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Barca nova

Menina da saia branca,
Que fazeis neste quintal?
— ‘Stou lavando meu lencinho
Para a noite de Natal.

— Aviai, andai depressa,
Vamos à praia brincar,
Vamos ver a barca nova
Que do céu caiu no mar.

Nossa Senhora vai dentro,
Nosso Senhor no altar,
São José é o contramestre
Com os anjinhos a remar.

Rema, rema, remador,
Que estas águas são de flor!
Rema, rema, remador,
Que estas águas são de flor.

Velha cantiga de roda divulgada em todo o Espírito Santo. Recolhemos variantes em Vitória, São Mateus, Linhares, Santa Leopoldina, Serra, Manguinhos, Araçativa e noutros pontos do Estado.

Numa versão de Manguinhos, vilarejo de pescadores próximo a Vitória, substitui-se o verso — “Nossa Senhora vai dentro”, por — “Nossa Senhora da Penha”, evidente influência da Virgem do Convento, padroeira milagrosa da terra capixaba. Em Santa Leopoldina, também se canta o verso final assim alterado: “Que estas águas são de amor”. Há tantas variantes que, em lugar de “Barca nova”, cantam “Lancha nova”, em vez de “remador” e “flor” — “remadores” e “flores”. Na Serra, uma versão diz: “Nossa Senhora levando / Nosso Senhor no altar”. No tradicional auto da Marujada, versão de São Mateus, enxerta-se o seguinte trecho, calcado, sem dúvida, nesta canção de roda, mas em toada de negro, muito diversa da melodia aqui registrada:

Vamos ver a Barca nova
Que do céu caiu no mar,
Nossa Senhora vem dentro,
Os anjinhos a remar.
São Pedro vem por piloto,
São João por capitão,
O Senhor Menino Deus
Regente desta embarcação.

Cecília Meireles que, em um dos seus interessantes sob o título “Infância e folclore” (A Manhã, 19/02/1942), focaliza esta antiga canção de roda e dela cita fragmentos e variantes — acha-a “uma das canções de mais poesia, tanto pelo que diz, como pelo que sugere”.

Desta cantiga, Alexina de Magalhães Pinto registrou, em “Os nossos brinquedos”, duas variantes — uma de Minas Gerais, intitulada “A praia”, p. 5; a outra, do Rio de Janeiro, “A barca nova”, p. 7. A música da versão mineira difere da nossa e, confessemos, é mais graciosa.

Com melodia muito parecida à de Minas, foi recolhida, pelos maestros João Gomes Júnior e João Batista Julião, outra variante sob o título “Vamos maninha” (Ciranda, cirandinha…, n. 27).

Em seu O Brasil cantando, n.158, frei Pedro Sinzig nos dá outra versão. A música é quase igual à melodia mineira de “Os nosso brinquedos”, mas difere na 2a parte, onde um si bemol tira toda a graça do motivo.

O Guia prático de Villa-Lobos estampa, sob n. 127, o “Vamos, maninha”, arranjo de melodia popular recolhida no Rio de Janeiro, bem diversa, aliás da cantiga capixaba e que é repetida com ligeira alteração no “chamado para brinquedo de roda” “À praia” (Guia prático, n. 33).

Modo de brincar: Arma-se a roda e todas as crianças cantam, girando, os versos da cantiga. Ao chegarem, porém, ao “Rema, rema…”, rodam e cantam bem ligeiro, cada vez mais rapidamente, repetindo os dois versinhos finais até cansarem.

[SANTOS NEVES, Guilherme (pesquisa e texto), COSTA, João Ribas da (notação musical). Cantigas de roda. Vitória:Vida Capichaba, 1948 e 1950. (v. 1 e 2).]

Guilherme Santos Neves foi pesquisador do folclore capixaba com vários livros e artigos publicados. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

João Ribas da Costa foi professor no interior do Estado do Espírito Santo.

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