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Capítulo II – Caçada em Três de Agosto

Três de Agosto ficava no que é hoje o município de Montanha, no norte do Espírito Santo — naquela época uma região ainda coberta de mata. Numa pequena aberta se situava a sede da empresa que explorava madeira em convênio com a Secretaria de Agricultura do Estado.

Era uma região de muito macuco. Nessa excursão resolvemos nos alojar num trecho da estrada aberta para extração de madeira. Lá estava conosco, pela segunda vez, Virgílio de Melo Franco.

As instalações eram muito precárias: parede de palha e cama feita de tronco de palmito cortado em duas bandas. Devido à presença de Virgílio, porém, surgiram camas de mola “patente”, cadeiras, poltronas de vime e demais utensílios visando ao conforto dos caçadores.

À tarde apareceu Artur Donato. Vendo o pessoal refestelado em cadeiras de vime, ele exclamou: “Isso parece mais um safari africano, é muito conforto para simples caçadores! Ao contrário de armarem acampamento no meio da mata, armam no leito da estrada…”

O Guducha, genro de Seu Dário, o capitão-do-mato, foi quem ficou como meu caboclo nessa caçada. Eu era muito jovem, por isso o Guducha tomou-se de ares paternais, supondo que ia acompanhar um caçador inexperiente… Procurei me impor, não deixando que ele tomasse a liderança.

Guducha possuía um pio de macuco, e se atrevia, apesar das minhas censuras, a piar a todo instante, durante a caminhada. De repente um macuco respondeu encostado à gente, e ele, entusiasmado, disse-me: “Fica no pé daquela árvore com sua roupa verde, que eu fico mais distante.” Discordei completamente, dizendo: “Vamos fazer uma choça.” Mandei-o cortar as palhas de uma palmeira e arrastar as folhas até o pé de uma árvore. Para evitar o ruído, ele propôs carregar as folhas nos braços, achando que o barulho prejudicaria a caçada. Discordei novamente, mandando que arrastasse a folhagem, pois sabia que o macuco só se espantaria com a voz humana ou se nos visse.

Lembrei de um fato esclarecedor. Certa vez encontrei, em minha caminhada pela mata, dois machadeiros que derrubavam uma imensa peroba, um de cada lado da árvore. Então perguntei se não sabiam de algum macuco que estivesse ali por perto. A resposta me surpreendeu: ali, bem perto da derrubada, um macuco piava várias vezes por dia.

Com a ajuda do Guducha fizemos uma choça espaçosa o bastante para evitar que a ponta da espingarda tocasse nas palhas, abrindo depois algumas “janelas” na choça. Então comecei a piar chororão e em seguida a piar macuco, e a resposta não se fez esperar.

A ave apareceu à nossa vista e começou a caminhar na direção do pio. O Guducha então me falou para parar de piar, porque o macuco é bicho muito velhaco e saberia distinguir o pio do caçador. Outra grande besteira… O fato de parar de piar leva o macuco a perder o rumo e a dar volta à choça do caçador. Continuei piando, compassadamente, até que ele se aproximou, afoito, da boca da minha Sauer 20. Então atirei calmamente no pescoço que, além de ser ponto mortal, evita estragar o corpo com a chumbada.

Em outras ocasiões preferia ficar chororocando com a boca, o que deixava livre o braço, que não precisava ficar segurando o pio. Aí o sucesso era bem melhor, pois, com o braço livre, mantinha a arma bem apoiada, apontando na direção da caça.

Eu era um caçador jovem, sem preconceitos nem velhas manias. Possuía uma pistola Colt de tiro ao alvo e atirava razoavelmente bem. O problema era a escuridão, mas, com meu espírito inventivo, contornei o problema retirando — com o devido respeito — da parte de trás da imagem fosforescente de uma santa a massa que fixaria, com cola, na alça de mira da arma… Passei a matar chororão com certa facilidade. Não atirei no macuco porque achava a munição insuficiente. Mais tarde, fiquei sabendo, em Águia Branca, que nosso encarregado na construção da estrada de rodagem caçava macuco com a munição do seu rifle 22. Uma das razões de usar a pistola era julgar que o tiro faria pouco alarde; estava enganado. O estampido, partindo da catana da choça, ecoava com grande repercussão; então, era comum os caboclos, nas outras choças distantes, comentarem: “Lá está Seu Luizinho matando chororão…”

[ALVES, Luiz Flores. Caçadas. Reprodução parcial do livro publicado em Vitória-ES, pelo Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo e Prefeitura Municipal de Vitória em 1999. Reprodução autorizada pelo autor.]

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Luiz Flores Alves nasceu em Vitória, em 1920, e mudou-se no mesmo ano para Cachoeiro de Itapemirim-ES. Trabalhou na CVRD de 1942 a 1946 como administrador na construção de vários trechos da estrada de ferro. No Rio de Janeiro trabalhou em várias obras públicas e formou-se em Economia. Aposentou-se em 1985 como diretor do Centro Jurídico e Econômico da Universidade Federal do Espírito Santo. