Voltar às postagens

A experiência de construção habitacional do IBES

Bairro Ibes, Vila Velha, ES. Foto Mazzei.
Bairro Ibes, Vila Velha, ES. Foto Mazzei.

1- Introdução

Existem dois pontos de vista muito presentes quando se discute o problema da construção de habitação popular.

O primeiro, diz respeito a uma política social da habitação e o outro, segue o caminho de uma política industrial para construção habitacional.[ 1 ]

No Espírito Santo, durante o início da década de 50, a política de habitação implantada pelo governo seguia no sentido de reunir essas duas tendências do debate, numa única proposta para tratar o problema. Teve caráter social e preocupação com o aprimoramento técnico no processo construtivo. O Governo do Estado havia criado o IBES (Instituto do Bem Estar Social), que tinha como principal finalidade, construir habitações a baixo custo para a população carente do Estado.

A política que criou o IBES, via a questão habitacional como atribuição do Estado, e como algo que estava distante das soluções empresariais de mercado. Razão pela qual o IBES produzia material de construção, construía e financiava habitações a juros, prestações e prazos fixos, tornando esse bem acessível a uma grande faixa da população.[ 2 ]

Durante a construção do “Núcleo Residencial Alda Santos Neves”, que ficou conhecido como bairro do IBES, observou-se o uso de medidas técnicas e alternativas racionais até então pouco usuais em nossas edificações. Testou-se o uso de telhas francesas de cimento, e empregaram-se em larga escala blocos pré-moldados. Sendo todos esses materiais oriundos de fabricação própria.

Os blocos pré-moldados tinham a finalidade de reduzir o preço final da habitação em função do baixo custo da areia usada na sua fabricação, da produção em escala, e do aumento da produtividade que poderia ser alcançado na execução das edificações, em razão do uso racional dos três tipos de blocos fabricados – um para fundação, um para alvenaria e outro para arremate.[ 3 ]

A experiência do IBES foi, efetivamente, importante para o tratamento da questão habitacional. Fugiu das regras da construção habitacional, conforme as leis do mercado e apresentou, mesmo com certos limites, preocupação em conseguir ganhos de produtividade através do uso de técnicas construtivas mais racionais. Admite-se, que sua orientação foi muito mais apropriada do que o tratamento que até bem pouco tempo atrás era dado ao problema da habitação.

2 – A Década de 50 no Espírito Santo e a criação do IBES

Se por um lado, considera-se que a política para o setor não deve estar submetida às leis do mercado, pelo menos no tratamento a ser dado à moradia da população de menor poder aquisitivo, por outro, a construção civil deve passar por um processo de aprimoramento técnico de forma a alcançar progressivos ganhos de produtividade. Desse modo, a discussão deve começar objetivando entender a criação do IBES. Saber quais foram as condições que favoreceram o seu aparecimento e a prática de sua política.

2.1- O ritmo da dinâmica sócio-econômica do Espírito Santo e a preocupação industrializante do governo: a origem do IBES.

É importante situar o Espírito Santo no contexto da dinâmica nacional para conhecer a sua posição relativa frente aos estados desenvolvidos do país e saber que nem sempre os interesses constituídos em torno da produção do seu espaço, se assemelham com os de outras regiões.

No Espírito Santo, por razões do nosso contexto histórico de formação, que não cabe aqui discutir, a década de 50 n.io tem semelhanças com o que se passou em São Paulo. A referência diz respeito à industrialização já presente naquele Estado, à concentração urbana, ao mercado de trabalho, e à dinâmica empresarial do mercado de terras urbanas e da construção civil, considerada já um ramo Industrial.

Em São Paulo, grande parte da produção de moradias populares era feita por empresas de construção, que depois alugavam os imóveis obtendo elevada lucratividade. No Espírito Santo, esse fenômeno não foi encontrado. O provimento habitacional ficava a cargo de uns poucos construtores instrutores e das modestas realizações dos institutos de aposentadorias e pensões, sem que qualquer empreendimento de porte, semelhante às vilas operárias fossem feitos. A população de baixa renda, sem alternativa de ser atendida pelo mercado formal de produção de moradias, invadia as áreas públicas – os mangues e morros.

