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A propósito do Mestre Álvaro – Parte I

A silhueta do famoso maciço do Mestre Álvaro, visto do lado Sul. É comum apresentar-se com o cume coberto de nuvens. Aqui, entretanto, está descoberto, embora haja a presença de névoa no sopé, principalmente. Foto tomada pelo autor do Bairro Jardim Camburi, Vitória, junho/1995.
A silhueta do famoso maciço do Mestre Álvaro, visto do lado Sul. É comum apresentar-se com o cume coberto de nuvens. Aqui, entretanto, está descoberto, embora haja a presença de névoa no sopé, principalmente. Foto tomada pelo autor do Bairro Jardim Camburi, Vitória, junho/1995.

PARTE I

1 – Palavras iniciais

O Mestre Álvaro, produto de fenômenos naturais endógenos e exógenos, é um acidente geográfico que divisamos frequentemente e que nos chama a atenção pela sua silhueta majestosa quer nas horas matutinas como no entardecer. Sempre nos deliciamos com a observação desse maciço altaneiro que domina toda a região da Grande Vitória. Mesmo em dias nevoentos podemos perceber o vulto do histórico Mestre Álvaro. É comum também ele nos oferecer o espetáculo do seu cume envolvido por nuvens brancas ou acinzentadas como se o morro estivesse de chapéu para proteger-se do sol escaldante dos dias muito quentes e claros, nuvens que parecem ancoradas firmemente no maciço deixando as suas cotas mais altas totalmente invisíveis.

Pelo fato dos alinhamentos rochosos da montanha seguirem a direção aproximada de norte-sul, em dias ensolarados as sombras das encostas mais altas, verdadeiras garupas da sua superfície, vão-se projetando nos vales e gargantas apertados e o verde da vegetação e de todo o conjunto vai cambiando de tonalidades à medida que o astro-rei vai-se deslocando do mar, ao nascer, até desaparecer por trás das montanhas a oeste, ao entardecer, Este espetáculo pode ser apreciado diariamente quando o dia se apresenta claro. Mas o importante é que com as mudanças do tempo meteorológico esta cena tem múltiplas variações — conforme o céu esteja mais ou menos encoberto — com cúmulos-nimbos, cúmulos ou estratos passeando pelas proximidades do velho morro ou, então, pela condensação provocada pela diferença de temperatura existente entre as cotas mais altas e o ar adjacente, dando-nos, desta forma, a sensação de estarmos assistindo a um doce filme colorido em câmara lenta para o nosso deleite e encantamento.

A verdade é que nós, seres humanos, que estamos vivendo hodiernamente no meio urbano onde nos afastamos cada vez mais do convívio saudável da natureza, sentimos a necessidade desse contato mais estreito com ela. Daí, talvez, o porquê de tantas pessoas, à primeira oportunidade, buscarem no mar, nos rios, nas montanhas, na vida interiorana, um lenitivo para conseguirem suportar as pressões adversas que lhes são infligidas pelo ambiente citadino carregado de tensões, poluições das mais variadas, da presença da excessiva densidade de construções em geral como da elevada concentração populacional, gerando tudo isto um ambiente onde o concreto armado não dá a mínima chance para o verde que é, sem dúvida, um bálsamo para os nossos olhos.

Na nossa cidade, Vitória, temos a vantagem de poder apreciar o mar e sentir o ar marinho que nos refresca nos dias de canícula. Os morros com a vegetação que os encobre, apesar de toda a poluição a que estamos sendo submetidos, amenizam a monotonia dos prédios, dos conjuntos residenciais e outras edificações.

Foi assim, dentro desse quadro ambiental que a presença do compacto Mestre Álvaro veio a nos despertar cada dia mais, provocando nosso interesse em estudá-lo, mesmo superficialmente, e, assim, compreendê-lo um pouco mais em suas peculiaridades.

Buscamos, baseados numa bibliografia constando de textos e cartografia de várias épocas, apresentar o maciço em suas facetas mais variadas e teria sido interessante se tivéssemos a possibilidade de juntar neste trabalho cópias de alguns documentos cartográficos antigos, porém, como isso não foi possível, limitamo-nos a comentá-los de modo sucinto e colocá-los na relação bibliográfica.

