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A.S.J.

Vitória. A palavra nem sempre soa, a ouvidos forasteiros, como um nome de cidade, dada a reação dos interlocutores distantes a quem tenho que dizer – em conversas quase sempre ociosas – onde moro. Aliás, é uma reação semelhante à minha quando uma pessoa me diz que se chama Vitória. É como se não pudesse ser o nome de uma cidade ou de uma pessoa. Às vezes alguém se confunde e pensa que se trata uma localidade da Bahia, cujo nome é uma redundância. De qualquer modo, como somos capazes de ignorar os significados de nomes próprios, todo mundo acaba se acostumando. Mas mesmo quando não estranhamos mais o nome, Vitória do Espírito Santo continua especial. Entrando no terceiro milênio com dilemas muito antigos, a cidade se atualiza sem perder ares deliciosamente provincianos. E assim vamos nos tornando matutos plenamente conectados ao resto do mundo.

Modéstia às favas, Vitória sempre agrada. Um exemplo foi a reação dos jogadores de futebol que aqui se hospedaram na copa do mundo de 2014. Duas seleções com integrantes que conhecem lugares do mundo inteiro não pouparam elogios à cidade. Teriam visto somente as chamadas “áreas nobres”? Esse conceito parece não ser mais o mesmo. A imprensa tem noticiado com frequência a procura por locais do Rio de Janeiro que em nosso imaginário seriam favelas inabitáveis para festas e até mesmo hospedagem. Problemas como trânsito irritante e especulação imobiliária estão presentes, mas em escala menor quando comparados com os de outras cidades, o que se deve talvez devido a uma população relativamente pequena. O preço a pagar pode estar na origem de uma vida cultural não muito agitada, pois falta de público é um dos possíveis fatores para a ausência de grandes espetáculos e de um público leitor suficiente para sustentar os escritores locais, para dar alguns exemplos.

Voltando no tempo, à época da ocupação portuguesa, a população ficou recolhida no alto de morros para se proteger dos canhões piratas e das flechas dos índios. A região hoje, salpicada de construções antigas, guarda marcas daqueles tempos difíceis. Com a passagem dos séculos, a cidade se esparramou sobre o mar, engoliu ilhas mais próximas e criou elos com suas vizinhas por meio de pontes sempre insuficientes para dar passagem aos que buscam incessantemente nela o sustento, o conhecimento ou o divertimento. Apesar de seu crescimento, limitado que seja, ainda é possível observar cenas que parecem saltar do passado, como os tranquilos senhores a jogar dominó preguiçosamente no já centenário Parque Moscoso, enquanto crianças circulam por ali despreocupadas em um lugar que julgam imenso. A insistência em se tornar uma cidade grande tropeça em um aeroporto apertado que hesita em crescer, e em shopping centers erguidos a custo e que não conseguem sair da sombra do que foi o primeiro e que parece ser o único na lembrança da maioria dos capixabas. E assim seguimos sem muita urgência.

Um aspecto interessante de Vitória é sua capacidade de conviver relativamente bem com situações que poderiam causar conflitos em outros lugares. Trata-se, portanto, de uma cidade que na maior parte do tempo é muito paciente. Como exemplo, cite-se a grande siderúrgica grudada como um apêndice da parte continental da cidade. Ao longo de décadas, os moradores aprenderam a conviver com a poluição, a todo tempo lembrada graças ao constante pó de minério facilmente perceptível nos móveis, nos pisos e nas paredes. Se a empresa – mais por força da legislação do que por outra coisa – adotou medidas para reduzir o impacto de suas atividades sobre o meio ambiente, pôde fazê-lo sem muita pressão. Mesmo assim, não se pode dizer que seja uma cidade sem consciência ambiental. Há um movimento pela redução do uso de automóveis, o que é favorecido pelas distâncias normalmente percorridas pelos habitantes, que geralmente moram não muito longe de seus locais de trabalho. A prática de atividades físicas ao ar livre é cada vez mais comum e incentivada pelo poder público.

Pode-se dizer, portanto, que Vitória cresce sem grandes sobressaltos. Se fosse uma criança, talvez não se destacasse como prodígio, mas também não demonstraria propensão para desvios de personalidade. Uma criança saudável, daquelas que não adoram comer verduras, mas também não se empanturram o tempo inteiro com doces e alimentos gordurosos. Enfim, uma criança sem tendências perceptíveis à obesidade ou à hipertensão. Daquelas que quando crescem não fumam, e bebem “socialmente”. Que respeitam o passado, anseiam pelo futuro e imitam seus ídolos à sua maneira.

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