A indústria não tinha expressão e nem as cidades concentravam excessivos contingentes populacionais. A participação da indústria na geração da renda interna do Espírito Santo era de apenas 7,1%.[ 4 ] Esse indicador, mesmo de pequena expressão, pouco tem a ver com a atividade urbana da Grande Vitória.

A indústria capixaba sempre foi uma atividade concentrada em poucos ramos de produção. Em 1949, só para se ter uma indicação, o ramo “produtos alimentares” concentrava 76,69% do valor da produção da indústria e 36% do número de operários.[ 5 ] E se for feita a decomposição desse ramo, nesse mesmo período, vê-se que ao sub-ramo denominado “beneficiamento, torrefação e moagem dos produtos alimentares” correspondia 79% do valor da produção e 49% do número de operários do ramo produtos alimentares.[ 6 ] O que possibilita provar que a indústria no Espírito Santo, por volta de 50, resumia-se ao beneficiamento do café, atividade comumente situada nas fazendas e em pequenas cidades do interior. Portanto, correspondia muito mais a uma atividade rural do que propriamente urbana com localização na capital.

Apesar de ao comércio/serviços corresponder, no período, a geração de 42,6% da renda interna do Estado, a população capixaba era eminentemente rural.[ 7 ] 80% dos habitantes do Espírito Santo estavam no campo. E a Grande Vitória concentrava 41% do contingente urbano.[ 8 ] O Espírito Santo vivia da agricultura, em particular da produção cafeeira, o principal produto gerador da renda do Estado. Não havia, no entanto, qualquer semelhança com a dinâmica presente no Estado de São Paulo, onde a atividade urbano-industrial já estava consolidada.

A diferença de ritmo da dinâmica do Espírito Santo em relação aos estados desenvolvidos do país foi o motivo da ação industrial do Governo Estadual na administração 1951/54. E no bojo dessa ação governamental é que nasce, como medida acessória, o projeto de criação do IBES.

Jones dos Santos Neves, então governador eleito, imprime em seu plano de governo a tarefa de colocar o Espírito Santo no compasso dos estados desenvolvidos do país. Por dois motivos: o Espírito Santo, segundo esse governante, não podia mais se sustentar na monocultura cafeeira. As crises, ao longo da nossa história, que colocavam a economia do Estado ao sabor das oscilações da conjuntura internacional, foram motivos para que se pensasse na diversificação econômica do Estado. O outro motivo complementar, é que a conjuntura apontava para a alternativa econômica de promover o desenvolvimento da indústria no Estado.[ 9 ] A política de Getúlio Vargas, construindo as indústrias de base no país, facilitaria a ação de Jones para que também lançasse seu plano de industrialização do Espírito Santo.

Para chegar ao governo, no entanto, Jones precisou fazer algumas alianças. Estava com o seu partido, o PSD, rachado. Havia perdido eminentes líderes como Atílio Vivacqua que, saindo do PSD, filiou-se ao PR, assim como Asdrubal Soares, que foi para o PSP. Todos unidos em torno da UDN, somando um grupo de nove partidos, lançam-se para enfrentar o PSD. Jones não teve alternativa senão buscar a aproximação com o PTB, único partido que, naquele momento, podia somar com o PSD.[ 10 ]

A aproximação de líderes do PSD como Carlos Lindenberg e de Jones Santos Neves com Getúlio Vargas desde o período da interventoria, quando esse último foi interventor no Espírito Santo, facilitou a aproximação do PSD local com o PTB. Essa aproximação, portanto, dá um colorido mais forte ao programa de Jones às condutas trabalhistas.[ 11 ]

A política de criação do IBES, desenvolvida por Jones dos Santos Neves, com todo o seu cunho social, fechava com a direção trabalhista do seu aliado político. Mesmo que, em nível local, essa política não pudesse constituir- se em um instrumento populista,[ 12 ] tal qual era usada nos Estados urbanizados do país, ela foi uma resposta ao apoio prestado pelo PTB ao PSD, na eleição de 50.