Finalmente, bom teria sido se pudéssemos ter manuseado os documentos originais — tanto cartográficos como as obras escritas — uma vez que as traduções e cópias vão perdendo algumas características que só os originais possuem. E notamos isto, principalmente, quando vamos encetar uma análise mais profunda de cópias de documentos antigos que acabam nos deixando muitas dúvidas, incertezas várias e interrogações que ficam sem resposta adequada e definitiva. Este trabalho, desta forma, representa apenas uma singela contribuição despretensiosa que oferecemos para o conhecimento de uma pequena, porém importante, área da Grande Vitória.

2 – Os textos sobre o maciço

O maciço do Mestre Álvaro — como é hoje comumente chamado — foi, desde os primeiros tempos do séc. XVI, observado e utilizado por navegadores que por aqui passaram, servindo de notável sinalização para a navegação quer por aqueles que demandavam para a entrada da barra do porto do “Sprito Santo” quer para os que seguiam em direção a outros locais do litoral sul do Brasil.

É do conhecimento dos historiadores que Vasco Fernandes Coutinho quando chegou à sua capitania, desembarcando próximo ao morro Moreno, em Vila Velha de hoje, avistou o Mestre Álvaro, tanto que escreveu sobre isto, acrescentando ter-se orientado pelo mesmo desde quando vinha navegando ainda longe do nosso litoral.

Em seu Tratato descritivo do Brasil Gabriel Soares de Souza faz referência precisa de toda a área da então Vila de Nossa Senhora da Vitória, da ponta de Tubarão, da serra do Mestre Álvaro, de Vila Velha, do morro Moreno, do Penedo (embora este ainda não tivesse dito nome). Enganou-se o autor quando pensou tratar-se de um rio a baía de Vitória, fato aliás, de ocorrência freqüente nos escritos dos nossos primeiros viajantes estrangeiros, tendo o mesmo engano ocorrido com outros autores em diversas baías pelo Brasil afora. A razão deste engano é até natural se considerarmos que a “ria” tem configuração ou aspecto realmente, em muitos casos, ao de um curso d’água doce. Sugere ainda o autor a possibilidade de ser construída uma fortaleza sobre nosso conhecido Penedo, com poucos recursos financeiros, permitindo, assim, ótima defesa contra os ataques estrangeiros.

Outro importante livro clássico dos primórdios da história brasileira Viagem à terra do Brasil, de Jean de Lery, infelizmente não traz detalhamento sobre o nosso Estado do Espírito Santo, apresentando um mapa tosco onde aparecem consignados os rios Doce e o Cricaré.

Compulsamos também Viagem pitoresca e histórica ao Brasil, de Jean Baptiste Debret e Duas viagens ao Brasil, de Hans Staden, porém, embora preciosos trabalhos sobre o nosso país, não nos serviram para o que nos propúnhamos pesquisar. O mesmo se deu com Tratado da terra e gente do Brasil, do padre Fernão Cardim e Cultura e opulência do Brasil, de André João Antonil. Nada consta neles do que precisávamos para avançar nos nossos objetivos.

Recorremos também à notável e preciosa obra dos eminentes naturalistas Johann Baptist von Spix e Carl Friedrich von Martius, que visitaram e estudaram nosso país no primeiro quartel do século passado, porém não encontramos em sua famosa obra — Viagem ao Brasil — nada que pudéssemos aproveitar para o nosso trabalho.

De sua permanência no Brasil, entre 1815-1817, o príncipe Maximiliano de Wied-Neuwied escreveu Viagem ao Brasil, com notáveis descrições sobre tudo o que pôde observar. Engana-se também o príncipe quando chama de rio Espírito Santo à baía de Vitoria. Ele faz menção nos seus escritos à presença do monte Mestre Álvaro. Não sabemos como está grafado no original alemão.

Dom Pedro II, quando visitou o Espírito Santo na segunda metade do século passado (1860), fez referência ao Mestre Álvaro, escrevendo que a montanha podia ser vista até 60 milhas mar adentro com tempo bom, de acordo com o que consta de suas anotações pessoais, conforme escreve Levy Rocha no seu livro Viagem de Dom Pedro II ao Espírito Santo.

