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A colonização alemã no Espírito Santo – Segunda parte: O trabalho (IV)

Venda de Karl Bullerjahn, em Santa Maria de Jetibá [In WERNECKE, Hugo. Viagem pelas colônias Alemãs do Espírito Santo. (tradução Erlon José Paschoal) Vitória: Arquivo Público do Espírito Santo, 2013, p.107]

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Capítulo IV – Os métodos de produção dos sitiantes alemães

1. Superfície, em média, cultivada

Antigamente, o Governo distribuía lotes com mais de 50 hectares; reduziu-os, mais tarde, à metade, aproximadamente, estabelecendo, por fim, como unidade, 25 hectares. Daí designar-se de “colônia” uma superfície de 25 hectares. Através dos mais diversos processos de transferência de propriedade, algumas famílias se assenhorearam de 20 “colônias” ou mais. A média, porém, é de 2 a 3 “colônias” ou seja 50 a 75 hectares. Uma superfície de 75 hectares é cultivada, mais ou menos, da seguinte maneira:

1. Café 1½ a 2 ha.
2. Milho 4 a 6 ha.
3. Tubérculos 1 ha.
4. Pastos 4 ha.

O que se verifica, portanto, é o cultivo de meia “colônia”, ou seja um sexto de todo o sítio. Acrescentem-se de 10 a 12 hectares (quase a metade da “colônia”) desbravados, mas sem amanho, os quais se destinam à plantação de milho e tubérculos. O resto é mata.

As “colônias” da planície afastam-se, não raro, desse esquema, o que sucede quando se intensifica a criação de gado, havendo necessidade de um pasto maior. Também apresentam fisionomia diversa os sítios muito novos: ai encontramos, geralmente, bem mais terra para o cultivo de mandioca e milho, que são vendidos enquanto se espera a colheita do café.

2. A derrubada

Antes de começar as plantações, o colono tem de derrubar a mata; todo ano, ele procura, na medida do possível, conquistar à floresta novas áreas para a cultura.

1. A derrubada — O desbravamento começa com o corte dos arbustos, para o que se utiliza o facão, que tem a forma de uma espada curta, e a foice (Faschinenmesser), uma lâmina fixa a um cabo longo, curvada, ao fim, como uma ceifeira, de modo a servir para golpear e segar. O colono chama-a deFose, e fosen (do português “foiçar”) a atividade exercida com esse instrumento.

Depois de consumada essa primeira operação de limpeza, passa-se, com a ajuda do machado e da serra, à derrubada das árvores. Os troncos são golpeados à altura do peito. Só quando as árvores são mais possantes, convém escolher um ponto mais alto em que o diâmetro seja menor. Levanta-se, então, um andaime em torno da árvore, derrubá-la custa, muitas vezes, mais de um dia de trabalho. As árvores menores, que são golpeadas de leve, são arrastadas pela queda dos grandes troncos. A derrubada exige muito esforço e atenção, pois não raro é difícil calcular a direção da queda. Quanto agricultor foi vítima de seu trabalho, principalmente no começo da colonização!

2. A queimada — 8 a 10 semanas depois da derrubada, se o tempo tiver estado seco, toca-se fogo às árvores e arbustos caídos; em caso contrário, espera-se mais algum tempo. Nem todos os troncos comburem. É desejável que o fogo não seja excessivamente forte. Do contrário, destruir-se-ia o húmus, e o terreno se endureceria como um tijolo, e o volume de cinza produzido seria tão grande que dificilmente se misturaria com a terra. Quando tal sucede, não se cogita da cultura de milho, que exige esse terreno muito fofo. A taioba, uma planta tuberculífera, cresce, então, vigorosamente, e a cultura do café não é prejudicada. Mas é melhor quando o fogo é menos intenso, e sobre uma parte apreciável de hastes e ramos, entre os quais se encontra muita madeira de lei. O terreno se conserva, então úmido, e se desenvolve melhor, depois a desejada capoeira.

Pior que a combustão demasiada é a queima insuficiente que pode inutilizar completamente, a roça, por um ou dois anos, pois repetir, logo, a queimada quase nunca é possível. Anteriormente, os colonos cuidadosos faziam fogueiras com os ramos e hastes que remanesciam. Mas, essa prática foi sendo afastada cada vez mais, porque tornava o terreno irregular: nos pontos atingidos por essa queima, o fogo atuava forte demais.

