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A Jones Santos Neves Filho (Rio de Janeiro, 06/03/1961)

Rio, 6 de março de 1961.

Querido filho:

Parece incrível, mas só hoje estou respondendo a sua carta de 25 de janeiro! Nesse intervalo, naturalmente, conversamos por telefone e trocamos notícias. O fato, porém, é que retardei, de maneira incomum, a remessa da minha correspondência e isto está fora dos meus hábitos. […]

Fiquei, assim, abafadíssimo de serviço, pois o Banco tem crescido bastante e só agora, com o trabalho acumulado de dois diretores, pude melhor me aperceber disso. Também cheguei à conclusão de que o desenvolvimento do Banco se operou muito rapidamente, sem nos dar tempo de cuidarmos de sua reorganização interna. Com a ausência do Adolfo, resolvi rever as suas linhas mestras, subdividindo seções, redistribuindo serviços, fazendo mudanças e desacumulando o pessoal que trabalhava de modo tumultuoso, no andar térreo. Com tudo isto, me vejo abarbado, mas, felizmente, a coisa já está tomando forma e, acredito, até o regresso do Gentil, estarão todas as seções reestruturadas, com a sobrebase completa para podermos acompanhar o ritmo do nosso aceleramento. Se não cuidássemos disso, penso que teríamos que estabilizar o nosso movimento, pois já estava tudo tumultuado e o pessoal sacrificado.

O relatório está pronto e vai ser publicado. Hoje providenciei a sua impressão, embora a Assembléia Geral esteja marcada para o dia 18 de abril. Até lá, conto ter os folhetos para a distribuição no ato, o que se fará pela primeira vez. Remeterei, logo receba os primeiros exemplares.

[…]

Por incrível que pareça, recebi, aqui em casa, a visita do Chiquinho [Francisco Lacerda de Aguiar]. Já li, no O Jornal, a notícia, como sempre truncada. O fato é que vivia o gajo me assediando, por interpostas pessoas, à busca de um entendimento pessoal. Cedi, afinal, por instâncias do Jerônimo Gomes, que me visita amiúde. No fundo, confesso, tinha uma certa curiosidade de cotejar o Chiquinho que conhecera com o Chiquinho de hoje, após a sua experiência no governo. Seria que o homem aprendera alguma coisa? Tive agora a prova. Não evoluiu nada. Continua como Deus o fez.

Aqui ficou por mais de três horas, de relógio. Não disse a que vinha. Apenas visita, para rever-me, após seis anos. No fundo, penso, para divulgar por aí a visita. Procurei testar-lhe a sensibilidade e ferir-lhe alguma corda íntima de afeto ao Espírito Santo. Inútil. Frisei a tônica das dificuldades do Estado, representada pela falta de continuidade dos governos. Martelei na ideia de que a regra, nas democracias, é o rodízio dos cidadãos no governo. Alvitrei a hipótese de se criar no Estado um conselho de ex-governadores para, com sua experiência, orientar e dar sentido à política sucessória e administrativa. Cheguei a dizer que é um mal voltar-se a governar, pouco faltando para afirmar, mas sugerindo, que nem ele, nem eu voltássemos a pleitear o posto. Nada me respondeu, pois, quando a conversa se alçava a um nível mais elevado, ele simplesmente me dava a impressão de que se desligava do assunto, ficando a pensar em coisas mais medíocres. Saía do ar.

Não me disse que seria candidato. Mas pude ler, claramente, isso no contraponto de suas palavras. Teceu considerações sobre a política do Estado, dizendo da quantidade de candidatos, mas seguro de que, no final, ficariam apenas uns três, ou possivelmente dois. O do governo e o da oposição. E sentindo-se, naturalmente, na figura do último, sorria, misterioso. Confesso que fiquei arrasado com a conversa. Pude sentir, nitidamente, a calamidade que espera o Estado.

Com essa, me fico por aqui. Em casa todos bem. Muitos afetos aos garotos, lembranças à Leinha e para V. o abração amigo do

[In Cartas selecionadas – Jones dos Santos Neves. Vitória: Cultural-ES, 1988.]

Jones dos Santos Neves graduou-se em Farmácia no Rio de Janeiro e, de volta a Vitória, casou-se, em 1925, com Alda Hithchings Magalhães, tornando-se sócio da firma G. Roubach & Cia, juntamente com Arnaldo Magalhães, seu sogro, e Gastão Roubach. A convite de interventor João Punaro Bley, em 1938 funda e dirige, juntamente com Mário Aristides Freire, o Banco de Crédito Agrícola (depois Banestes), tendo depois disso seu nome indicado juntamente com o de outros dois, para a sucessão na interventoria. Foi então escolhido por Getúlio Vargas como novo interventor, cargo em que permaneceu de 1943 a 1945. Em 1954 retomou seu trabalho no banco, chegando à presidência, sendo, em 1950, eleito  governador do estado. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

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