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Artigo 25

Faziam ainda os terceiros da venerável ordem terceira da Penitência vias- sacras nas sextas-feiras de quaresma, presididas pelo guardião de São Francisco, seu comissário, às 5 horas da tarde, visitando os passos estacionados nas diversas cruzes, algumas das quais ainda existem nesta cidade. A noite saía uma outra de São Gonçalo com a imagem das Dores. O povo acompanhava com recolhimento e compunção todos esses atos, que preludiavam a celebração da Páscoa.

A irmandade do Rosário dos pardos, no primeiro domingo de cada mês, saía em procissão, cantando-se solenemente o terço, cujos mistérios (15) se contemplavam nas ruas, assentando-se o próprio andor no chão, por entre a relva crescida de nossas calçadas! Como a esse tempo já ia amortecendo a luz da fé, pelos espessos vapores da dissolução de nossos costumes, trazidos por alguns libertinos, filósofos do eu e adoradores da estátua do ouro, o Dr. Alvarenga, arciprestearcipreste[ 1 ] da província, proibiu expressamente, por uma portaria, esses atos que, às vezes, entravam por alta noite, prestando-se para obscenidades que horripilavam o bom senso.

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A ordem terceira do Carmo, que hoje se orgulha de possuir uma capela onde, a par da decência, rivalizam o esmero, o zelo dos cultores da Virgem do Carmelo, no domingo de Ramos oferecia-nos um quadro bem expressivo dos martírios de Cristo.

Aquelas imagens, que ainda hoje se deixam ver ostensivamente naqueles altares laterais, percorriam em ato processional as ruas principais desta cidade. Seguiam na ordem prescrita pelas narrações evangélicas:

1° A imagem do Senhor no monte das Oliveiras, orando ao eterno pai, quando se desenrolava em sua ardente e divina imaginação o quadro do drama sanguinolento e desumano que lhe dava a morte afrontosa no patíbulo da ignomínia. Um anjo lhe oferecia o cálice onde libou as mais acerbas amarguras.

2° Representa-o preso, para ser presente às autoridades da terra, quem mais tarde há de ser o supremo julgador dos juízes injustos!

3° Amarrado em uma coluna, onde, durante uma noite, sofreu os mais bárbaros açoites!
4° Sentado em uma brusca pedra, onde recebe bofetadas, irrisões, doestos ignominiosos e infamantes baldões! Vestido de uma púrpura irrisória, com um cetro da cana agreste, é aclamado por zombaria Rei dos Judeus!

5° Competentemente preparado para o martírio, depois de escarnecido, atrozmente injuriado, Pilatos o apresenta ao povo, a ver se o comovia: Ecce homo.

6° Já ajoujado[ 2 ] ao peso enorme de uma cruz, se o figura caminhando para o calvário.

7° Ei-lo pendente do patíbulo, seu trono de glória, sede de sua realeza, cadeira do seu juízo, morto para destruir a morte, e donde ressuscita, para reanimar o homem da vida da culpa para o batismo da graça. Esta imagem tinha a seus pés a lacrimosa Madalena, assistente de seus suplícios.

Levava cada imagem o seu anjo com palmas do triunfo glorioso em que seriam convertidos os seus acerbos tormentos!

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E na verdade esse acontecimento assinalou os fastos da igreja cristã e santificou essa plêiade inumerável de mártires que ornam as galerias da história, atravessando idades e gerações e vendo tombar em ruinosas hecatombes os monumentos do orgulho humano, que se levantam para atacar a sua supremacia!

Dezenove séculos são passados, e o cristianismo caminha sempre na vanguarda de todas as instituições! Condenando os vícios e os erros, ele abriu uma luta em cujos encontros arriscados sai sempre vitorioso.

Os grandes sistemas, os grandes cometimentos, fazem prosélitos durante a morte dos seus autores e dos seus heróis; a religião, morto o Cristo, perseguidos os defensores da sua lei, ainda persiste, levando a cruz aos mais remotos confins do universo!

Sua propagação rápida, e ainda hoje prodigiosa, é o maior de todos os seus milagres! Sua ascendência sobre os espíritos refletidos, sua influência benéfica sobre os corações ainda eivados dos mais mortíferos venenos, dá-lhes vida pelo bálsamo de suas virtudes!

* * *

Será bom e proveitoso, para se formar uma ideia do que fomos e do que poderemos ainda vir a ser, porquanto tenho, cá para mim só, que tudo se há de reproduzir do mesmo modo na sucessão dos tempos futuros (o homem é sempre o mesmo homem), referir os jogos em que se entretinham os rapazes na hora do seu recreio; os rapazes, digo eu, mais livres, porque outros não tinham licença para tomar neles parte, visto as cautelas dos pais mais vigilantes em prevenir os excessos das travessuras.

Durante o ano, nas noites de luar, reuniam-se eles em chusmas de vinte ou de trinta, nos diversos quarteirões da cidade, para se distraírem dos penosos trabalhos da escola, dentre eles o mais cacete [era] copiar a lição de Simão Mântua ou o mercador de feiras, em cadernos bem riscadinhos e bem limpinhos que, às vezes, o mestre passava, de oito páginas!

Quantas vezes amaldiçoei minha sorte, ouvindo os companheiros darem-me aviso, por assobio, de que iam entrar em luta, quando estava eu no tal — nó da careta — como dizia o caboclo a seu amo! As vezes, ao terminar o trabalho da maçante escrita, todo apressado, ofegante de prazer, em vez de pegar o areeiro,[ 3 ] segurava o tinteiro, e… zás, lá derramava eu a tinta pelo papel, inutilizando duas e mais folhas escritas!… Que frenesi! Batia o pé, arrancava os cabelos, praguejava a mim mesmo: Aí está! O que é lá isso? perguntava minha boa mãe. Acudiam logo duas denunciantes, duas irmãs, dizendo: O nhonhô borrou a escrita! Toma lá… bem feito… oh! oh!

Ferramo-nos então e vereis!… Puxão dali, piparotes dacolá… eis senão quando, aí vinha a espada de dois gumes decidir a bulha!… Agora tornai a copiar, menino, é para saberdes que a pressa é inimiga da perfeição… Devagar se vai ao longe. Mais tarde, e bem tarde, vimos nós a conhecer estas verdades!…

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NOTAS

[ 1 ] Chefe dos padres que compunham o clero de um bispo, ou de uma comunidade rural de clérigos.
[ 2 ] Vergado.
[ 3 ] Vaso em que se guardava areia fina para secar a escrita.

Pe. Francisco Antunes de Siqueira nasceu em 1832, em Vitória, ES, e faleceu na mesma cidade, em 1897. Autor de: A Província do Espírito Santo (Poemeto)Esboço Histórico dos Costumes do Povo Espírito-santense,  Memórias do passado: A Vitória através de meio século. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

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