Hoje deixa-se ficar onde está a madeira remanescente, após o fogo insuficiente, plantando-se nos espaços desimpedidos, até onde for viável, e espera-se a queimada que, no ano seguinte, depois de crescer a capoeira, se torna necessária. De início, foiça-se a capoeira; 4 a 6 semanas depois, realiza-se a queimada. O terreno fica, então, melhor do que era antes, queimado com mais regularidade e livre dos destroços da mata. Planta-se novamente.

Após a colheita, deixa-se a terra descansar um ano. Depois foiça-se e planta-se, ao que segue novo ano de repouso para o solo. Procede-se, dessa maneira, três vezes sucessivas, sendo necessário, em seguida, proporcionar ao terreno dois anos de descanso, e, mais tarde, até três a quatro anos. Não sendo adubado, o solo esgota-se, por fim, totalmente, e produz no máximo um pasto ralo. Crescem, então, no planalto, as filifolhas. Constituem um sinal de terreno inteiramente esgotado.

3. O café: plantação, trato cultural e colheita[ 1 ]

O café, como produção única de exportação é a mais importante atividade econômica do colono embora não seja a maior do ponto de vista da superfície. Imprime direção a toda a economia.

Cultiva-se, geralmente café “bourbon” e crioulo. O “bourbon” tem a vantagem de amadurecer mais rapidamente que o outro. O crioulo, entretanto, proporciona rendimentos anuais mais regulares. O “bourbon” floresce na região alta, nos meses de outubro a janeiro, o crioulo nos meses de janeiro a março Só excepcionalmente, cultiva-se café de grão pequeno. Os colonos costumam iniciar a plantação imediatamente após a queimada. As mudas que utilizam são os arbustos de 1 a 3 anos, que crescem, espontaneamente, nos velhos cafezais ou nas proximidades. Alcançar-se-iam melhores resultados com o processo de viveiros, o que exigiria, porém, esforço e atenção especiais; daí talvez, não convir, economicamente, ao dono, que só dispõe de poucos braços.

As mudas são plantadas em filas, que, entre si, distam 3 metros, mais ou menos. Não correm paralelas à base da encosta, mas, perpendicularmente, o que demonstra não se usar o arado, no Espírito Santo. Na região alta, em cujos lugares elevados não se dá bem, prefere-se o lado do sol (o do norte), das encostas; na planície quente, onde a colheita facilmente estorrica, prefere-se o lado da sombra (o do sul).

As possíveis culturas associadas são o milho (de raízes superficiais), o cará, a taioba e a mandioca, sujas raízes, segundo Kaerger, “penetram nas partes do solo que encerram reservas nutritivas para as necessidades futuras do cafeeiro”. Acrescentem-se as batatas doces, que “se têm revelado prejudiciais, brotando, por toda parte, tubérculos, que, ao serem arrancados, podem, facilmente, danificar as raízes do cafeeiro”.

Os cuidados com o cafeeiro quase se restringem a limpar o terreno, com a enxada, de ervas daninhas. No Espírito Santo, essa limpeza realiza-se, em regra, duas vezes por ano (na zona baixa, com freqüência, 3 vezes; na alta, tem havido casos de uma só vez), enquanto em São Paulo se considera necessário executá-la quatro a cinco vezes. Faz parte do trato cultural afastar do cafeeiro, um parasita: a erva de passarinho, assim chamada, porque a semente atinge o cafeeiro, por intermédio dos excrementos dos pássaros.

O colono não conhece a poda. Nem é usual cortar ou serrar as hastes já mortas “embora cortes adequados aumentassem e assegurassem, por mais tempo, a frutificação e prolongassem a existência das árvores”.[ 2 ]

A aradura, como já vimos, é desconhecida. Só excepcionalmente, aduba-se. Recentemente, incentivaram-se experiências de adubação artificial.

Há cafeeiros que já no terceiro ano (em São Paulo no 4º e 5º) começam a frutificar. É o tempo em que na zona baixa, começa, imediatamente, a colheita, que se inicia na região alta, mais tardiamente, no 5º ou 6º ano. O cafeeiro carrega mais entre o 7º e o 20º, havendo, não raro, casos de boa colheita até os trinta anos. Daí em diante, o cafeeiro, vai-se rapidamente, tornando improdutivo.

Não é possível colher o café de uma só vez, pois os grãos não amadurecem a um só tempo. Quanto mais alto for o local da plantação, mais tardia e irregularmente sazonam os grãos, e mais amiudadas vezes tem o colono de se ocupar com a colheita. Assim, a colheita na zona alta dura muitos meses, particularmente os de setembro a janeiro; na baixa, os de maio, junho e julho.