Soma-se à direção trabalhista que vai dar, por um lado o motivo para a criação do IBES, as razões de ordem acessórias que vão juntar-se à política industrial então planejada. Era preciso, para que o Estado se industrializasse, que fossem criadas as chamadas condições gerais de produção.[ 13 ] E a construção habitacional é uma dessas condições, ligadas à reprodução da força de trabalho, sem falar, ainda, no outro fato, que vai reforçar a iniciativa de dar tratamento às carências na área habitacional.

O Estado, como vimos, era eminentemente rural. Seria preciso a formação do mercado de trabalho dos centros urbanos para que a indústria pudesse ser implantada. Tudo leva a crer que, para a formação do mercado de trabalho, uma política habitacional que funcionasse, contribuiria muito.


2.2. Um “atraso” histórico que favoreceu as políticas social e industrial na construção de moradias

Se, por um lado, a dinâmica histórica em que se encontrava o Espírito Santo, em relação aos estados desenvolvidos do país, constituía-se em um tipo de desigualdade econômica e social, por outro lado, criava condições para o desenvolvimento de uma política habitacional mais consequente.

Não resta dúvida que a política habitacional que criou o IBES fazia parte de uma política mais ampla, que pretendia lançar as bases da indústria no Estado. E que, a mesma política habitacional tenha sido viabilizada também como resultado de um acordo político, que pudesse buscar, não só as simpatias do PTB local, mas a de seu líder nacional. Isso, porém, não é o acontecimento mais relevante desta discussão, o fato de o IBES ter sido um meio e não um fim. O que nos interessa é como o IBES pode tratar o problema da habitação popular da época, unindo as políticas social e industrial na construção de moradias.

Nesse sentido é que a questão do “atraso” histórico do “atraso” histórico do Espírito Santo torna-se o elemento relevante na explicação. Considerando que a produção habitacional faz parte de um conjunto de interesses,[ 14 ] tem-se que considerar que na década de 50, quando o IBES foi criado, esses interesses não estavam ainda conformados. E, consequentemente, Mias respectivas influências frente ao poder local, possivelmente, pouco ou nenhum efeito faziam.

Não se pode afirmar que Vitória possuísse, nesse período, um mercado de terras urbanas e que a construção civil (edificações) Já fosse um ramo empresarial com mercado próprio.[ 15 ] As condições históricas particulares do Espírito Santo, como vimos, mostram um Estado essencialmente agrícola, apoiado na cafeicultura. A quase totalidade de sua população habitava o campo, com apenas 20% desse total residindo nas áreas urbanas.

A população urbana da Grande Vitória – composta pelos municípios de Vitória, Vila Velha, Cariacica, Viana e Serra –, compreendia 82.827 pessoas. Vitória era o município mais populoso dessa região e, no entanto, possuía apenas 50.415 habitantes na sua área urbana.[ 16 ] Isso significa dizer que mesmo sendo a sede político-administrativa do governo, com o principal porto do Estado, Vitória ainda não tinha conseguido o dinamismo capaz de criar condições para o desenvolvimento da construção civil (edificações), de forma empresarial plena. E da mesma forma, a terra ainda não tinha se tornado um bem escasso, possuidor de um mercado.

Basta ver que o objetivo do governador Jones dos Santos Neves, de dar cobertura aos gastos do Estado com a criação do Bairro de Bento Ferreira, por intermédio da venda de lotes, não foi de imediato bem- sucedido.[ 17 ] Não faltam outros exemplos. O Bairro de Camburi foi objeto de um importante empreendimento imobiliário, em 1928, mas sem sucesso.[ 18 ] Existiam, portanto, naquela época como se pode verificar, alternativas de empreendimentos mais rentáveis do que a terra urbana.

As construções de moradias da classe média eram geralmente constituídas de casas térreas, feitas por encomendas aos construtores para que seus donos pudessem morar, raramente alugar. Não havia a prática de pessoas fazerem casas para vender.

Além dessa solução de construção de moradia, verificamos o caso dos institutos de aposentadorias e pensões que possuíam suas carteiras prediais. Nesse caso, empreitavam a construção de algum conjunto de residências. Foi, porém, inexpressiva essa prática antes da década de 50. Há notícias somente da construção de casas efetuadas pelo IAPI, no Bairro do Horto, em Vitória.

