As gravatas eram de grandes lenços de seda preta ou fustão branco; depois foram sucedidas por umas pescoceiras altas, medonhas, sufocadoras, que obrigavam os velhos a entesar os pescoços! Eram feitas de duríssimo papelão, com três colchetes para se abotoarem!… Apenas tinham um ligeiro recorte para acomodar a barba… O que forca para os de pescoço curto! No verão eu morria asfixiado!… Quando o velho era autoridade levava o espadim de ouro.
Os meninos até cinco anos usavam mandriões[ 1 ] de chita, ou camisola, em casa; na rua porém vestiam uma roupinha inteiriça, abotoada por colchetes pelas costas, sobre uma camisa cujo colarinho-perdido todo bordado, a custoso trabalho de agulha, que tomava meses, caía em roda da abertura ou cabeção. Da juventude à puberdade usavam de nisas[ 2 ] e fraques ou robissãos.[ 3 ] Aqueles tinham a forma de uma fardeta; na cintura, por trás, tinham duas abas curtas sobrepostas, com vivinhos[ 4 ] de veludo preto: estes, a de uma sobrecasaca, cuja cintura era circulada de fofos ou preguinhas; nos ombros havia uma protuberância também com pregas, que se assemelhava aos globos de vidro dos lampiões de querosene!
Ficava a agente armada como uma arara quando se arrufa.
As calças tinham quatro pregas aos lados, que arredondavam a barriga, de modo que sempre estava esta folgada, disposta para encher-se, ganhando todas as disposições para a mais completa obesidade! Mas… deixem lá!… Pelo menos não eram ofendidos o baço, o fígado, que têm imediata relação com o nosso coração, pêndula reguladora da vida. O ventre era livre, o que tornava os movimentos dessa máquina complicada, todos mui regulares. A saúde pouco se alterava!…
Resta dizer: que os velhos e os moços púberes usavam de botas ou coturnos, cujos canos vinham ate meia-perna. Para isso tínhamos famosos sapateiros. O mestre Antônio da Pedra, os irmãos Sales, o Costa, rodeados de oficiais,[ 5 ] que aprontavam em 24 horas um calçado, scilicet[ 6 ] simples.
A instrução para meninos era apenas distribuída pelo mestre major Inácio dos Santos Pinto, velho respeitável que faleceu com seus oitenta anos; era irmão do major Paula, únicos que sabiam música, e, pela intimidade com os últimos jesuítas, tinham conhecimentos mais elevados, e eram práticos nas cerimônias da igreja. Tratavam com as primeiras[ 7 ] pessoas da terra, eram consultados, como provectos, em tudo, e [se] aplaudiam os seus conselhos e resoluções.
Constava o triplo exercício do ensino primário: ler, escrever e contar, e com ioda a perfeição desejável. O método não era bom e por isso os resultados tardavam. Além de que, o mestre era surdo… e avaliem o que podia fazer a rapaziada, sempre travessa, como sói serem todos os tempos e em toda a parte.
A mocidade se estremece nessa estação em que brotam os pimpolhos de seus risos e flores c, aos saltos, às braçadas, aos gritos, que desprende, ela significa com vivas expressões que é ativa, que sente, que nasceu para a luta, para o trabalho, desenvolvimento e propagação de sua raça. Os seus exercícios são o movimento da vida! Perdoemos-lhe as indiscrições, próprias da idade, mas demos-lhe direção a seus dúbios e vacilantes passos. Entregues aos ímpetos da natureza, os abismos tragá-los-ão.
A caligrafia do mestre era de caráter português, letra redonda, inteligível, cópia fiel dos exemplares.[ 8 ] Empregava ele por si e pelos decuriões[ 9 ] todo o cuidado e vigilância em pegar-se bem na pena, pondo-se os dedos nas devidas posições. Havia até um modelo para isso. Que reguadas nos dedos! Que piparotes na cabeça! Dizia ele, às vezes, fazendo tremer a gente por sua voz de estertor: “Que é isso? Tem dedos de caranguejo? Olha o exemplar… Levanta o corpo, endireita a cabeça!” E daí… zás… zás… um puxão de orelha, que ensurdecia a gente! Ardia como pimenta e, por horas, os ouvidos barulhavam uns zumbidos como cortiço de abelhas, quando as vão despertar de seu trabalho!
Os delitos leves eram punidos com o levantamento de um dedo para o ar (o índex) com o braço erguido; com os dois braços em atitude de estação;[ 10 ] com as palmas das mãos voltadas para o joelho, que as magoava pelo peso do corpo, em uma curvatura forçada e opressora; além da paralisia, por falta da circulação de sangue, nas costas [das mãos], onde ficavam por muito tempo impressos, com viva dor, os sinais e vestígios das saliências do assoalho e dos grãos de grossa areia levados pelo calçado de 214 alunos!!!
Atraso grande, madraçaria[ 11 ] maior; desleixo condenável e, afinal, bárbaro e abominável!
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NOTAS
Pe. Francisco Antunes de Siqueira nasceu em 1832, em Vitória, ES, e faleceu na mesma cidade, em 1897. Autor de: A Província do Espírito Santo (Poemeto), Esboço Histórico dos Costumes do Povo Espírito-santense, Memórias do passado: A Vitória através de meio século. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)