. Como o milho, exige terreno limpo e queimado, porém menos umidade. Associado à farinha de mandioca, constitui o prato nacional brasileiro.
“O crescimento dura, apenas, três meses. Por isso, em regra, basta mondar uma vez”. O plantio é rápido. Com uma enxada fazem-se buracos, trinta centímetros distantes uns dos outros, lançando-se neles quatro a cinco grãos ou, eventualmente, seis a sete, em seguida, levemente cobertos com terra”.[ 4 ]
Chuchu — Trepadeira que dá frutos, que têm uma carne semelhante à do pepino constituindo um legume.
Bananeira — Nos lugares baixos, é onde melhor se desenvolve; na zona alta, ainda proporciona bons resultados. O colono planta-a quando começa a organizar seu sítio. A bananeira não requer amanho e dura muito. Há as bananas que se comem cruas, as de cozinhar e as de assar. É também empregada na preparação de vinagre.
O fumo consumido é, na maior parte, importado. É provável que se aclimatasse bem em todas as regiões do estado, mas apenas na parte baixa é cultivado, assim mesmo em escala reduzida, para uso próprio.
A cana de açúcar plantada na zona alta destina-se, exclusivamente, à alimentação dos animais; a da região baixa aproveita-se, também, para a fabricação de açúcar. A plantação obedece a processos muito primitivos. Cavam-se buracos, distando, entre si, 1,20m a 1,50m; neles se metem hastes de cana, desfolhadas, com 20 a 30 centímetros de comprimento. Cada buraco recebe dois tanchões. Corta-se cana, durante muitos anos, sem nova plantação.
O plantio é em outubro e novembro.
A fabricação do açúcar, como a cultura da cana, seguem métodos muito primitivos; daí só se conseguir um produto muito grosseiro, a rapadura. Inicialmente, a cana é levada à prensa. Esta é formada, em regra, de dois ou três rolos de madeira, em posição vertical, postos em movimento por boi ou cavalo. O caldo que se escoa é coado em sacos, depois trazido para um grande tacho de ferro e aí cozido, durante três horas, mais ou menos, sendo mexido, ininterruptamente, até ficar espesso. Retira-se a espuma, mexe-se a substância pastosa até esfriar, a qual se vaza, por fim, em fôrmas. Seria conveniente fabricar o açúcar por meio de uma cooperativa. Há planos adiantados, em Vinte e Cinco. Mas, à realização se opõem grandes dificuldades. É indiscutível que a produção atual só chega para as próprias necessidades.
Na planície, o arroz poderia ser plantado em larga escala. O Espírito Santo importa esse produto, embora tivesse meios para cobrir plenamente o consumo interno.
Frutas — As principais espécies cultivadas pelos colonos são: laranja, tangerina, mamão, pêssego, ameixa, amora, melancia, goiaba, manga (especialmente nos lugares baixos) e cocos (só nos lugares baixos).
8. A criação
O gado bovino — É estimável em 10 cabeças a quantidade de gado, possuída, em média por cada colono; existem sítios com 2 a 3 cabeças, e outros, com 20 a 30. Há ainda, casos menos freqüentes de colonos que dispõem de maior número. Nas regiões montanhosas, a pecuária, em geral, só a muito custo, tem-se desenvolvido. Os bezerros morrem facilmente. Lavra a praga de um moscão, cuja larva ataca a pele do gado, desvalorizando o couro e molestando muito o animal.
O gado progride excelentemente na zona baixa onde os pastos são melhores, e se encontram áreas planas maiores. A reprodução anual é quase infalível; as vacas parem vários bezerros, de 11 em 11 meses. O gado cresce com mais rapidez e fica mais pesado que no planalto. Daí explorar-se a pecuária em escala mais larga. São freqüentes rebanhos de 40 a 60 cabeças. Há, ainda, os de 100 a 200; são raros, porque ultrapassam as restritas possibilidades de venda.
Tanto na zona alta como na baixa, produz-se leite, quase que exclusivamente para as necessidades caseiras. Uma boa vaca fornece cerca de 6 litros; excepcionalmente, muito mais. Consome-se leite, principalmente sob a forma de queijo e de manteiga; dá-se coalhada aos porcos. Um ou outro colono vende laticínios aos vendeiros. Recentemente, enviou-se manteiga para Vitória, mas, em pequena escala. Há a importação de manteiga e queijo, de Minas Gerais.
Os bovinos são pouco empregados em tração e, assim mesmo, só na região baixa. Para o corte escolhem os machos, raramente vacas.