Os colonos derriçam os grãos das hastes, deixando-os cair em peneiras e evitando que os grãos verdes as atravessem. (A colheita se faz muito cedo, enquanto os arbustos estão orvalhados, o que facilita tirar os grãos dos galhos. Naturalmente que esse trabalho em contato com a umidade não é dos mais cômodos). Varrem-se e juntam-se os grãos já caídos, na maioria pretos. São postos em peneiras e abanados, a fim de se livrarem, tanto quanto possível, de corpos estranhos.

Depois, ensaca-se o café, que é carregado, encosta abaixo, até o caminho e daí para casa. O colono traz a carga sobre os próprios ombros e às vezes, utiliza mulas.

O café dá mais frutos nas altitudes medianas. Consideram-se cem arrobas (1.500 quilogramas) de café não descascados, por 100 pés, como excelente colheita. O arbusto isolado fornece, não raras vezes, três a quatro quilos, mas uma plantação nunca atinge, em média, tal resultado. O maior rendimento médio que se alcança é de 2 quilos por pé. Não há colheita dessa importância, em Santa Joana, nem às margens do rio Lamego e do rio Claro. Em Santa Joana, têm-se por boa colheita 1.200 quilos por 1.000 cafeeiros.

Só podem passar com uma colheita de 30 a 50 arrobas, iniciantes ou colonos mais velhos, que não têm mais filhos para cuidar. Produzindo menos, o que excepcionalmente acontece, tem o colono de procurar, possivelmente com a venda do milho, o necessário ganho adicional. Uma colheita de 100 a 150 arrobas constitui a média. Quem colhe 250 a 300, passa por abastado, e rico quem apanha 500 a 600. Um verdadeiro nababo é o que chega a produzir 1.000 arrobas. Quando se ouve falar de um felizardo cujos cafezais forneceriam, anualmente, 2.000 a 3.000 arrobas, trata-se indubitavelmente, de mera fantasia. Uma colheita desse porte não se pode realizar na pequena empresa, mas exigiria o auxílio de forças de trabalho mais numerosas, vindas de fora.

Uma pessoa isolada será capaz de colher, no máximo, duas e meia arrobas por dia, mas assim mesmo, se os cafeeiros carregarem abundantemente. Uma arroba por homem-dia já é uma boa média. Se a colheita, propriamente, não dura mais de 40 a 60 dias, e os pequenos agricultores não dispõem de mais de 6 a 8 pessoas que trabalham, é evidente que o maior rendimento é de 60 x 8 x 2,5 = 1.200 arrobas.

Lembramos que o café consumido, em média, por uma família, no Espírito Santo, importa, mais ou menos, em 5 arrobas por ano. Estimamos que vivam, atualmente, nesse estado 50.000 famílias. Deduz-se daí que a quantidade do consumo interno é de 250.000 arrobas. A exportação, como já vimos, é de 3.000.000. A produção total do estado atinge, portanto, a 3 ¼ milhões.

Relativamente à parte com que concorrem os colonos alemães para essa produção total, não se pode ir além de uma conjetura: Admitamos existir, ao lado das 2.000 famílias evangélicas, 1.000 famílias alemãs de outras seitas, suponhamos haver, por conseguinte, 3.000 sítios nos quais presumiríamos que se colhessem, em média 150 arrobas; daí inferiríamos que os alemães produzem 450.000 arrobas de café. Essa quantidade seria, mais ou menos, a sétima parte de toda a produção do estado.

4. O beneficiamento do café

O café apanhado do chão é posto em água corrente (o que não se dá com o que se colhe dos arbustos). Os corpos estranhos imergern e separam-se das bagas que bóiam, são recolhidas em peneiras e, depois, amontoadas com as não lavadas. As tulhas, assim formadas, se aquecem e as cascas dos frutos racham. O café, a seguir, é espalhado no terreiro e exposto ao sol, a fim de que os invólucros fiquem secos e quebradiços. Quando vem chuva, os colonos juntam o café com pás de madeira e o levam para um barracão.

É índice de progresso possuir um sítio o chamado carro de café, um vagão de secagem com pequenas rodas que deslizam sobre trilhos de maneira que vão dar num alpendre, destinado a proteger o produto contra as chuvas. Esse mecanismo é dispensável na zona baixa, pois, aí, pouco chove. Mesmo na alta, não se encontra freqüentemente.