Em 1833 é publicado em Paris o resultado da viagem que outro eminente viajante, Auguste de Saint-Hilaire, tinha feito ao Brasil. No que diz respeito à nossa terra espírito-santense a Editora Universidade de São Paulo faz publicar Viagem ao Espírito Santo e rio Doce. Pudemos constatar nesta obra que o famoso naturalista conheceu e descreveu bem a nossa região de Vitória. Faz referência à montanha de Mestre Álvaro e cercanias de modo preciso e informando que, apesar de ser coberta por matas virgens, no meio delas já existiam plantações de mandioca, algodão e milho e constatou a presença de muitos animais silvestres. Diz usar a grafia que lhe pareceu concordar com a empregada pelos moradores locais: Mestre Alvo. Corria o ano de 1818 e Vitória tinha 4.245 habitantes (cf. Revista Você, agosto 1993).

Grande estudioso da nossa gente e nossa terra, Basílio Carvalho Daemon, na sua História e estatística da província do Espírito Santo discorreu detalhadamente sobre a chegada de Vasco Fernandes Coutinho, informando que o donatário teria tomado o pico do Mestre Álvaro como ponto de referência para sua navegação por aqui aportou nos primórdios da nossa história.

Em 1870 o renomado geólogo canadense, Charles Frederick Hartt, publica nos Estados Unidos importante trabalho, resultado de suas pesquisas no Brasil, com o título de Geologia e geografia física do Brasil. Esteve estudando parte do nosso Estado, escrevendo de maneira clara e acessível, explicando e descrevendo a paisagem física por ele observada. Menciona o Penedo, a baía de Vitória, e como não podia deixar de ser, também faz referência ao Mestre Álvaro ou morro da Serra, considerando-o uma montanha de gnaisse. Exagerou na sua altitude quando fala de 3.500 pés, ou seja, mais de 1.000 metros. Confirmou o que outros haviam dito: a montanha era coberta de florestas e nas suas encostas existiam plantações de café.

Num livro singelo, demonstrando muito carinho pelo município serrano, Naly E. Miranda em Reminiscências da Serra cita o historiador e professor padre Alves de Siqueira que, em versos publicados em 1884, assim se expressa:

Assoma, ingente alta montanha
Mestre Alvo, aos nautas conhecido
É a natural, linda peanha,
Onde se propõe enobrecido

Um povo, que jamais se acanha
No labor da lavoura enriquecida
Se não tem do engenho, alta agudeza
Sobram-lhe brios, honras e nobreza.

Reminiscências da Serra alude que muitos sustentam a denominação “Mestre Alvo”, uma vez que o acidente geográfico em tela teria servido de guia aos navegantes do passado. Também nesse livro citado está expresso de maneira vaga e imprecisa que há quem diga que o nome da montanha é Mestre Alves, pelo fato de ter existido, num passado longínquo, um professor que morava na encosta conhecido por esse nome. Prossegue N.E. Miranda, sem muita precisão, que outros acreditam ter existido um professor, conforme a história anterior, porém, com o nome de Mestre Álvares. Finalmente, alude a uma história de que outros ainda admitem que o nome é Mestre Álvaro, advindo do fato de que este era o nome de um mestre de embarcação que se servia desse monte para orientar-se a fim de aportar o seu barco (ainda voltaremos a tratar do problema dos nomes do maciço mais adiante).

Mário Aristides Freire em Capitania do Espírito Santo escreve que Saint-Hilaire subiu no Mestre Álvaro quando esteve por nossas paragens, acrescentando que tal denominação já era registrada em 1587, tendo o governador Rubim pretendido transformá-la para Alvo. Entretanto, na Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, em seu artigo publicado em 1817, constatamos que Francisco Alberto Rubim não emprega o topônimo Mestre Alvo, mas Mestre Álvaro.

O ilustrado escritor Luiz Serafim Derenzi, em Biografia de uma Ilha, discorrendo sobre o desembarque de Vasco Fernandes Coutinho em nossas plagas, emprega o topônimo Mestre Alvo, acrescentando, porém, que os antigos também usavam o substantivo próprio Álvaro.