A atividade de construção empresarial resumia-se na realização de obras públicas. A mais importante foi a construção do porto, que dada a sua complexidade e porte, acabou por ser realizada por firmas de fora. Resultado: interesses da construção ainda não tinham se conformado na direção do ramo de edificação.

Cabia ao Estado, como modestamente vinha fazendo, a tarefa de dar respostas para as carências habitacionais.[ 19 ] Com a criação do IBES, um órgão estadual que tinha como principal finalidade construir habitação popular, o governo foi mais objetivo. E cabe assinalar, que não havia interesses plenamente formados, com expressiva força política que viviam da produção de moradias e da apropriação dos espaços das cidades. A habitação ainda não se constituía em um negócio para o proprietário da terra, em um elemento de maior lucratividade para a empresa construtora, e nem uma possibilidade de obtenção de elevadas taxas de juros por parte do setor bancário. As indústrias de materiais de construção, provavelmente, não viam Vitória como um mercado atrativo.[ 20 ] Tudo isso dava ao Governo do Estado um maior grau de liberdade, se tomava por determinação intervir na área da habitação popular.

Tendo, portanto, pela frente a meta de dar tratamento à situação habitacional da época, o Governo pode, de fato, realizar uma política social nessa área. Produzir habitação para a população de baixa renda era prioridade, sem preocupação com terceiros que, por ventura, buscassem favorecimento por intermédio dessa iniciativa.

O Governo destinou, inicialmente, verba para o IBES e deu garantia para que o órgão contraísse empréstimos a juros que na época variavam em torno de 6% ao ano. Como medida complementar, elevou a alíquota do imposto de transmissão “inter-vivos” e “causa-mortis” em 1%, destinando essa arrecadação para o Instituto.[ 21 ]

Também estabeleceu prazo fixo para o período de amortização das dívidas contraídas por aqueles que adquiriam as casas construídas pelo IBES, assim como fixou as prestações e os juros que amortizavam esses contratos mensalmente.[ 22 ] Não havia a pressão inflacionária que se está acostumado a ver hoje, nem a usura dos bancos, requerendo altas taxas de juros. Os terrenos, diga-se de passagem, representavam valores quase insignificantes no cômputo do custo habitacional.

Teve condições ainda, o IBES, de produzir material para suas construções[ 23 ] e usá-lo adequadamente, visto que os projetos arquitetônicos das casas estavam adaptados ao emprego do material, possibilitando um processo construtivo mais racional.[ 24 ] Buscava-se, ainda, redução de custo das unidades produzidas, através do barateamento que se alcançava com a produção de materiais – além de serem produzidos em escala, não havia o lucro pago pelo proprietário da moradia ao comerciante que, normalmente, existiria se o material fosse produzido por uma empresa. Isso era mais fácil de acontecer porque o mercado de Vitória ainda não estava tomado pelas indústrias privadas produtoras de materiais de construção. Muitos materiais eram difíceis de serem obtidos, razão pela qual o Estado também se via na obrigação de produzi-los, quando não subsidiá-los.[ 25 ]

Seguindo essa mesma linha de raciocínio, foi facultado ao IBES construir por administração direta na medida que tivesse dificuldade de empreitar suas obras. Poderia- se cortar do custo da moradia, o componente lucro do empreiteiro. E desse modo, reduzir, ainda mais, o custo da moradia caso se optasse pela construção feita diretamente pelo IBES.[ 26 ]

As considerações feitas anteriormente nos mostram que o surgimento do IBES teve todo um contexto favorável, possibilitando que sua prioridade fosse a habitação e não quaisquer outros interesses envolvidos na produção de moradia. Esse foi o motivo que abriu espaço para que o IBES tivesse uma política social e uma preocupação com o processo construtivo mais racional.

3 – A recuperação do “atraso”: as novas articulações do ES com a dinâmica nacional. O retrocesso das políticas social e industrial na construção

Transpondo as décadas de 50 e 60, o Espírito Santo passa por profundo processo de transformação na sua estrutura produtiva – a agricultura vai cedendo lugar à indústria e ao comércio. A organização do espaço nas regiões produtoras agrícolas é rompida e conformada de outra maneira, vindo a ter os centros urbanos grande peso na nova ordem espacial. Cabe destacar a Grande Vitória, Cachoeiro de Itapemirim, Linhares, Colatina e Nova Venécia como importantes centros polarizadores no Estado.