Após a secagem, pila-se o café, a fim de tirar-lhe a casca. Para isso, usa-se, na maioria dos sítios, o monjolo (daí “mascholle” palavra corrente entre os colonos, originada da corrupção do vocábulo brasileiro monjolo). Assim se designa uma peça geralmente utilizada no Brasil,[ 3 ] a qual aproveita a força hidráulica para a atividade de pilar, e é constituída da seguinte maneira: imagine-se uma trave de balança com um braço terminando em pilão e o outro oco. Neste penetra a água forçando-o a descer, enquanto o pilão sobe. O braço oco, ao abaixar-se, perde a água, e fica mais leve; o pilão cai, então, numa grande cuba, onde está o café para descascar. O tempo do movimento de subir e descer varia com a quantidade de água e com o peso do martelo, sendo, em geral, de 10 a 20 segundos; há, portanto, relativa lentidão. Esse aparelho tem a vantagem de não precisar de fiscalização. Os grãos se libertam dos invólucros, com o pilamento, mas há os que se quebram e os que não se livram completamente da película prateada situada em baixo do pergaminho.

Em empresas grandes utiliza-se em lugar do monjolo, um moinho de pilar, que dispõe de vários martelos, os quais, acionados por uma roda hidráulica, sobem e caem, alternadamente.

Os grãos misturados com as cascas partidas, são, por fim, derramados na peneira plana de palha, a qual é sacudida, o que faz separarem-se, facilmente, dos grãos, as cascas, que são mais leves. A peneira, nas grandes explorações, é substituída por um ventilador, construído do mesmo modo que a máquina de limpar cereais, na Alemanha, diferençando-se, apenas, no traçado feito de acordo com o grão de café.


5. O milho e a abóbora

O milho é cultura:

1. principal, a que se associa a da abóbora;
2. acessória à plantação de café (1 a 2 colheitas);
3. raras vezes, de terreno de pasto.

Inicia-se o plantio, fazendo-se buracos com a enxada, distantes um passo, mais ou menos, uns dos outros, recebendo, cada um, 4 a 5 grãos e sendo, depois, cobertos de terra.

É boa colheita, a multiplicação do grão por 150, e muito boa, a multiplicação por 200, Entre os holandeses, em Santa Leopoldina, onde o terreno é menos fértil, entre 50 a 100 vezes a quantidade de grãos semeados. Um colono colhe, de modo geral, 50 a 100 sacos (de 80 litros, cada um). Alguns se aproveitam para fazer pão, e os outros se destinam à alimentação dos animais. Durante os primeiros anos do sítio, enquanto os cafeeiros não frutificam, vende-se milho, que, nesse período, constitui, em regra, a mais importante fonte de receita. Mais tarde, só se cultiva para as próprias necessidades.

O milho, apenas debulhado, serve para a alimentação dos animais. A debulha faz-se, freqüentemente, a mão. Há colonos que simplificam o trabalho, utilizando uma debulhadeira, um aparelho agora introduzido, que se roda manualmente. Dá-se o milho cru ao gado, como a aveia, em países europeus, à qual substitui, no Espírito Santo. Cozido alimentaria melhor, segundo opina Kaerger. Eventualmente, a palha de milho é empregada para alimentar os animais. Desfiada, presta-se para encher colchões.

Um moinho, existente em todos os sítios, impulsionado por força hidráulica, faz o fubá de milho, utilizado na preparação do pão. A água percorre uma calha que se vai estreitando na medida em que se aproxima da turbina; esta impulsiona um eixo em posição vertical. Esse atravessa uma mó fixa, na qual fricciona outra mó, presa à extremidade superior do eixo que a move. A mó superior é perfurada, a fim de que o funil introduza os grãos que vêm de um recipiente, colocado acima.

Sempre se cultiva a abóbora junto com o milho. Após a apanha do milho, colhe-se a abóbora, o que se faz no inverno, quando há tempo seco conforme forem exigindo as necessidades. A utilidade principal da abóbora é alimentar os animais.

6. Os tubérculos

A mandioca – Distingue-se a doce da venenosa, amarga (aipim e mandioca brava). No Espírito Santo, cultivam-se ambas as espécies. Dão-se poucos cuidados a esses rizomas. O terreno não é preparado por arado, nem por enxada, nem por grades. Na zona baixa, planta-se a mandioca, sempre que possível, em terreno muito queimado: enterram-se tanchões, de 10 a 15 centímetros de comprimento, com vários olhos, a uma distância de 30 centímetros a 1 metro, uns dos outros, em buracos feitos a enxada; na região alta, planta-se, geralmente, a distância menor. A época do plantio é a segunda metade do inverno.

