Depositavam-no, como era costume imemorável, no terraço, em frente da torre, sob arcadas de folhagens, entremeada de odoríferas flores. Era a natureza pagando seu justo tributo à sabedoria, que a tinha criado e fecundado com os ricos primores dos inesgotáveis cofres de seus tesouros.
Promoviam esta festa os incansáveis influentes, de gloriosa memória: José Ribeiro Coelho, Torquato Malta, Resendo, Venceslau da Costa Vidigal, o velho Luciano, o velho Espíndola de Inhanguetá, Domingos Tintureiro, Sebastião d’Araçatiba,[ 1 ] padre Dr. Bermude, padre Fraga, Manoel das Neves e o velho Machadinho do Queimado. A concorrência era admirável! Ninguém ficava pelas roças. Todos, à porfia, vinham pagar com ofertas de subido[ 2 ] valor os tributos de sua piedade. O alpendre e os corredores do convento ficavam atopetados de oferendas! Nunca vi tanta profusão, tanta franqueza, tanta filantropia, a par de tantos risos, tanto entusiasmo, tanta religião!…
Aqui meu coração se expande, minha imaginação se exalta, até minhas veias se dilatam para dar franca circulação a meu próprio sangue! Borbulham pensamentos… baralham-se ideias… o êxtase me transporta!… Sinto… mas não posso dizê-lo!… O prazer me embriaga!… O pesar me acabrunha!… O prazer pelo passado, o pesar pelo presente.
Precediam novenas (nove noites de jaculatórias e litanias[ 3 ]). Na véspera, junto ao pórtico do convento, levantava-se um trono para o imperador[ 4 ] que, com seus mordomos, antes e depois, distribuía avultadas esmolas em prata e ouro pelos pobres, e comida pelos indigentes. Ao lado do Evangelho[ 5 ] tomava ele assento sob um dossel rico, para assistir às cerimônias religiosas. Em um tamborete coberto de veludo escarlate depositavam-se a coroa de ouro e o cetro de sua realeza festival. Por detrás hasteava-se a bandeira com seu emblema e no topo da hástea, a que ela se prendia, estava a pomba misteriosa da pureza e da velocidade das graças divinas!
Tudo era simbólico e expressivo!
A calçada, as arcadas do pórtico, estavam iluminadas por luzes multicores, representando outros tantos espíritos que abrilhantavam o céu de Francisco de Assis. Doze foliões, meninos vestidos de branco, com chapéus pretos, voltado o lado da frente para a copa, em forma de semicírculo, onde se engastavam pérolas, ametistas e topázios em simetria, caminhavam adiante do imperador e imperatriz, cercados por um quadrado de varas encarnadas que os separavam da multidão, acompanhando na ida para a igreja, e volta para casa. Adiante dessas figuras ia a irmandade, presidida pelo clero, que funcionava, com tochas acesas, e muitos convidados e pessoas de todas as hierarquias. Os foliões levavam tambor e cada qual um chocalho, que acompanhava as suas canções.
Ao penetrar a igreja, os dois guias que faziam as vozes de tenor e contralto levantavam os seguintes versos:
Deus te salve, casa santa,
Onde o ser supremo habita;
Aqui s’adoram mistérios
Da divindade infinita!
Respondiam todos:
O Divino Espírito Santo,
Das almas consolador,
Consolai as nossas almas,
Quando deste mundo for.
No dia de Pentecostes (palavra grega que significa descida do Espírito Santo) emissários se dirigiam antes da festa, seguidos por pretos, com cestos de carne fresca e pães, a distribuírem esmolas pelas casas dos que não podiam ir, nem mandar receber os óbolos da caridade. Assim como o espírito da sabedoria e a virtude da caridade tinham repleto os Apóstolos, agora em outra forma penetravam elas a morada dos pobres, para aliviá-los em suas misérias.
Antes da missa solene benzia-se o pão em forma de línguas ou de pombas, e bem assim emblemas de prata e ouro, que se repartia por todos os circunstantes.
Dava o imperador um lauto jantar em esplêndida mesa e acompanhava com seus mordomos e foliões a procissão. Em seguida entoava-se o Te Deum.
Na véspera, à noite, fazia-se o sorteio da imperatriz e, no dia da festa, o do imperador. Depois do Te Deum o velho imperador, que deixava ou abdicava o trono, ia em procissão levar a coroa e o cetro ao seu sucessor, e a bandeira à nova imperatriz. Na casa de ambos o clero entoava magnificat diante de um altar, que, para esse fim, se preparava. Estavam ali o símbolo da realeza e o emblema do Divino Espírito Santo.
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NOTAS
Pe. Francisco Antunes de Siqueira nasceu em 1832, em Vitória, ES, e faleceu na mesma cidade, em 1897. Autor de: A Província do Espírito Santo (Poemeto), Esboço Histórico dos Costumes do Povo Espírito-santense, Memórias do passado: A Vitória através de meio século. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)