A festejada escritora e historiadora capixaba Maria Stella de Novaes, na sua magnífica História do Espírito Santo, mostra que o colonizador se serve do Mestre Álvaro para a penetração na baía do Espírito Santo.

Em seu livro didático Corografia do Brasil, Mário Vasconcelos da Veiga Cabral, muito conhecido das antigas gerações brasileiras, numa geografia de enfoque fortemente descritivo e por isso mesmo muito criticado, dissertando sobre nossa terra emprega o topônimo monte do Mestre Álvaro fazendo alusão ao padre Aires de Casal, que teria escrito: “O Monte de Mestre Álvaro, que he huma montanha quasi circular vistoso, e a mais alta da costa, perto de três leguas afastada da praia, em partes escalvada e de rochedo, n’outras povoada de matas, etc. teve um vulcão na antiguidade.”

O historiador Francisco Eugênio de Assis, estudioso da terra, em seu Dicionário geográfico e histórico do Espírito Santo teve oportunidade de grafar por várias vezes, quando descreve as divisas intermunicipais e interdistritais do município da Serra, o morro Mestre Alvo e não Álvaro.

Há vinte anos a Fundação Cultural do Espírito Santo publicou trabalho do professor e geógrafo Cícero Moraes, saudosa figura expressiva na nossa cultura, sob o título Geografia do Espírito Santo, em que há referência ao Mestre Álvaro sendo este considerado como um maciço gnáissico com aparência de vulcão havaiano extinto, para quem olha do norte e do mar. Embora aqui esteja gravado Mestre Álvaro, em outros trabalhos de sua autoria ele usa Mestre Alvo.

Na sua Proposta de ordenamento urbano do município da Serra, a Fundação, hoje Instituto, Jones Santos Neves grafa o nome Mestre Alvo no referida trabalho, mas noutros não procede da mesma forma, adotando a denominação Mestre Álvaro.

Na verdade as denominações dadas ao maciço são várias e apenas a título de ilustração queremos apresentar todas as que pudemos catalogar. Algumas delas são simples aglutinações da linguagem popular: Mestralvo, Mestrialve, Mestre Alvarez, Mestre Álvares, Mestre Álvaro, Mestre Alves e Mestre Alvo. Nos dias de hoje predomina a denominação Mestre Álvaro.

Antes de adentrarmos nesta questão queremos, com todo respeito, discordar daqueles que imaginam ter existido, em épocas recuadas da nossa história, uma pessoa encarregada de acender fogueira no cume do maciço (como se fosse um faroleiro), para orientar os navegantes que por aqui vinham aportar. Parece-nos hipótese inconsistente se imaginarmos as dificuldades que tal indivíduo teria naqueles tempos para realizar o seu mister num local de difícil acesso, de altitude considerável, coberto de mata densa e habitado por animais peçonhentos. Quanto tempo despenderia tal indivíduo para realizar uma tarefa dessa?

Bem, quanto ao topônimo, admitir que tenha sido originado do nome de um professor que habitava as encostas, e ao qual os habitantes das proximidades chamavam Álvares ou Alves, também não deve corresponder à verdade, pois esse pretenso professor teria existido séculos depois de se ter conhecimento do maciço, quer na cartografia primitiva, quer nos textos muito antigos.

O mesmo pensamos da hipótese alegada por alguns de que Mestre Álvaro originou-se do nome de um mestre de embarcação que se orientava pelo maciço para chegar ao local próprio para ancoragem do seu barco. Se existiu esse mestre foi, com certeza, muito depois da chegada dos navegadores e colonizadores à nossa terra.

Sem querermos dar como palavra final, achamos mais convincente que tenha sido Mestre Alvo o nome que, naturalmente, tenha surgido para cognominar esse acidente geográfico. Ora, mestre porque — como já comprovado historicamente em documentos escritos pelos primeiros navegadores e colonizadores desde o século XVI — a montanha servia de guia à navegação e de sinalização para a entrada da baía do Espírito Santo.

