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A colonização alemã no Espírito Santo – Terceira parte: O modo de vida (VIII)

Venda de Karl Bullerjahn, em Santa Maria de Jetibá [In WERNECKE, Hugo. Viagem pelas colônias Alemãs do Espírito Santo. (tradução Erlon José Paschoal) Vitória: Arquivo Público do Espírito Santo, 2013, p.107]

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Capítulo VIII — A salubridade

1. A situação sanitária, outrora e atualmente

O livro de igreja de Campinho nos fornece um material que lança alguma luz sobre o estado de saúde, naquela época. Até 1860, houve 34 óbitos para 73 nascimentos, e no decênio 1901 a 1910, 127 para 731 nascimentos.[ 1 ] Outrora, a malária, a febre amarela, o tifo, a disenteria e a opilação grassavam entre os colonos. Multas mulheres morriam de sobreparto. Picadas de cobra e desastre durante a derrubada ocasionavam mortes.

Contribuíram para modificar, favoravelmente, a proporção entre nascimentos e mortes, vários fatores: as condições econômicas melhoraram, atenuaram-se as carências, suavizou-se o trabalho, tornou-se menos úmido o clima em virtude do afastamento das matas, os mosquitos e outros transmissores foram desaparecendo progressivamente. Demais, a adaptação gradual ao clima e a outras condições terá desempenhado, no caso, um papel efetivo: os que nasceram na região, como é de supor, são menos sensíveis a certas influências prejudiciais. A propósito, basta lembrar quão difícil foi para o primeiro colono acostumar-se com o prato brasileiro, feijão e farinha de mandioca.

Hoje, as condições demográficas na parte montanhosa do território das colônias representam algo extraordinário. Em que parte do mundo, os nascimentos estão para os óbitos numa proporção de 6:1, como lá se verifica; em que parte do universo, a razão de óbitos não ultrapassa de 8%, quando a de nascimentos é de 48%?


2. A mortalidade segundo períodos de vida

A tabela abaixo mostra-nos como se distribuem os óbitos pelas diversas classes de idade:

Números absolutos[ 2 ] – Decênio 1901 a 1910

Morreram Campinho (pessoas) Santa Leopoldina (pessoas) Jequitibá (pessoas) Califórnia (pessoas)
Com menos de 1 ano 20 14 63 31
Entre 1 a 10 anos 13 11 62 38
Entre 11 e 60 anos 49 29 104 33
Com mais de 60 anos 43 28 77 35
Soma 125 82 306 137
Total (127) (83) (308) (137)

Os números entre parênteses, debaixo das somas, perfazem os totais de óbitos;[ 3 ] os livros das igrejas não anotaram, em alguns casos, o ano de nascimento, de modo que as mortes correspondentes não puderam ser incluídas numa das classes de idade. Esses dados não são tão dignos de confiança como seria de desejar, e, desse modo, também os cálculos seguintes têm valor limitado.

Números percentuais – Década 1901 a 1910

Em 100 falecidos, tinham Campinho Santa Leopoldina Jequitibá Califórnia
Menos de 1 ano 16,0 17,1 20,6 22,6
1 a 10 anos 10,4 13,4 20,3 24,1
11 a 60 anos 39,2 35,4 34,0 24,1
Mais de 60 anos 34,4 34,1 25,2 25,6
Total 100,0 100,0 100,0 100,0

Em média, 20% de todos os falecimentos na região alta são de crianças com menos de um ano. Na Alemanha, em 1912, para citar esse ano, essa taxa foi de 27%. A comparação ressalta mais favorável ao Espírito Santo, quando se focalizam as relações quantitativas entre esses óbitos e os nascimentos.