Essa mudança é o reflexo do novo ritmo da dinâmica do Espírito Santo combinado ao contexto nacional. Não pode mais ser ele visto somente como Estado agrícola, mas como portador de uma economia moderna, importante para o desenvolvimento nacional.

Se antes da década de 60 víamos uma agricultura fundada na pequena propriedade e impulsionada pelo trabalho familiar, esse quadro se modificou no período recente. A concentração fundiária cresceu muito, no Estado, e a agricultura veio a ser objeto de grandes empresas agrícolas. É o resultado do desdobramento, no Estado, de programas federais como o da promoção da pecuária extensiva (1970-75), o programa de reflorestamento, Pro- álcool e o replantio do café a partir do início dos anos 70.

Esses programas alteraram, não só a estrutura fundiária, como também as relações de trabalho. E mesmo hoje, apesar de o Espírito Santo ser um dos estados da federação onde a propriedade da terra é das menos concentradas, foi também um dos estados que apresentaram maiores índices de concentração nesse mesmo período.[ 27 ]

Para as áreas urbanas, em especial a Grande Vitória, convergiam expressivos contingentes populacionais. A sua taxa média geométrica de crescimento ficou em torno de 7%, tanto na década de 50 como na de 60.[ 28 ] Todo esse quadro de mudanças serviu para colocar a habitação no rol dos produtos mais lucrativos do mercado.

Se antes de 60 produzir habitação popular era uma atribuição do Estado, sem fins lucrativos, no período seguinte, essa prática veio a se transformarem um negócio empresarial regido pelas leis do mercado. O Estado cede lugar de produtor direto desse bem para as empresas, que se formam com essa finalidade.

O mercado de trabalho urbano já está formado a essa altura dos acontecimentos e o “atraso” histórico por que passava o Estado tinha sido superado. De acordo com Francisco de Oliveira,[ 29 ] as relações capitalistas de produção tinham penetrado em todos os pontos do território nacional.

Se na produção de habitações predominava na escala privada a destinação para o uso e na construção pública a destinação sem fins lucrativos, onde o Estado, até mesmo fabricava materiais de construção, não podemos dizer o mesmo hoje. A produção habitacional tornou-se algo fragmentário, conformador de um conjunto de atores, com interesses, ora coincidentes, ora divergentes envolvendo – o proprietário da terra, as empresas construtoras, a indústria de materiais de construção, o incorporador e o sistema financeiro, dentre outros. Cada qual procurando obter seus benefícios.

A partir desse conjunto de interesses, priorizar a construção habitacional para a população de baixa renda tornou-se proibitivo. Resultado: a destinação social da política habitacional ficou relegada a segundo plano.

A própria experiência do IBES perde importância depois dos anos 60. A expansão inflacionária tornou o dinheiro cada dia mais caro, impedindo pagamento das prestações dos imóveis por parte daqueles que não tinham seus rendimentos corrigidos conforme a inflação.

A grande procura pela terra urbana elevou o preço dos imóveis, tornando-os objetos de especulação. A participação do preço da terra no preço de venda da habitação cresceu muito. A fabricação de materiais de construção deslocou-se da órbita do Estado. A racionalidade ficou limitada aos interesses individuais de cada ator interessado na produção habitacional. A ideia de conjunto na construção foi destruída e o progresso da técnica, nesse ramo, não acompanhou, na mesma proporção, o que acontecia nos outros ramos industriais.


4. Considerações finais

A redução no custo da construção através de ganhos de produtividade se faz lidando com a organização do trabalho e o aprimoramento técnico no processo produtivo, diz a teoria. No caso da construção de moradias, o projeto possui um peso importante nisso, porque para cada moradia (ela difere do produto serial da fábrica) são necessários ajustes tanto na organização do trabalho quanto no uso dos materiais e técnicas. E o projeto funciona como concepção de uma solução estética, funcional e técnica para a produção da casa.