E Alvo, por quê? Porque, dizemos nós, a culminância do morro, sendo constituída por encostas muito abruptas, não permitindo que a vegetação ali se desenvolva, expõe à vista a rocha nua com tonalidade mais clara, contrastando com o verde escuro das matas. Imaginemos no século XVI como não deveria ser a cobertura vegetal ali reinante! A própria decomposição da rocha, graças à meteorização dos seus elementos constitutivos (seja granito ou gnaisse) solta muitas vezes resíduos mais claros (quartzo, feldspato e mica branca). Pensemos agora num dia de pleno sol à distância de muitas milhas mar afora: o que poderia ver o navegante senão um belo monte todo verde com o cume esbranquiçado? Daí, concluímos, a razão do topônimo Mestre Alvo. Daí, também, Alvo significaria mira, ponto que serviria para marear determinada direção a ser tornada pelo navegador.

Não é de admirar o fato de ter sido mudado o nome original, pois isto é fenômeno não tão extraordinário assim, visto que são muitos os exemplos pelos quatro cantos do Brasil em que, seja por mal entendimento da pronúncia, do linguajar simples da gente do povo ou por acontecimentos ocorridos na história local, os topônimos podem sofrer grandes transformações, quando não são totalmente desfigurados, ficando completamente irreconhecíveis.

3 – Algo sobre a cartografia

Deixando um pouco à parte estas considerações que dizem respeito aos textos, vamos examinar algo da cartografia que tivemos oportunidade de analisar sobre o Mestre Álvaro. Se houve certa dificuldade em obtermos textos sobre o assunto enfocado e se há tanta multiplicidade de nomenclaturas para a famosa montanha serrana, o mesmo observamos quando analisamos a cartografia existente.

Até hoje somos um Estado carente, dentre outros itens, no que concerne às impressões cartográficas de boa qualidade; tanto isto é verdade que as referidas impressões são confeccionadas fora das nossas fronteiras. Como é sabido, antes de se chegar à impressão da própria carta geográfica há que se ter um bom e cuidadoso levantamento de campo e de gabinete. Os erros são, mesmo assim, ainda hoje, comuns. Imaginem então nas cartas antigas, quando o próprio território representado era quase desconhecido… É claro, aqui não existiam nem empresas privadas nem órgão público que se dedicasse a tais labores.

À cata de cartografia antiga e nova do nosso Estado tivemos oportunidade de manusear alguns exemplares dignos de nota. Tal é o esboço de representação cartográfica — e dizemos esboço porque não poderíamos de mapa, no sentido moderno do termo, tendo em vista que nem escala possui — que tem importância histórico-geográfica, datado de 1666, constituindo um trabalho de grande envergadura para a época, vez que abarca toda a costa brasileira. Nesse trabalho, a parte que nos interessa focalizar denomina-se “Demostração do Sprito Santo”, que está reproduzida no livro de José Teixeira de Oliveira, sob o título História do Estado do Espírito Santo. O trabalho cartográfico total é constituído de trinta e um mapas sendo que o Espírito Santo representa, naturalmente, uma pequena parcela desse conjunto. Vários topônimos estão ali representados e que são nossos conhecidos hoje: Ponta de Tubarão, Forte de São João, baía do porto do Sprito Santo, bem como as Serras do Mestre Alauro (sic), nosso Mestre Álvaro. Estranhamente, o Mestre Alauro está representado como se fosse constituído de montes isolados e, além disso, plotados muito mais próximos do litoral do que na verdade se encontra o referido maciço. Foi, claro, um erro grosseiro cometido, o que bem demonstra ainda o desconhecimento do nosso território naquela época.

Em outro mapa, Demonstração do Sprito Santo muito semelhante ao anterior, porém ampliado, com orientação, sem escala, encontram-se entre tantos nomes conhecidos de hoje: Nossa Senhora da Penha, morro de João Moreno, Pão dasucar (Penedo) e Serras do Meitre Aluaurro (sic). Ainda, ampliado fotograficamente, existe outro mapa com as mesmas características do anterior, com escala gráfica em léguas, em que está firmado Serra de Meitre Aluauro (sic). Por serem bem semelhantes, tais mapas devem corresponder a uma mesma época, século XVII. Por que apresentam tanta variação de nomes no que diz respeito ao monte que nos interessa? Talvez descuido dos desenhistas-copistas ou dos cartógrafos ou das incertezas do nome da montanha já naquela época.