Os tratos culturais se restringem, na região baixa, a eliminar, com a enxada, a erva má; terminam depois de três a quatro meses, quando a planta sombreia bastante o campo. Na zona alta, sacha-se até que os tubérculos brotem. Mas, depois, ainda se monda. Passado um ano, decapita-se a mandioca brava, para incentivar o desenvolvimento dos tubérculos.

Na zona baixa, a colheita começa em fevereiro; na alta, em abril. Mas não se realiza de uma só vez; arrancam-se as raízes de acordo com as necessidades. Em Jequitibá, o aipim dá, depois de dois anos, 1 a 3 quilos de tubérculos por planta; após quatro anos, dois a quatro quilos; lugares baixos 3 a 6. A raiz da mandioca brava é, geralmente, mais pesada. Decorridos quatro anos, deve-se desarraigar o aipim; e cinco anos, a mandioca brava.

O aipim é um sucedâneo da batata. Como esta, cozinha-se e come-se. A mandioca brava é transformada em farinha, utilizando os colonos, um processo comum em todo o Brasil: os tubérculos são lavados, raspados, enxaguados e, a seguir, comprimidos de encontro a um ralador, em movimento giratório, que os converte em massa pastosa. Esta é levada a uma prensa de madeira, que dela extrai o suco, portador de ácido cianídrico. A prensa tomou o lugar do antigo tipiti, um traçado de palha comprido, em forma de lingüiça, ainda hoje usado por certos colonos. Estes enchem-no de pasta de mandioca e o dependuram, de modo que o suco venenoso se escoe. Depois, leva-se a massa a um tacho; ai é assada, transformando-se em farinha, que, em geral, se come com feijão. O suco escoado é passível de aproveitamento recolhendo-se a um vaso, onde, após algum tempo, se deposita uma fécula, a tapioca. No Espírito Santo, ela não tem aplicação alguma.

Taiá ou taioba — Há a taioba branca e a amarela. As amarelas têm hastes azuis, as folhas e a casca do tubérculo, azuladas. São chamadas de amarelas, porque o tubérculo, depois de descascado, é amarelo como a cenoura, à qual se assemelha em gosto. Prefere terreno argiloso, de vale, frouxo e areento, e exige mais umidade que o aipim. Planta-se (na região alta, em setembro; na baixa, em outubro), sempre que possível, em terreno bem queimado, à distância de cinqüenta centímetros. Os tratos culturais consistem em limpar o terreno a enxada, e, mais tarde, em mondar, de vez em quando. O mais tardar, após um ano, os tubérculos têm de ser colhidos. Mantêm-se bem conservados como a batata. É costume fazer-se a colheita depois de 7 a 9 meses.

O inhame só dá bem à beira d’água. Planta-se, de preferência, à margem de rios e riachos. Nos lugares baixos, quase não é cultivado. O plantio realiza-se em setembro e outubro. Seis meses depois, os tubérculos já estão maduros; durante vários anos, podem ser colhidos em qualquer ocasião. No Espírito Santo, serve, exclusivamente, para alimentar os animais.

A batata doce desenvolve-se em qualquer parte, sem apresentar, quase, incompatibilidade com nenhum terreno. Suporta muita chuva. Planta-se sempre que possível, em terreno queimado, à distância de 50 centímetros a um metro. Os sarmentos desempenham o papel de tanchões; a planta não provém do tubérculo. Faz-se o plantio em fevereiro, março e setembro. Três a seis meses depois, colhe-se a batata.

O cará requer terreno úmido e prefere a planície. Planta-se em setembro e outubro, e colhe-se seis meses depois. Sua utilidade principal é a de alimento para os animais; às vezes, substitui a batata, quando, geralmente, serve de complemento ao pão.

O amendoim cultiva-se na planície, em terreno arenoso. Come-se, em regra, cozido; às vezes, cru. É muito apreciado pelos italianos e brasileiros.

Com algum amanho, as batatas inglesas dão bem no planalto; mas, são pouco plantadas, pois o cultivo dos outros tubérculos exige menos esforço. Daí serem importadas.

7. As outras culturas

Feijão preto — Às vezes, é cultivado juntamente com o milho, o que, entretanto, não convém. Como o milho, exige terreno limpo e queimado, porém menos umidade. Associado à farinha de mandioca, constitui o prato nacional brasileiro.

“O crescimento dura, apenas, três meses. Por isso, em regra, basta mondar uma vez”. O plantio é rápido. Com uma enxada fazem-se buracos, trinta centímetros distantes uns dos outros, lançando-se neles quatro a cinco grãos ou, eventualmente, seis a sete, em seguida, levemente cobertos com terra”.[ 4 ]

Chuchu — Trepadeira que dá frutos, que têm uma carne semelhante à do pepino constituindo um legume.

