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Canário e canarinhos

Foto Gilson Soares, 2014.
Foto Gilson Soares, 2014.

Em Pedro Canário acabei por me encontrar, de novo, com a turbulenta BR 101. Mas desta vez não transitei, nem pouco, nem muito, por ela. Contentei-me em transpô-la e a me hospedar em um hotelzinho situado a oeste da sua linha de turbulência. Essa inquieta (e importante, dizem) linha rodoviária brasileira, divide aquela ilha canária em duas partes desiguais: a leste está a cidade propriamente dita e a oeste, por trás da margem da BR 101, onde fiquei, está um aditivo urbano quase que exclusivamente residencial, mas que almeja, aparentemente, uma futura personalidade industrial.

Naquele fim de tarde de quinta-feira ziguezagueei – com cuidado, claro – sobre a intensa BR, em idas e vindas totalmente despidas de qualquer comprometimento.

Assim, localizei a EMEFM Manoel Duarte da Cunha, para em sua biblioteca depositar um ou dois exemplares de Minério; fui até a Biblioteca Pública Municipal Presidente Tancredo Neves com o mesmo intento; e circulei, surpreso, em torno da Lagoa Augusto Ruschi – ancorada a poucos passos do centro nervoso da cidade – onde pessoas vindas de todos os lados da urbe canária – algumas jovens, a maioria nem tanto – bordejavam, no afinco do seu footing, um céu claro de outono tropical refletido inteiro no espelho vespertino da lagoa.

Quando retornei definitivamente para a sua banda oeste, a noite já começava a acobertar a cidade.

Uma longa fila de vistosos ônibus de excursão, posta do lado do poente, em paralelo com a rodovia, chamou-me a atenção.

Com a minha agenda vadia vazia àquela altura da tarde da quinta-feira, atendi ao chamado da curiosidade e fiquei por ali, quase à porta do hotelzinho onde estava hospedado, observando a aterrissagem de uma revoada de canários pouco mais que adolescentes que, em sua maioria, atravessavam a BR 101, e se empoleiravam em torno daqueles ônibus ali comboiados já em posição de decolagem.

Aproximei-me de uma chilreante roda de canarinhas em flor, e quis saber o motivo daquela algazarra excursionista no anoitecer de uma quinta-feira banal.

Uma delas, com cortesia juvenil, explicou que estavam todos eles indo para as suas faculdades em São Mateus, cidade que está, informo ao leitor, imediatamente abaixo de Linhares no ranking que distingue a capital do Norte capixaba.

Logo depois, numa disciplina espontânea e graciosa, todos eles entraram nos seus ônibus e ocuparam os seus lugares; e os coletivos, aproveitando um hiato – concedido pelo semáforo – no trânsito da rodovia, iniciaram, enfileirados, o trajeto daquela aventura cívico-estudantil de rotina.

Eu ainda fiquei um pouco por ali, deglutindo a receita saborosa de Brasil, que me foi servida por aquele bando de canários, todos muito jovens, que depois de um dia de trabalho nas lojas, nos escritórios, nos restaurantes, nas padarias, nos canteiros de obras, nos hospitais dali da sua cidade, alçavam seu voo noturno em busca do futuro, com um vigor, uma alegria e uma beleza juvenis, emocionante.

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Gilson Soares é poeta e nasceu em Ecoporanga, no extremo noroeste do Estado do Espírito Santo, em 10 de fevereiro de 1955. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

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