Na metade exata do século passado veio a lume a Carta Topográfica e Administrativa da Província do Espírito Santo, impressa por famosa gráfica da época, Garnier Irmãos, do Rio de Janeiro. Apesar dessa referência não há menção ao Mestre Álvaro. Por aí se pode sentir a precariedade da cartografia e dos levantamentos topográficos aqui realizados.

Ainda no século passado, ano de 1876, na escala 1:500.000, é impressa a Carta da Província do Espírito Santo pela Litografia Impressora de Rensburg, do Rio de Janeiro, onde estão consignados nomes locais tradicionais: Ponta de Tubarão e é claro, o Mestre Álvaro.

Um exemplo interessante é o da Planta da Província do Espírito Santo, datada de 1878, impressa na litografia do Rio de Janeiro. Nela consta a representação do Mestre Álvaro com um erro de cota máxima apreciável, 980 metros, quando sabemos hoje ser de 833 metros. Teria sido interessante se pudéssemos Ter incluído neste trabalho cópias reduzidas das cartas que analisamos, mas como isto não foi possível, como já frisamos, temos de nos contentar com essas pequenas observações.

No Mapa do Sul e do Centro da Província do Espírito Santo, publicado em dezembro de 1870, sem especificação da casa impressora, estão assinalados tanto o Mestre Álvaro como o Muchoua (Mochuara) sem citação de cotas. Devido ao despovoamento e à existência de matas virgens que havia no norte do nosso Estado àquela época, deixou-se de representá-lo cartograficamente.

Ainda dessa década de setenta do século passado tivemos oportunidade de analisar o mapa Província do Espírito Santo, de 1873, mandado litografar pelo conselheiro e ministro do Império João Alfredo de Oliveira. Trata-se de projeto de uma nova divisão do Império proposta pelo Deputado Cruz Machado. Como não podia deixar de ser, pela sua época recuada, é um documento cartográfico pobre de dados, nele não figurando o Mestre Álvaro.

Da década anterior compulsamos o documento cartográfico “Província do Espírito Santo” que fazia parte do Atlas do Império do Brasil, onde está assinalado o Mestre Álvaro com um erro de posição, uma vez que aparece junto ao Rio Reis Magos.

Da década de 50 do século XIX tivemos em mãos a Carta da Província do Espírito Santo, em que também é representada parte da Província de Minas, onde está figurado o Mestre Álvaro sem registro de cotas. Noutra carta da Província do Espírito Santo, obra de execução militar datada de 1854, está impresso o Mestre Álvaro em posição aparentemente correta, porém com a cota absurda de 4.500 pés, o que, evidentemente, dobraria a altitude do maciço.

Outro mapa da Província do Espírito Santo, cópia de outro mais antigo, datado de 1932, brinda-nos com um esboço da planta de Vitória do ano de 1764. O norte do Estado está representado como sertão desconhecido, não havendo também os limites precisos entre Minas Gerais e Espírito Santo. Encontra-se gravado o M. Mestre Álvaro.

Corria o ano de 1944, sendo interventor no Estado Jones dos Santos Neves, quando é organizado pelo saudoso professor Cícero de Moraes, um mapa do nosso território estadual, contendo a rede hidrográfica e cidades, além das vilas existentes àquela época. Mesmo pobre em dados nele está plotado o morro Mestre Alvo. A impressão ficou a cargo do IBGE, hoje FIBGE.

Na década de sessenta (1967), o Estado, em convênio com o IBGE, imprime um novo mapa geográfico, com curvas de nível, divisão político-administrativa, hidrografia, onde novamente está plotado e grafado o Mestre Alvo.

De bom nível técnico, a FIBGE publica em 1978 a Carta do Brasil, na escala 1:50.000, em várias folhas: naquela em que figura a área que nos interessa está grafado Mestre Alvo, com curvas de nível, na sua posição correta, com seu ponto culminante assinalado em 833 metros.