Bananeira — Nos lugares baixos, é onde melhor se desenvolve; na zona alta, ainda proporciona bons resultados. O colono planta-a quando começa a organizar seu sítio. A bananeira não requer amanho e dura muito. Há as bananas que se comem cruas, as de cozinhar e as de assar. É também empregada na preparação de vinagre.

O fumo consumido é, na maior parte, importado. É provável que se aclimatasse bem em todas as regiões do estado, mas apenas na parte baixa é cultivado, assim mesmo em escala reduzida, para uso próprio.

A cana de açúcar plantada na zona alta destina-se, exclusivamente, à alimentação dos animais; a da região baixa aproveita-se, também, para a fabricação de açúcar. A plantação obedece a processos muito primitivos. Cavam-se buracos, distando, entre si, 1,20m a 1,50m; neles se metem hastes de cana, desfolhadas, com 20 a 30 centímetros de comprimento. Cada buraco recebe dois tanchões. Corta-se cana, durante muitos anos, sem nova plantação.

O plantio é em outubro e novembro.

A fabricação do açúcar, como a cultura da cana, seguem métodos muito primitivos; daí só se conseguir um produto muito grosseiro, a rapadura. Inicialmente, a cana é levada à prensa. Esta é formada, em regra, de dois ou três rolos de madeira, em posição vertical, postos em movimento por boi ou cavalo. O caldo que se escoa é coado em sacos, depois trazido para um grande tacho de ferro e aí cozido, durante três horas, mais ou menos, sendo mexido, ininterruptamente, até ficar espesso. Retira-se a espuma, mexe-se a substância pastosa até esfriar, a qual se vaza, por fim, em fôrmas. Seria conveniente fabricar o açúcar por meio de uma cooperativa. Há planos adiantados, em Vinte e Cinco. Mas, à realização se opõem grandes dificuldades. É indiscutível que a produção atual só chega para as próprias necessidades.

Na planície, o arroz poderia ser plantado em larga escala. O Espírito Santo importa esse produto, embora tivesse meios para cobrir plenamente o consumo interno.

Frutas — As principais espécies cultivadas pelos colonos são: laranja, tangerina, mamão, pêssego, ameixa, amora, melancia, goiaba, manga (especialmente nos lugares baixos) e cocos (só nos lugares baixos).

8. A criação

O gado bovino — É estimável em 10 cabeças a quantidade de gado, possuída, em média por cada colono; existem sítios com 2 a 3 cabeças, e outros, com 20 a 30. Há ainda, casos menos freqüentes de colonos que dispõem de maior número. Nas regiões montanhosas, a pecuária, em geral, só a muito custo, tem-se desenvolvido. Os bezerros morrem facilmente. Lavra a praga de um moscão, cuja larva ataca a pele do gado, desvalorizando o couro e molestando muito o animal.

O gado progride excelentemente na zona baixa onde os pastos são melhores, e se encontram áreas planas maiores. A reprodução anual é quase infalível; as vacas parem vários bezerros, de 11 em 11 meses. O gado cresce com mais rapidez e fica mais pesado que no planalto. Daí explorar-se a pecuária em escala mais larga. São freqüentes rebanhos de 40 a 60 cabeças. Há, ainda, os de 100 a 200; são raros, porque ultrapassam as restritas possibilidades de venda.

Tanto na zona alta como na baixa, produz-se leite, quase que exclusivamente para as necessidades caseiras. Uma boa vaca fornece cerca de 6 litros; excepcionalmente, muito mais. Consome-se leite, principalmente sob a forma de queijo e de manteiga; dá-se coalhada aos porcos. Um ou outro colono vende laticínios aos vendeiros. Recentemente, enviou-se manteiga para Vitória, mas, em pequena escala. Há a importação de manteiga e queijo, de Minas Gerais.

Os bovinos são pouco empregados em tração e, assim mesmo, só na região baixa. Para o corte escolhem os machos, raramente vacas.

Na zona alta, uma boa vaca leiteira, custa 100 a 150 mil réis; na baixa, é mais barata por unidade de peso; entretanto, atinge, muitas vezes, um valor de 200 mil réis em virtude de um peso total maior. Uma vaca, sem leite, custa, em Campinho, 70 a 80 mil réis. Tanto na região alta, como na baixa, a arroba (15 quilos) de carne é avaliada em 7 mil réis. Na zona baixa, uma arroba de animal vivo custa 5 mil réis. Por um quilo de manteiga, os colonos exigem, na planície, um a um e meio mil réis; na região alta, 2 mil réis; os vendeiros cobram um pouco mais. Não se vende carne de vitela.