Na moradia do IBES havia essa orientação de caráter técnico, que só recentemente vem sendo tomada pelas empresas, para atender às demandas de faixa de mercado. Por que só recentemente, nos anos 90? Isso é motivo para uma outra discussão.

O que interessa é que a concepção de política habitacional, presente na experiência do IBES encontrou condições históricas favoráveis para ser criada. E o que é mais importante, introduziu no Espírito Santo uma orientação que já é hoje aceita – unir preocupação social com avanço técnico no tratamento da questão habitacional para a população de menor poder aquisitivo.

_____________________________

NOTAS

[ 1 ] Dentre outros que comungam desses pontos de vistas veja: PEREIRA, P.C.X. Espaço, Técnica e Construção. São Paulo. FFLCH da USP, Tese de Mestrado, 1984; BOLAFFI, G. “A Questão Urbana, Produção de habitações, Construção Civil e Mercado de Trabalho”. In Novos Estudos. Cebrap, V. 2,1, São Paulo, abril de 1983, p.p. 61-68.
[ 2 ] A respeito da produção própria de materiais de construção do IBES: “Mensagem apresentada por Jones dos Santos Neves à Assembleia Legislativa”, 1954 (p. 314); sobre as atribuições do IBES, dentre as quais a de construir por administração direta, e a de financiar as habitações com juros, prestações e prazos fixos verifique: a “Lei Estadual n° 627de 22 de fevereiro de 1952” que criou o Instituto.
[ 3 ] Supomos que os materiais de construção fabricados pelo IBES tinham baixo custo. A areia era extraída próximo ao local das construções e junto da fábrica. O cimento, uma parte era fornecido a preço de custo pela fábrica de Cachoeiro de Itapemirim, que pagava seus impostos em cimento, a preço de custo. Uma outra quantidade do produto provinha de importações feitas pelo Estado.
[ 4 ] BANDES – Alguns Indicadores Econômicos e Sociais do Espírito Santo. Vitória, 1972. (P 29).
[ 5 ] NEP – Alguns Aspectos do Desenvolvimento Econômico do Espírito Santo -1930/1970. Vitória, 1984, (P. 92 e 97).
[ 6 ] NEP. Idem, (P. 92 e 97).
[ 7 ] BANDES, op. cit, p. 29.
[ 8 ] F.J.S.N. Estrutura Demográfica do Espírito Santo 1940/2000 e IBGE. Censos Demográficos.
[ 9 ] Mensagem…Op. cit, (P. 4).
[ 10 ] ZORZAL e SILVA, M. Espirito Santo: Estado, Interesses e Poder. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, Tese de Mestrado, 1986 (P. 394-398).
[ 11 ] A respeito da Conduta Trabalhista veja: “Programa do Candidato: discurso preferido na seção de encerramento da convenção do PSD em Vitória, julho de 1950″. In Jones dos Santos Neves a serviço do Espírito Santo. (Discurso). (P. 261).
[ 12 ] A prática populista sempre funcionou nos principais centros do país no propósito de conquistar o voto do eleitor urbano, que já era significativo a partir da década de 30. A criação de mecanismos para prover a população de moradias funcionou como moeda de troca pelo voto urbano. Entende-se que a criação do IBES no Espírito Santo não teve caráter populista, mesmo sabendo que a política habitacional de Getúlio tinha essa orientação. (Cf. AZEVEDO, S. e ANDRADE, L. A. G. Habitação e Poder. R.J, Zahar, 1982, p. 35 e Cf. BONDUKI, N. Origens da Habitação Social do Brasil. São Paulo, Estação Paraíso/FAPESP, 1998). No Espírito Santo não houve nesse período, por qualquer motivo, reivindicações da sociedade civil pressionando o Estado para realizar construção habitacional. Seriam mais vantajosas politicamente as iniciativas dirigidas para o campo, onde estava a produção e o maior efetivo populacional, do que as intervenções na cidade. A respeito da afirmação anterior acerca da falta de manifestação da sociedade civil sobre a política habitacional fizemos uma pesquisa específica nos principais jornais de Vitória no período 1950 a 1954 o que nos faz sustentar a afirmação feita.