Para finalizar este item sobre cartografia queremos apenas lembrar que não só os parâmetros sócio-econômicos medem o desenvolvimento de um país ou de uma unidade federada como o PIB, a renda per capita, a produção industrial e agrícola, o número de telefones por habitantes, o número de automóveis por habitantes, a escolaridade da população etc., etc. A lista é longa. Não se pode ignorar que um país ou mesmo uma unidade federada, para planejar melhor e administrar convenientemente o seu território, precisa conhecer sua realidade, e isto é facilitado, sensivelmente, se existe uma boa e atualizada base cartográfica geral, aliada a uma segura cartografia temática e especial.

Hoje, e cada vez mais, empregam-se satélites artificiais que proporcionam meios rápidos e eficazes que permitem atualização constante das imagens por eles transmitidas, as quais posteriormente são transformadas em excelente material cartográfico. A partir da Segunda Guerra Mundial começaram a ser cada vez mais utilizados os levantamentos aerofotogramétricos, a princípio com finalidade militar, hoje, porém, com largo uso na esfera civil, levantamentos estes que se traduzem em indispensáveis trabalhos cartográficos de aplicação prática imediata.

4 – A situação do Maciço, hoje

O maciço do Mestre Álvaro está localizado no município da Serra, estando enquadrado nas coordenadas geográficas seguintes: Lat 20° 08′ 32″ e 20° 11′ 28″ S / Long 40° 07′ 42″ e 40° 19′ 44″ W

Está, portanto, dentro da região tropical litorânea brasileira, sendo sua cobertura vegetal pertencente à Mata Atlântica de Altitude, com grande variedade florística, hoje, infelizmente, bastante degradada pela ação do homem.

Quanto à fauna, estudos preliminares realizados por estudantes de Biologia da Ufes dão conta que havia em 1982, em suas matas, sagui da cara branca (Calithryx geofrogi), pacas, preás, caxinguelês — mamíferos; gambás, morcegos — marsupiais; japus, colibris, sanhaços, bem-te-vis, gaviões, corujas — aves; sapos, rãs, pererecas — anfíbios; cobras e lagartos — répteis; caranguejos, camarões, goiamuns — crustáceos; aranhas, escorpiões — aracnídeos.

Dezenove cursos d’água foram identificados, uns permanentes outros temporários e, sendo assim, não é de admirar que existam peixes, conforme permitam os riachos que descem as encostas, ora mais ora menos íngremes, havendo adaptações das várias espécies ictiológicas, conforme as condições das correntezas. Registrado está, por exemplo, a presença do bagrinho. Aliás, existe uma pequena pesquisa apresentada por professores da área de biologia da Ufes exatamente sobre a existência de algumas espécies em um dos cursos d’água do Mestre Álvaro.

Alguns autores consideram o Mestre Álvaro como sendo de composição gnáissica, outros tratam-no como granítico. Tal disparidade parece-nos provir do fato de que (considerando-se o conjunto da área que abrange Vitória e todo o seu entorno) a formação geológica desta região é uma colcha de retalhos de rochas de origem magmática e metamórfica, portanto constituídas de vários tipos de granitos e de gnaisses que se sobrepõem.

Em termos geomorfológicos, o Mestre Álvaro é um monadnock tipo härtling, ou seja, constitui-se numa elevação residual que ofereceu resistência ao trabalho erosivo em região de clima úmido. Sendo a constituição rochosa desse maciço mais resistente, foi portanto menos atacada pelos elementos erosivos. Pode-se também chamá-lo de morro testemunho.

Circundando a montanha estão a noroeste uma planície fluvial; ao sul e a sudeste a planície flúvio-marinha; e ao norte e nordeste estão os terrenos dos tabuleiros, terras mais elevadas e planas entre as quais está o chamado Planalto de Carapina.

O ponto culminante do maciço atinge 833 metros, estando assim cento e vinte e três metros acima do famoso Corcovado, da cidade do Rio de Janeiro.

Calculamos o perímetro do maciço, no seu sopé, sendo de aproximadamente 28km, o que representa a distância entre o centro da cidade de Vitória até a sede do município da Serra.

Não podemos deixar de mencionar, mesmo em poucas palavras, a área de preservação ambiental existente que cobre a montanha. Em nove de agosto de mil novecentos e setenta e seis, através da Lei 3.075, foi criado o Parque Florestal e Reserva Biológica Estadual de Mestre Álvaro, abrangendo uma área de 3.470,00ha. Em sete de janeiro de mil novecentos e noventa e um, pela lei 4.507 esta mesma porção de terras, ocupando grande parte dos terrenos do maciço, é transformada em Área de Proteção Ambiental Estadual de Mestre Álvaro.

A finalidade da criação de uma área desta natureza teve por escopo dotar a Grande Vitória de um importante sítio de lazer; humanizar o ambiente urbano da capital; guardar um acidente geográfico de conotação histórica, vez que ele é mencionado em textos desde os primórdios da colonização do solo espírito-santense; preservar a beleza cênica do maciço; resguardar a flora e fauna que fazem parte da Mata Atlântica; evitar danos aos sítios arqueológicos (sambaquis) ali existentes; integrar o maciço num plano turístico-educativo-recreativo; proteger as nascentes, os solos e, enfim, a ecologia local.

A bem da verdade, entretanto, é bom frisarmos que tais objetivos não estão sendo perseguidos, bastando dizer que nunca houve uma desapropriação de terras no local, nem foram colocadas em prática medidas eficazes para combater os abusos de pessoas que agridem os recursos naturais do lugar. As vistorias praticadas visam apenas não permitir que seja utilizado o fogo na destruição do verde. Os ocupantes podem plantar em toda a área já desmatada desde que não afetem as matas ainda existentes. De preferência devem cultivar produtos perenes (café, banana, etc.).

Observando-se fotos aéreas percebe-se que o maciço está bastante retalhado, dividido e erodido. A cobertura vegetal está entrecortada em todos os níveis por pastagens, culturas permanentes, capoeiras, macegas, rochas expostas.

A situação fundiária é caótica: há ocupantes com documentos de posse, outros com documentação de parte da área ocupada, mas sem documento da área restante e, enfim, há os que possuem documento definitivo há muitos anos. Segundo dados de fins da década de 70, havia 113 proprietários cadastrados (ITCF, 1983).

Por informações colhidas no órgão competente da realização de pesquisa, proteção e fiscalização de algumas das reservas florestais existentes no Estado (ITCF), inclusive da Área de Proteção Ambiental de Mestre Álvaro, fomos cientificados de que não existe nenhum fiscal permanente no local para executar o essencial, quando, na verdade, há necessidade de dez homens. Por aí se tem retratado o quadro lastimável da APA do Mestre Álvaro. Não há verbas nem plano de recuperação para atendê-lo.

5 – Conclusões e recomendações

Do que expusemos linhas atrás, concluímos que a população deixa de usufruir de um área por todos os títulos importante para o lazer, principalmente os habitantes da Grande Vitória que poderiam desfrutar, de modo educado e responsável, das belezas do Mestre Álvaro. Por que não embutir, em um plano de preservação da área, a instituição de cobrança de ingressos a preços módicos que reverteriam em favor da manutenção desta APA? Esta serviria também de local para desenvolvimento de programas didáticos de ciências naturais e mesmo para estudos científicos de fauna, flora e pesquisas arqueológicas. Ficaria deste modo preservado um monumento natural histórico, conforme já fizemos alusão neste texto.

Mesmo sem estrutura alguma e com todo o descaso das autoridades competentes, o Mestre Álvaro continua a ser visitado por muitas pessoas, mormente jovens, que se deslocam em grupos para apreciar a vista magnífica que o maciço proporciona, entrando em contato direto com a natureza, sentindo o frescor das matas que ainda resistem à depredação, dos córregos d’água que possuem seus peixes, dos animais que ainda restam, do ar puro que o envolve, dos sons dos elementos naturais que fazem bem a todos que vivem massacrados pelos ruídos ensurdecedores da vida urbana.

[COSTA, Ricardo Brunow. A propósito do Mestre Álvaro. Vitória: Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo/Prefeitura Municipal de Vitória, 1995. 92p. (Cadernos, vol.VI)]

Ricardo Brunow Costa é geógrafo formado pela UFRJ, tendo vários livros e artigos publicados. Para outras informações, consulte a listagem de pesquisadores. (Para obter mais informações sobre o autor, clique aqui)

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