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A Léa Motta Santos Neves (Rio de Janeiro, 21/11/1962)

Rio, 21 de novembro de 1962.

Leinha querida:

Aproveito o regresso do Jones para, desta vez e embora com atraso, responder a sua delicada cartinha que tanto me comoveu. Responder e agradecer as consoladoras palavras e as ponderações filiais e sensatas. Quero dizer-lhe, entretanto, que saio dessa campanha sem maiores cicatrizes. É difícil de acreditar, por certo. Mas é a verdade. Quando aceitei o desafio, levado por um longo diálogo com a consciência, admitia, naturalmente, as duas alternativas da eleição. Vencer e consagrar as últimas energias do espírito ao trabalho árduo de refazer a estrutura administrativa do Estado e revitalizar o seu progresso, e perder, após submeter o eleitorado ao teste definitivo de sua politização. Confesso hoje que, na primeira hipótese, se me seduzia a vitória, por natural instinto de esportividade, receava as conseqüências, por sentir a enormidade do esforço que teria que empregar e talvez a sua futura inutilidade. Por isso, certamente, tinha o candidato a segurança íntima da vitória, embora, paradoxalmente, não sentisse a sensação nítida de seu retorno ao poder. E isso, na verdade, aconteceu. Ganhamos em todas as áreas onde não se fez presente a corrupção e o suborno, o que parece indicar que sairíamos vitoriosos, se, porventura, o jogo fosse limpo. E vimos afastada de nós a eventualidade que temíamos. Tudo, portanto, muito lógico, na intimidade de minha consciência. Resta-nos, assim, a segunda hipótese, com o grande consolo de termos feito o possível, e talvez mais do que isto, para despertar os sentimentos cívicos do povo. Imagine, agora, se me tivesse esquivado do dever e chegássemos ao mesmo resultado eleitoral, embora contra outro candidato do PSD. Já pensou o que seria a mordida permanente em minha consciência, acusando-me permanentemente de ter sido culpado daquela situação? Chego, assim, por outros caminhos do raciocínio, ao mesmo resultado que V. apontou. Foi melhor para mim a derrota. Sou dono do meu tempo e senhor, talvez, do meu destino. Não há implicações de fé, no caso. Com a graça de Deus, apesar de não frequentar muito o “culto” (como diz o Joel), guardo sempre Sua presença em meu coração. Sei, e sei de ciência própria, que uma vontade superior sempre conduziu o meu destino; levando-o a altitudes na vida a que nunca poderia aspirar, mesmo em meus mais tontos delírios. Por estar certo, em minha humildade, de não merecer tanto. Ainda agora, ouso pensar que sobre a minha cabeça se estende, generosa, a mão da Providência, livrando-me dos percalços e mais sentidos sofrimentos. Sou, e sempre fui, um homem da planície que, sacudido para as alturas, sofria vertigens inconfessadas. Estou, portanto, em meu lugar, com os pés firmes na terra, embora teime em conservar a cabeça perdida nas nuvens. Por isso compareci ao pleito e por isso dele saio reconfortado. Foi uma bela campanha, apesar de tudo. Não me arrependo de tê-la travado, porque nobre era a causa que defendia. Tenho até pena dos vencedores, que nada sabem fazer com a sua vitória. Ganharam, apenas. E agora, José?

Eu, pelo contrário, possuía definições para o triunfo, mas ainda não sei o que fazer da minha derrota, no terreno prático. Acolhi as suas ponderações e tenho meditado sobre elas. De fato, afirmei em praça pública, a minha resolução é ficar aí [no Espírito Santo] e aí morar, se derrotado. Mas também não disse quando iria, se logo ou depois. De outra feita, quando o Eurico foi vencido, nem ele nem Carlos aí ficaram. É verdade que não haviam prometido, como eu fiz, e costumo resgatar meus compromissos. Demos, pois, tempo ao tempo. Voltarei, sim, mas não agora. Continua de pé a minha palavra e, por que não dizer, a própria vontade. Preciso, contudo, refazer-me um pouco, espiritual e materialmente. Jones lhe dirá, em reserva, os convites que tenho recebido. Vou examiná-los com vagar. Aqui, tornaremos a discutir o assunto e analisá-lo, em seus diversos ângulos, quando de novo nos reunirmos para as festividades do Natal.

Até lá, pois, querida filhota. Muitos afetos aos garotos, meus renovados agradecimentos pela delicadeza de sua carta e um afetuoso abraço do

[In Cartas selecionadas – Jones dos Santos Neves. Vitória: Cultural-ES, 1988.]

Jones dos Santos Neves graduou-se em Farmácia no Rio de Janeiro e, de volta a Vitória, casou-se, em 1925, com Alda Hithchings Magalhães, tornando-se sócio da firma G. Roubach & Cia, juntamente com Arnaldo Magalhães, seu sogro, e Gastão Roubach. A convite de interventor João Punaro Bley, em 1938 funda e dirige, juntamente com Mário Aristides Freire, o Banco de Crédito Agrícola (depois Banestes), tendo depois disso seu nome indicado juntamente com o de outros dois, para a sucessão na interventoria. Foi então escolhido por Getúlio Vargas como novo interventor, cargo em que permaneceu de 1943 a 1945. Em 1954 retomou seu trabalho no banco, chegando à presidência, sendo, em 1950, eleito  governador do estado. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

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