Porcos — Cada colono tem, em média, 20 a 40 porcos. As varas são maiores na região baixa, mas, raramente, vão além de 100 cabeças.

No primeiro ano, dá-se-lhes forragem; há, também, os suínos que pastam livremente. Passado um ano, alguns tipos estão aptos para a ceva; outros, só após decorrerem dois anos. Cevam-se os porcos com milho, coalhada, batatas, aipim, mamão, abóbora e folhas, como forragem. O milho e a abóbora são excelentes alimentos de engorda.

Os porcos alcançam, em média, um peso de 10 a 15 arrobas. Pelo número de cabeças das varas deduz-se que parte delas destina-se ao mercado. Uma arroba de carne de porco com toucinho custa, em média, 9 a 10 mil réis; pelo toucinho puro cobra-se um a 2 mil réis mais. Enquanto o preço da carne de vaca não oscila, em virtude de não haver necessidade de ceva, o preço dos suínos varia muito, dependendo, principalmente, da colheita de milho. Este é mais caro na região alta. Em lugares baixos, sem comunicações, verificou-se o preço de 2 ½ mil réis por 80 litros. Desde que existe ligação férrea, o milho custa, na zona baixa, 6 a 8 mil réis, e, na alta, 8 a 10 mil réis.

Aves — Criam-se gansos, perus, galinhas d’angola, patos, pombos. As aves se desenvolvem muito bem. Embora não sejam freqüentes epizootias, quando ocorrem, manifestam-se violentas. Por ocasião de uma delas, um vendeiro perdeu 30 muares, em poucos dias. Desconhece-se a aftosa. Às vezes, lavra peste entre as aves, dizimando-as, mas a criação se reconstitui depois rapidamente.

Pastagens — Não há semeadura de capim, excetuando o de Minas. Semeia-se ou planta-se o capim, às vezes, associado à cultura do milho. Organizam-se melhor as pastagens em terreno bem queimado, que estará, assim, protegido por vários anos, contra as ervas ruins. Os velhos cafezais são aproveitáveis para se fazerem pastagens.

Em 1913, o município de Santa Isabel, segundo informou o prefeito, possuía:

7.800 bovinos
3.200 eqüinos
6.100 jumentos e muares
950 ovinos
20.500 suínos
Total 38.550 cabeças

9. A construção

Entre as atividades do colono, está a de erigir, em seu sítio, a casa e os outros abrigos necessários à exploração agrícola. Conta com a ajuda dos vizinhos para as construções.construções.[ 5 ]

Vejamos como se edifica a moradia. São indispensáveis madeiras de lei, cujo cerne resista à podridão e aos insetos, como o jacarandá, a garaúna, o ipê, que se encontram na zona alta; ou como o guarabu amarelo, a peroba e a sapucaia, de que se dispõe na região baixa. Lança-se mão, em primeiro lugar, dos troncos e galhos que remanescem da queimada. Mas, essa madeira, em geral, não basta. O colono é forçado a buscar o que falta na floresta.

Aparelham-se as árvores onde caem, no momento da derribada. O colono, com o auxílio dos vizinhos e sem o emprego de animais, ora as carrega, ora as arrasta, até chegar ao local da construção, utilizando, como cordas, lianas, tiras de córtex, ou hastes de juçara, amolecidas ou flexibilizadas à custa de golpes. É um trabalho duro esse transporte em terreno, muitas vezes, acidentado; oferece perigos. Já lesou o tórax e o espinhaço de diversos colonos.

Cortam-se de madeiras leves, da floresta, as tábuas e telhas de madeira necessárias à construção. Para a feitura de tábuas, emprega-se mais, na zona alta, o cedro brasileiro e, na baixa, o jequitibá; a garaúna, a peroba etc. prestam-se para a confecção de ripas. Os colonos serram toros, com 20 a 25 polegadas de comprimento; deles, cortam telhas de madeira com 8 polegadas de largura e 1/2 de espessura. Aplainam-se as irregularidades, a machado ou a facão. Provêem-se as telhas de cavilhas. Agora, também se usam pregos, mais fáceis de cravar, com a desvantagem, porém, de enferrujar.

Trazida a madeira para o lugar da construção e concluídos os trabalhos de carpintaria, começa-se a edificar a habitação. A moradia tem, em média, 8 a 10 metros de comprimento, 4 a 6 de largura; os quartos, por dentro, têm uma altura de 2 ½.

Fincam-se 4 a 6 mourões, com a grossura de 30 a 40 centímetros por 30 a 40 centímetros, ligados em baixo (1/2 a 1 metro acima da terra) por vigas, com 0,20m a 0,30m x 0,20m a 0,30m, e, em cima, por traves, igualmente grossas. Estas vinculam-se com aquelas, por meio de paus, de 0,20m x 0,20m de grossura, de antemão providos com ferrolhos para as portas e janelas. Põem-se travessas sobre as vigas e as traves, assentando-se, depois, sobre estas, a cumeeira e o madeirame do teto.

Armada a casa, os colonos cobrem-na com as telhas de madeira. Pregam o soalho. Fazem o esqueleto das paredes, um engradado de juçaras e fasquias de madeira, e, a seguir, encaixam as janelas com as respectivas molduras, e as portas.

Entaipam as paredes. Nessa ocasião, enquanto uns preparam o barro, outros, do lado de dentro ou de fora, jogam-no, com as mãos, à parede, alisando-o. Todo esse trabalho se realiza num dia. Fica faltando o reboco; irá encobrir as fendas que resultarem da secagem do barro. Após a segunda secagem, caia-se. Constróem-se, mais tarde, a varanda, as escadas e as paredes internas, multas vezes, simples tabiques.

Quando se vende a terra, avalia-se uma casa dessas de 500 a 700 mil réis. As moradias dos italianos distinguem-se das dos alemães pelo estilo do telhado. Há suíços que fazem casas semelhantes às cabanas alpinas, nas encostas mais íngremes. Os pomeranos preferem local plano.


10. O ano agrícola

Vejamos como os trabalhos se distribuem durante o ano. As atividades ordenam-se, mais precisamente, na zona baixa, onde a colheita se realiza num período definido e breve. Aí, há margem para as seguintes especificações:

1. Desbravamento (derrubada e queimada): meados de julho até fins de setembro. Duração: dois longos meses. Trabalho árduo.

2. Plantação: fins de setembro até meados de novembro. Duração: 5 a 6 semanas. Trabalho predominantemente leve; esse espaço de tempo tem de ser, muitas vezes, reduzido, em virtude das chuvas.

3. Tratos culturais, especialmente operações de limpeza: começo de novembro até meados de dezembro. Duração: 4 a 5 semanas. As tarefas são bem leves embora desagradáveis, por causa do calor, particularmente quando se cuida de milho já bastante crescido.

4. No período mais quente, os colonos trabalham na lavoura: meados de dezembro a fim de fevereiro. Ocupam-se de concertos em casa e no sítio; organizam currais, cercas; fazem móveis e utensílios (mesas, cadeiras, recipientes), monjolos. Não havendo construções importantes a levantar, aproveita-se o tempo para descanso.

5. Colheita. Segunda quinzena de fevereiro: arroz; março, abril: milho, que se apanha com a maior rapidez possível, a fim de os pássaros e outros animais não comerem os grãos. Colhe-se café em maio, junho e julho e, conforme as circunstâncias, também em agosto; o mês principal é o de junho. Entretanto, há alguns dias dedicados a outras colheitas: taioba, etc.

A semeadura de feijão interrompe a época da colheita. Então, é comum plantar-se um pouco de aipim. É muito freqüente, nessa ocasião, o plantio do café. Excepcionalmente, empreende o colono, em fevereiro, nova derrubada.

O ano agrícola do planalto diverge um pouco. Em princípio, quanto maior a altitude e mais frio o clima, mais cedo se iniciam a derrubada e a plantação e mais vagarosamente decorre a colheita.

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NOTAS

[ 1 ] Vide Kaerger, págs. 288 e seguintes. Wernicke, págs. 54 e seguintes.
[ 2 ] Fesca, pág. 220.
[ 3 ] Os alemães, no sul, chamam-no, ainda, de “negro preguiçoso” (fauler Neger). O monjolo proveio do pilão, “que, até hoje, não falta em nenhum lar brasileiro, uma peça, metade da altura de um homem, de madeira dura, com uma cavidade feita com uma talhadeira ou a fogo. Com a mão de pilão, um machucador, executam-se operações de despedaçar e descascar.
[ 4 ] Kaerger, p. 45.
[ 5 ] Vide mutirão, cap. V, 4.

Ernst Wagemann (autor) nasceu em 18 de Fevereiro de 1884, em Chañarcillo, Chile, faleceu em 20 de Março de 1956, em Bad Godesberg, Alemanha. Foi economista político e estatístico muito atuante na Alemanha a partir dos anos de 1920. Para mais informações sobre o autor clique aqui.

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