Decênio de 1901 a 1910

Comunidade Óbito de crianças com menos de 1 ano Nascimentos %
Campinho 20 731 2,7
Santa Leopoldina 14 497 2,8
Jequitibá 63 1.343 4,7
Califórnia 31 734 4,2

Na Alemanha, entre 100 nascidos vivos, falecem, no primeiro ano, 15 a 20. Imaginemos só o que representa essa diferença! Parece que estamos tratando com seres de estrutura diversa. Ou os números nos estarão enganando? Mesmo, porém, que se aceitassem, para o Espírito Santo, em lugar de 2,7 a 4,2, 5% o que já é, sem dúvida, exagerado, mesmo assim, ter-se-ia uma taxa surpreendentemente baixa.

Se ordenarmos as comunidades tendo em vista a mortalidade infantil, veremos que esta cresce com a altitude: na comunidade mais alta, Jequitibá, os lactentes morrem em proporção maior. A seguir, vêm, na ordem inversa da altitude e da mortalidade infantil, Califórnia, Santa Leopoldina e Campinho. Não pretendo provar com os números citados, nem mesmo dentro de certos limites, que a probabilidade de óbitos de recém-nascidos aumenta com a altitude, embora me dissessem que as fortes variações de temperatura da região alta são muito desfavoráveis à saúde dos lactentes.

A mortalidade das crianças entre 1 e 10 anos, no Espírito Santo, é relativamente elevada; e o período mais arriscado é o que medeia entre o segundo e o quinto ano de vida. Os meninos em idade escolar raramente morrem. Na Alemanha, a mortalidade no período de 1 a 10 anos importa, aproximadamente, em 10% da mortalidade total, ou seja, em cerca de 6% do número de nascimentos; no Espírito Santo, alcança 20% da mortalidade total, o que representa 3 a 4% da quantidade de nascimentos.

A composição quantitativa da mortalidade já indica que muitos colonos atingem idade avançada. Como na Alemanha, 30% dos falecidos, no Espírito Santo, chegaram a idade superior a 60 anos; isso significa que, no Espírito Santo, um número relativamente maior de pessoas alcança idade avançada, uma vez que, nesse estado brasileiro, em virtude da alta natalidade, a classe dos idosos tem, proporcionalmente, muito menos representantes que na Alemanha. Conheci um bom número de colonos, com 70 a 80 anos, bastante vigorosos.

3. As doenças

Faltam, lamentavelmente, sobre o assunto, informações de médicos, e, assim, temos de nos contentar com os dados fornecidos pelos párocos.[ 4 ]

Nos livros das igrejas, estão registadas como as causas mais comuns da mortalidade infantil, convulsões e gastroenterite. Admira que a gastroenterite tenha ocasionado tão poucas perdas, quando há lactentes de três, quatro meses, que se alimentam não com leite, mas com feijão, macarrão e café. Ou, deveria ser essa a verdadeira dieta? Há o mau costume de ministrar aguardente às criancinhas’ para adormecê-las,[ 5 ] o que, talvez, dê origem, nalguns casos, a convulsões. Os meninos são, freqüentemente, atacados de coqueluche. A difteria é muito rara.

Embora a população brasileira do Espírito Santo tenha sido, de quando em quando, vítima de terríveis epidemias,[ 6 ] foram poucos os colonos alemães atingidos por elas, principalmente na região alta. Em 1894 e 1895, por exemplo, alastrou-se, em Vitória e Porto do Cachoeiro, a febre amarela. Muitos europeus que residiam nessas cidades sucumbiram à epidemia, mas os colonos, com poucas exceções, foram poupados. Pouco depois, difundia-se a cólera morbo por Cachoeiro do Itapemirim e por toda a parte meridional do estado, não se internando, porém, na zona de colonização teuta. Na mesma ocasião propagava-se a varíola, especialmente na capital; penetrou nas colônias alemãs, ceifando, todavia, poucas vidas. Não consegui saber se os párocos, então, aplicaram vacinas, como o fizeram, há alguns anos, quando reapareceu o perigo.

A malária e a disenteria podem ser classificadas como doenças tropicais endêmicas, no território das colônias. Aparecem, de ordinário, nos lugares baixos. Principalmente na planície, ocorrem casos de moléstias cardíacas, decorrentes de febres, ou provocadas pela extenuação a que, facilmente, leva o trabalho do campo, no clima quente e úmido. As outras causas mais freqüentes de morte, tanto na região alta como na baixa, são: tifo, câncer e febre puerperal. Por fim, cabe lembrar que não poucos óbitos foram motivados por picadas de cobra. Em virtude do grande número de serpentes venenosas, nativas, das quais a mais conhecida é a surucucu, uma cobra de chocalho,[ 7 ] não são raras as mordidas nos colonos, que, ordinariamente, andam descalços. Na maioria dos casos, a vítima se salva.

Só muito esporadicamente surgem casos de tuberculose, segundo me informaram. A insolação é desconhecida. Parece não existirem doenças sexuais.

No começo da colonização, ceifou muitas vidas, principalmente entre os menores, a ancilostomíase, chamada no Brasil opilação, causadora de profunda anemia. Ainda está um tanto difundida; entretanto, não é mais perigosa à vida em virtude do progresso da medicina.

Merecem menção as chamadas feridas do clima (Klimawunden), um sofrimento, sem conseqüências graves, que ataca todo recém-chegado da Europa. Primeiro, formam-se, geralmente nas pernas, pequenas pústulas que coçam muito. Inflamam, assumindo um aspecto furunculoso, e, depois, arrebentam cheias de pus. Então, constitui-se uma crosta de 1 a 5 milímetros de espessura. Pela sua orla começa a sair um líquido purulento; a crosta desprende-se, e a carne fica à mostra, tomando o local a feição de uma cratera. Essa escorrência estanca; a seguir, a orla volta a umedecer. Esse fenômeno repete-se várias vezes, e as feridas chegam ao tamanho de um marco e de um taler. Essa doença da pele não é perigosa, mas muito incômoda, durando, freqüentemente, vários meses. Muitos opinam que ela é provocada pelos carrapatos (na linguagem dos colonos, Karabatten), que se pregam à pele do próximo. A cura, segundo a idéia dominante, é sinal de completa aclimatação; daí o nome de “feridas do clima” (Klimawunden).

Além dos carrapatos, fazem parte das pequenas pragas da região, os “bichos de pé” que têm o mau hábito de se aninhar debaixo das unhas do pé, donde são retirados, muitas vezes, com dor. Representam uma dessas ninharias que, atuando conjuntamente, roubam todo o prazer à existência terrena, mesmo que as vítimas sejam colonos, de sensibilidade pouco desenvolvida.

4. A higiene

Nas colônias alemãs, não se encontram médicos nem parteiras. Nas cidades, em Porto do Cachoeiro e Vitória, não faltam médicos brasileiros; não viajam para as zonas rurais e só fazem exceção a essa regra mediante honorários que, nos casos mais simples, importam em 300 a 500 mil réis, e não é possível cobrar quantias menores, pois uma visita custa um ou mais dias de jornada. Essas importâncias, para o colono, são exorbitantes; além disso, seria muito provável que o médico chegasse tarde demais.

O papel do médico tem, assim, de ser exercido pelo pároco, ou pelo vendeiro, ou por um colono prático na matéria; todos eles só aplicam simples remédios caseiros. Uma das figuras características da colônia é o “doutor das cobras” (Schlangendoktor), que Wernicke pinta em traços interessantes, como segue: “Há algumas pessoas, espalhadas na colônia, que conquistaram a faina de possuir uma habilidade estranha para curar picadas de cobra. Na sua área de ação, congregam, em torno de si, uma clientela; cada cliente paga uma anuidade de 2 a 4 mil réis, pelo que se obrigam a tratar deles, em caso de necessidade, sem pagamento extra. O doutor das cobras é, por assim dizer, uma espécie de médico de caixa, social. Um ou outro deles é olhado com certo temor supersticioso, como se tivesse feito um pacto com o diabo, o senhor das cobras, inimigas do homem, e contam-se estranhas histórias de seu imaginário poder, sobre representantes vivos e mortos do reino das serpentes; o doutor da cobras, a seu turno, esforça-se, às vezes, por se cercar de um nimbo misterioso”.

A terapêutica racional, com a aplicação do soro anti-ofídico, preparado pelo afamado instituto ofídico de São Paulo, é quase desconhecida entre os colonos. Conforme apurei, é muito difícil obter o soro, em virtude da produção cobrir, apenas em parte, a procura existente.

O tratamento que se dá aos doentes viola todas as regras de higiene. Durante a enfermidade, não se muda a roupa de cama com mais freqüência que de ordinário, a qual pode, assim, permanecer a mesma, durante vários meses. O quarto do enfermo continua a servir de compartimento de dormir para outros membros da família; as janelas se conservam cuidadosamente fechadas, apesar do clima ameno. A alimentação não se altera em nada: constitui-se dos mesmos pratos pesados com que se nutre o indivíduo são. Vigora, por parte dos vizinhos, o costume irracional de cumular o enfermo de visitas, esteja ele em estado grave ou desenganado, a fim de se informarem como vai passando; nessa ocasião, conforme as circunstâncias, se fala da maneira mais natural, do próximo desenlace.

São péssimas as condições higiênicas. Não há latrinas. As fezes, em muitos sítios, são lançadas na água corrente, A construção de chiqueiros e tanques para patos junto aos rios facilita que se espalhem epidemias.

É enorme o consumo de álcool. Bebe-se, principalmente, uma aguardente extraída da cana de açúcar, a cachaça (Kaschass, na linguagem dos colonos).

Também se gasta muita cerveja; quase não se consome vinho. Todavia, a aguardente e a cerveja não se tomam, de ordinário, em casa nem durante o trabalho. O consumo de bebidas se limita, costumeiramente, a determinadas ocasiões. Estas, porém, apresentam-se numerosas; a simples visita a uma venda e o ajuntamento já legitimam plenamente uma pinga.

Conhecidos beberrões, dos tais que destróem o bem estar e a vida tranqüila da família, os há em toda comunidade; na de Santa Leopoldina, por exemplo, entre os seus 120 membros, uns três ou quatro; a esses teremos de acrescentar mais três ou quatro, se computarmos aqueles que, bebendo muito, insultam e armam barulho, mas não levam o lar à ruína. Os colonos reputam Santa Cruz, situada na planície, a comunidade mais “afogada”; soube que lá existem beberronas notórias.

Em face de tudo isso, como explicar o nível de saúde, extremamente alto, da população teuta, no Espírito Santo? O uso do álcool, em virtude do trabalho pesado e da vida simples do campo que pouco exige do sistema nervoso central, parece que não traz às funções orgânicas, prejuízos apreciáveis. E os perigos da sujeira se nos afiguram sem monta, quando pensamos no isolamento dos sítios, no ilimitado espaço de que dispõe cada família; o, que, nas cidades, seria um crime contra a saúde pública, no mato, é, a bem dizer, apenas uma ingênua violação da estética. Já é mais difícil de compreender que o tratamento precário dado aos doentes e a ausência de médicos e parteiras não tenham conseqüências. Poder-se-ia argumentar que essas condições proporcionam uma seleção sadia, e lembrar, por exemplo, que biólogos expressaram o temor de a capacidade de parir ser enfraquecida progressivamente, em virtude de um desenvolvimento desmesurado da técnica obstétrica. Mas, os alemães se radicaram no Espírito Santo, ha duas ou três gerações apenas, e, desse modo, estariam longe de se tornar perceptíveis os resultados de unia melhor seleção biológica. Em todo caso, não há dúvida de que os teutos que imigraram para o Espírito Santo eram um material humano muito sadio. Por certo, a vida simples, distante do mundo agitado, a existência uniforme, a alimentação e o sono satisfatórios, o trabalho na justa medida, só raramente excessivo, aproximam a vida do colono, em vários aspectos, do ideal de um sanatório naturista, e compensem os muitos pecados contra os preceitos de higiene. Demais, não se verificam doenças sexuais e suas conseqüências.

Por mais que procuremos as causas de um nível de sanidade tão alto, não conseguimos descobrir outro fator além do clima.

5. A influência do clima

Poucas regiões da terra serão tão propícias à saúde humana como a parte alta, coberta de matas, do Espírito Santo. Aí, o calor do dia, não é excessivamente úmido e predominam as noites amenas; no inverno, os períodos frescos de chuva atuam benfazejos, compensando as semanas abafadas do verão.

O aspecto dos habitantes atesta a benignidade do clima.

Os garotos são vivazes e bem desenvolvidos. Suas faces, talvez um pouco amorenadas e menos róseas que as dos filhos de nossos camponeses, nada têm de doentio.

Os homens, no porte, no tamanho e na expressão fisionômica, tendem a um abrasileiramento. Lamberg não reproduz o tipo do colono teuto, no Espírito Santo, quando fala dos ossos de mamute dos pomeranos que lá encontrou.[ 8 ] Os colonos são magros e esguios, talvez menores que seus pais, mas possuem formas musculosas e possantes. É duvidoso que sua eficiência seja menor que a dos antepassados. Diversas pessoas na região procuram atribuir essa modificação física ao consumo de aguardente e ao vício de fumar, difundidos entre os rapazes. Com mais razão, talvez, ver-se-ia nesse fenômeno uma decorrência da adaptação à terra, ao trabalho na floresta, à alimentação diferente.

As moças não adquiriram nada da graça e faceirice indolentes das brasileiras, o que me parece uma conseqüência de trabalharem, pesadamente, no campo, ao lado do homem. Permaneceram pelo menos, tão robustas e fortes quanto eram suas mães e avós. Foi difícil verificar se o clima apressa o desenvolvimento sexual. Parece ser realmente o caso. Segundo averigüei, em Campinho, a colônia mais velha, em cuja formação predominaram renanianos, a puberdade surge, ordinariamente, entre os 12 e 13 anos; entre os 13 e 14, com certa freqüência aos 15 e, esporadicamente, aos 12, nas comunidades mais novas, onde prevalece o elemento pomerano.

Na região alta, não se percebe a menor ação enfraquecedora do clima. Já vimos, atrás, que a capacidade de trabalho não diminuiu.[ 9 ]

Não se observa entre os colonos, sob nenhum aspecto, uma atuação nociva do clima sobre o sistema central nervoso. Parece que essa verificação contradiz as verificações muitas vezes feitas noutros países tropicais, as quais levaram Steudel, por exemplo, a opinar o seguinte: “É de supor que o organismo dos europeus, especialmente o sistema nervoso, sofra alteração, em virtude de permanência duradoura nas regiões altas dos trópicos, quando não na primeira, na segunda e nas seguintes gerações”.[ 10 ] E Daeubler: “Meus estudos induziram-me a admitir que o clima tropical em si, inclusive o das montanhas, prejudica, sobretudo, o sistema nervoso central do branco”.[ 11 ]

Deve-se levar em conta que o colono alemão leva uma vida pouco agitada, psicologicamente e que as sensações a que está exposto se limitam, em grande parte, a disputa entre vizinhos e parentes. Sua maneira de viver favorece o sistema nervoso, especialmente o longo sono que desfruta. Mas, justamente o fato de ele dormir tanto, parece-me um indício de o clima de lá exigir mais dos nervos que entre nós. Entre os representantes da atividade espiritual, os sacerdotes, parece ter havido casos esporádicos de neurastenia. Mas, é difícil de dizer se, para esses padecimentos nervosos, contribuiu o clima e, no caso afirmativo, até onde foi sua atuação.

O clima da região alta é, portanto, extraordinariamente saudável. O mesmo não se pode dizer, sem reservas, com relação à parte baixa do território por onde se estende o povoamento teuto. Na verdade, as taxas de natalidade e de mortalidade são aí, extremamente favoráveis: em Santa Cruz, por mil, há 50 a 60 nascimentos e 8 a 10 óbitos; em Santa Joana, 60 a 72 nascimentos e 11 a 14 óbitos. Demais, naquelas bandas quase que só moram famílias jovens. Mas, não é de olvidar que a malária, a disenteria e o tifo exigem um número apreciável de vítimas, o que decorre, em grande parte, das más condições hidrográficas, e é, assim, de se atribuir ao clima, até certo ponto.

Está fora de dúvida que o clima da região baixa exerce uma ação extenuante. Aí, não se vêem as cores vivas naturais dos meninos e dos adultos. A menstruação das jovens é, com freqüência, anormal, começando a aparecer, muitas vezes, tardiamente. As pessoas ficam bastante sensíveis ao calor e ao frio. E o que dá mais o que pensar, os colonos, na maneira de viver, revelam certa debilitação, tendem a acaboclar-se. Sua produtividade começa a decair.

É possível que a má alimentação seja uma das causas do fato. Na zona baixa, faltam legumes. Outras cadências, moradias más, por exemplo, farão sentir seus efeitos, uma vez que são novas as colônias de lá. Na região alta, reinavam, no começo, condições bem tristes. É de se esperar que o clima melhore na planície, com as sucessivas derrubadas.

O mesmo se pode dizer com relação ao trecho que se desdobra à margem do rio Doce, o qual se procurou colonizar, sem resultados. Colonos alemães se estabeleceram em Pau Gigante, atraídos pela terra excelente, mas foram expulsos pela febre.

A observação verificou, segundo se acredita na zona baixa, que os nascidos na região alta, descendentes dos primeiros colonos, aclimatam-se mais facilmente nos lugares baixos que os imigrantes europeus que vão diretamente para esses lugares, como os colonos do núcleo Afonso Pena.

Essa observação não é nenhuma novidade. Nocht afirma que[ 12 ] o êxito do povoamento, sob os trópicos, na Queenslândia, decorre de “a colonização se ter realizado não por elementos vindos diretamente da Europa, mas do sul da Austrália, de clima subtropical; trata-se de uma aclimatação progressiva, primeiro nos subtrópicos, depois nos trópicos, na qual preponderam os descendentes dos que se adaptaram aos subtrópicos. Já na década de 1880, Hans Buchner, chamava atenção para as vantagens dessa aclimatação progressiva aos trópicos, também observada, atualmente, entre os boers.

6. Sexualidade e casamento

Já vimos que praticamente não há doenças sexuais entre os colonos. Pessoas idôneas para informar a respeito, confirmaram esse fato surpreendente que decorre de não haver, senão esporadicamente, contato sexual entre os colonos e elementos da população brasileira.

Entretanto, dentro das comunidades teutas, as relações ilegítimas são, provavelmente, muito numerosas. Em cada comunidade, raramente ocorre mais de 1 a 2 nascimentos bastardos, por ano; há anos em que não se verifica nenhum. Mas, são freqüentes as relações pré-matrimoniais que, no caso de provocarem a gravidez, levam ao casamento, segundo um velho costume dos camponeses.

A opinião pública procura, naturalmente, estigmatizá-las. O estatuto da comunidade de Jequitibá dispõe que será cobrada “a multa de 30 mil réis à noiva desonrada que se casa com grinalda e, sete meses depois da boda, dá à luz”. “A noiva desonrada” é a que “se apossa sub-reptícia e ilegitimamente” do predicado de virgem, silenciando, na ocasião das núpcias, as relações sexuais havidas anteriormente. Se a transgressão é confessada, a noiva não pode apresentar-se com grinalda, nem o cúmplice com ramalhete; além disso, ela não será chamada de donzela, nem ele de solteiro. Em Jequitibá, o batismo de uma criança legítima custa 2½ mil réis, e o de uma ilegítima, 10.

Os números abaixo nos esclarecem no tocante à idade média de casamento:

Comunidade
Ano
Idade média de casamento
Mulher
Homem
Campinho 1910 20-21 24-25
1911 20-21 25-26
1912 20-21 25-26
Santa Leopoldina 1910 20-21 23-24
1911 20-21 25
1912 20-21 26-27
Jequitibá 1910 21-22 24-25
1911 21-22 26-25
1912 22-23 25-26
Califórnia 1910 21 25-26
1911 20-22 24-25
1912 23 24-25
Santa Joana 1911 24 26-27
1912 21-22 23-24
Santa Maria 1910 21-22 24
1911 21-22 23-24

Esses números, que não abrangem os casamentos de viúvos e viúvas, mostram-nos que a idade média de casamento da mulher oscila entre 20 e 22 anos, e a do homem, entre 24 e 26. Esporadicamente, casam-se moças, aos 15; com alguma freqüência, entre 16 e 17; muitas só contraem matrimônio, entre os 25 e os 30. De 4 a 5 moças que se casam, uma tem menos de 20 anos (em 197 casos observados: 45). A idade de casamento dos homens é relativamente baixa. Em cinco noivos, mais ou menos, encontra-se um mais jovem que a noiva (em 247 casamentos: 47). Amiúde, unem-se matrimonialmente, pessoas da mesma idade. As cifras demográficas tão favoráveis induzem-nos a perguntar se essa relação de idade entre os sexos não é um fator biologicamente propício.

Observei que o número dos que permanecem solteiros é quase nulo. Os motivos que prevalecem, na escolha da companheira, são de ordem econômica; as mais velhas são preferidas, porque “as mais jovens”, segundo a experiência, “nada entendem de economia caseira”.

A margem de eleição, para ambos os sexos, se reduz em virtude do pequeno número de colonos; a divisão confessional ainda restringe mais. Além disso, em conseqüência da dispersão dos povoadores teutos, só pequena parte dos doze a treze mil protestantes mantém relações entre si. O ajuntamento, o ofício divino, a visita à venda, os casamentos e os batizados, as relações entre vizinhos, portanto, delimitam as oportunidades de travar conhecimento. Por isso, as pessoas que se casam são quase sempre do mesmo lugar. É muito freqüente a união matrimonial entre os filhos de moradores que se avizinham mais. Parece não haver praticamente casamentos entre parentes mais próximos.

Paira o perigo de uniões consangüíneas, uma vez que essa população, há decênios, não recebe nenhum reforço imigratório digno de menção. Se esse perigo aumenta ou diminui com a pequena diferenciação entre os indivíduos, escuso-me de, julgar. Por ora, ele não se manifesta.

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NOTAS

[ 1 ] Vide Cap. III, 2.
[ 2 ] Já se averiguaram, aí, 17 casos de natimortos.
[ 3 ] Vide Cap. III, 2.
[ 4 ] As observações que se seguem, por isso, têm, apenas, valor relativo.
[ 5 ] Pessoa idônea contestou, posteriormente, essa informação.
[ 6 ] Mensagem do Presidente, de 17 de setembro de 1895, págs. 6 e seguintes.
[ 7 ] Nota do tradutor: Há, aí evidentemente, uma confusão entre a surucucu e a cascavel.
[ 8 ] Lamberg, pág. 219. — Nocht, Stand der Akklimatisationsfrage, Verh. des deutschen Kolonialgrasses. 1910, pág, 287. — Vide Wernicke, pág. 108.
[ 9 ] Cap. V, 5.
[ 10 ] Anais do Congresso Colonial, p. 329.
[ 11 ] Anais do Congresso Colonial, p. 336.
[ 12 ] Anais do Congresso Colonial Alemão, p. 285.

Ernst Wagemann (autor) nasceu em 18 de Fevereiro de 1884, em Chañarcillo, Chile, faleceu em 20 de Março de 1956, em Bad Godesberg, Alemanha. Foi economista político e estatístico muito atuante na Alemanha a partir dos anos de 1920. Para mais informações sobre o autor clique aqui.

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