Na zona alta, uma boa vaca leiteira, custa 100 a 150 mil réis; na baixa, é mais barata por unidade de peso; entretanto, atinge, muitas vezes, um valor de 200 mil réis em virtude de um peso total maior. Uma vaca, sem leite, custa, em Campinho, 70 a 80 mil réis. Tanto na região alta, como na baixa, a arroba (15 quilos) de carne é avaliada em 7 mil réis. Na zona baixa, uma arroba de animal vivo custa 5 mil réis. Por um quilo de manteiga, os colonos exigem, na planície, um a um e meio mil réis; na região alta, 2 mil réis; os vendeiros cobram um pouco mais. Não se vende carne de vitela.
Porcos — Cada colono tem, em média, 20 a 40 porcos. As varas são maiores na região baixa, mas, raramente, vão além de 100 cabeças.
No primeiro ano, dá-se-lhes forragem; há, também, os suínos que pastam livremente. Passado um ano, alguns tipos estão aptos para a ceva; outros, só após decorrerem dois anos. Cevam-se os porcos com milho, coalhada, batatas, aipim, mamão, abóbora e folhas, como forragem. O milho e a abóbora são excelentes alimentos de engorda.
Os porcos alcançam, em média, um peso de 10 a 15 arrobas. Pelo número de cabeças das varas deduz-se que parte delas destina-se ao mercado. Uma arroba de carne de porco com toucinho custa, em média, 9 a 10 mil réis; pelo toucinho puro cobra-se um a 2 mil réis mais. Enquanto o preço da carne de vaca não oscila, em virtude de não haver necessidade de ceva, o preço dos suínos varia muito, dependendo, principalmente, da colheita de milho. Este é mais caro na região alta. Em lugares baixos, sem comunicações, verificou-se o preço de 2 ½ mil réis por 80 litros. Desde que existe ligação férrea, o milho custa, na zona baixa, 6 a 8 mil réis, e, na alta, 8 a 10 mil réis.
Aves — Criam-se gansos, perus, galinhas d’angola, patos, pombos. As aves se desenvolvem muito bem. Embora não sejam freqüentes epizootias, quando ocorrem, manifestam-se violentas. Por ocasião de uma delas, um vendeiro perdeu 30 muares, em poucos dias. Desconhece-se a aftosa. Às vezes, lavra peste entre as aves, dizimando-as, mas a criação se reconstitui depois rapidamente.
Pastagens — Não há semeadura de capim, excetuando o de Minas. Semeia-se ou planta-se o capim, às vezes, associado à cultura do milho. Organizam-se melhor as pastagens em terreno bem queimado, que estará, assim, protegido por vários anos, contra as ervas ruins. Os velhos cafezais são aproveitáveis para se fazerem pastagens.
Em 1913, o município de Santa Isabel, segundo informou o prefeito, possuía:
7.800 | bovinos | |
3.200 | eqüinos | |
6.100 | jumentos e muares | |
950 | ovinos | |
20.500 | suínos | |
Total | 38.550 | cabeças |
9. A construção
Entre as atividades do colono, está a de erigir, em seu sítio, a casa e os outros abrigos necessários à exploração agrícola. Conta com a ajuda dos vizinhos para as construções.construções.[ 5 ]
Vejamos como se edifica a moradia. São indispensáveis madeiras de lei, cujo cerne resista à podridão e aos insetos, como o jacarandá, a garaúna, o ipê, que se encontram na zona alta; ou como o guarabu amarelo, a peroba e a sapucaia, de que se dispõe na região baixa. Lança-se mão, em primeiro lugar, dos troncos e galhos que remanescem da queimada. Mas, essa madeira, em geral, não basta. O colono é forçado a buscar o que falta na floresta.
Aparelham-se as árvores onde caem, no momento da derribada. O colono, com o auxílio dos vizinhos e sem o emprego de animais, ora as carrega, ora as arrasta, até chegar ao local da construção, utilizando, como cordas, lianas, tiras de córtex, ou hastes de juçara, amolecidas ou flexibilizadas à custa de golpes. É um trabalho duro esse transporte em terreno, muitas vezes, acidentado; oferece perigos. Já lesou o tórax e o espinhaço de diversos colonos.
Cortam-se de madeiras leves, da floresta, as tábuas e telhas de madeira necessárias à construção. Para a feitura de tábuas, emprega-se mais, na zona alta, o cedro brasileiro e, na baixa, o jequitibá; a garaúna, a peroba etc. prestam-se para a confecção de ripas. Os colonos serram toros, com 20 a 25 polegadas de comprimento; deles, cortam telhas de madeira com 8 polegadas de largura e 1/2 de espessura. Aplainam-se as irregularidades, a machado ou a facão. Provêem-se as telhas de cavilhas. Agora, também se usam pregos, mais fáceis de cravar, com a desvantagem, porém, de enferrujar.
Trazida a madeira para o lugar da construção e concluídos os trabalhos de carpintaria, começa-se a edificar a habitação. A moradia tem, em média, 8 a 10 metros de comprimento, 4 a 6 de largura; os quartos, por dentro, têm uma altura de 2 ½.
Fincam-se 4 a 6 mourões, com a grossura de 30 a 40 centímetros por 30 a 40 centímetros, ligados em baixo (1/2 a 1 metro acima da terra) por vigas, com 0,20m a 0,30m x 0,20m a 0,30m, e, em cima, por traves, igualmente grossas. Estas vinculam-se com aquelas, por meio de paus, de 0,20m x 0,20m de grossura, de antemão providos com ferrolhos para as portas e janelas. Põem-se travessas sobre as vigas e as traves, assentando-se, depois, sobre estas, a cumeeira e o madeirame do teto.
Armada a casa, os colonos cobrem-na com as telhas de madeira. Pregam o soalho. Fazem o esqueleto das paredes, um engradado de juçaras e fasquias de madeira, e, a seguir, encaixam as janelas com as respectivas molduras, e as portas.
Entaipam as paredes. Nessa ocasião, enquanto uns preparam o barro, outros, do lado de dentro ou de fora, jogam-no, com as mãos, à parede, alisando-o. Todo esse trabalho se realiza num dia. Fica faltando o reboco; irá encobrir as fendas que resultarem da secagem do barro. Após a segunda secagem, caia-se. Constróem-se, mais tarde, a varanda, as escadas e as paredes internas, multas vezes, simples tabiques.
Quando se vende a terra, avalia-se uma casa dessas de 500 a 700 mil réis. As moradias dos italianos distinguem-se das dos alemães pelo estilo do telhado. Há suíços que fazem casas semelhantes às cabanas alpinas, nas encostas mais íngremes. Os pomeranos preferem local plano.
10. O ano agrícola
Vejamos como os trabalhos se distribuem durante o ano. As atividades ordenam-se, mais precisamente, na zona baixa, onde a colheita se realiza num período definido e breve. Aí, há margem para as seguintes especificações:
1. Desbravamento (derrubada e queimada): meados de julho até fins de setembro. Duração: dois longos meses. Trabalho árduo.
2. Plantação: fins de setembro até meados de novembro. Duração: 5 a 6 semanas. Trabalho predominantemente leve; esse espaço de tempo tem de ser, muitas vezes, reduzido, em virtude das chuvas.
3. Tratos culturais, especialmente operações de limpeza: começo de novembro até meados de dezembro. Duração: 4 a 5 semanas. As tarefas são bem leves embora desagradáveis, por causa do calor, particularmente quando se cuida de milho já bastante crescido.
4. No período mais quente, os colonos trabalham na lavoura: meados de dezembro a fim de fevereiro. Ocupam-se de concertos em casa e no sítio; organizam currais, cercas; fazem móveis e utensílios (mesas, cadeiras, recipientes), monjolos. Não havendo construções importantes a levantar, aproveita-se o tempo para descanso.
5. Colheita. Segunda quinzena de fevereiro: arroz; março, abril: milho, que se apanha com a maior rapidez possível, a fim de os pássaros e outros animais não comerem os grãos. Colhe-se café em maio, junho e julho e, conforme as circunstâncias, também em agosto; o mês principal é o de junho. Entretanto, há alguns dias dedicados a outras colheitas: taioba, etc.
A semeadura de feijão interrompe a época da colheita. Então, é comum plantar-se um pouco de aipim. É muito freqüente, nessa ocasião, o plantio do café. Excepcionalmente, empreende o colono, em fevereiro, nova derrubada.
O ano agrícola do planalto diverge um pouco. Em princípio, quanto maior a altitude e mais frio o clima, mais cedo se iniciam a derrubada e a plantação e mais vagarosamente decorre a colheita.
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NOTAS
Ernst Wagemann (autor) nasceu em 18 de Fevereiro de 1884, em Chañarcillo, Chile, faleceu em 20 de Março de 1956, em Bad Godesberg, Alemanha. Foi economista político e estatístico muito atuante na Alemanha a partir dos anos de 1920. Para mais informações sobre o autor clique aqui.