[ 13 ] A esse respeito veja as considerações de LAMPARELLI e outros. Nota Introdutória Sobre a Construção de um Objeto de Estudo: O Urbano. In A Questão Urbana e os Serviços Públicos. Estudos Fundap n. 1. São Paulo, ano 1 n. 1, 1983 (p.4- 27), assim como as de HARVEY. D. “O Trabalho, o Capital e o Conflito de Classes em Torno do Ambiente Construído nas Sociedades Capitalistas Avançadas.” In Espaço e Debates. N.° 6. S. Paulo Jun./Set. 1982 (P. 6 – 35).
[ 14 ] HARVEY, Op.cit.
[ 15 ] CAMPOS JR. C. T. Novo Arrabalde. Vitória, PMV, Secretaria Municipal de Cultura, 1996. Nesse período começaram a ser feitos os primeiros edifícios pai a aluguel em Vitória. A formação plena do mercado vai se dar com a forma de construção por incorporação que encontrará o seu estágio mais desenvolvido na segunda metade dos anos 70.
[ 16 ] FJSN. Op. Cit.
[ 17 ] Jornal A Tribuna, de 14 de dezembro de 1952. O Enterro de Bento Ferreira (p. 1).
[ 18 ] Para fazer propaganda de um loteamento que ali lançavam, seus promotores criaram um jornal com essa finalidade. Para surpresa dos empresários, o empreendimento imobiliário faliu e o jornal prosperou. Hoje é o jornal de maior circulação no Estado. Cf. Jornal A Gazeta, de 11 de setembro de 1974.
[ 19 ] Historicamente cabe referência às realizações de Jerônimo Monteiro (1908-1912) e Florentino Avidos (1924-1928) na construção de moradias. Tanto um quanto o outro fizeram moradias principalmente para funcionários públicos. Florentino Avidos construiu também moradias para trabalhadores no bairro Jucutuquara (Monteiro, 1912 e Avidos, 1928).
[ 20 ] Era comum na época os construtores, que eram poucos em Vitória, terem suas próprias marcenaria, serralheria ou até mesmo fábrica de tijolos e de cal feito de conchas. O construtor David Teixeira possuía marcenaria nas imediações do Parque Moscoso onde mais tarde foi construído o colégio Agostiniano (Cf. CAMPOS JR. C.T. O Capitalismo se Apropria do Espaço. A Construção Civil em Vitória. São Paulo, Tese de doutorado, FAU-USP, 1993.
[ 21 ] Lei Estadual n° 627 de 22 de fevereiro de 1952.
[ 22 ] Cf. Os contratos de vendas de imóveis realizados pelo IBES.
[ 23 ] Cf. a nota 2.
[ 24 ] A maior rapidez na construção por conta do emprego dos blocos de concreto, aumentava a produtividade e significava redução de custo da moradia.
[ 25 ] Lembra-se aqui, para registrar, a importância da participação do Estado nas atividades empresariais da implantação de um parque industrial no Sul do Estado, efetuada pelo governo, na administração Jerônimo Monteiro (1908-12). Cf. BITTENCOURT. G. Esforço Industrial na República do Café. Vitória, Fundação Ceciliano Abel de Almeida, 1982.
[ 26 ] Apesar de ter ocorrido em número reduzido, o IBES também fez construções por administração direta. (Informações obtidas de depoimento da Dra. Maria Elvira Coelho, ex-funcionária do órgão, em 1987).
[ 27 ] I.J.S.N. P.D.R.I. – Região – Programa IV – Linhares. 1983.
[ 28 ] F.J.S.N. Op.cit.
[ 29 ] OLIVEIRA, F. “Acumulação Monopolista, Estado e Urbanização: A nova qualidade do conflito de classe”. In Contradições Urbanas e Movimentos Sociais. RJ Paz e Terra, 1978.

———
© 2011 Textos e imagens com direitos autorais em vigor. A utilização / divulgação sem prévia autorização dos detentores configura violação à lei de direitos autorais e desrespeito aos serviços de preparação para publicação.
———

Carlos Teixeira de Campos Júnior é Doutor em Arquitetura, Professor da UFES e sócio efetivo do IHGES, pesquisador das áreas de arquitetura e urbanismo tendo livros publicados.

Deixe um Comentário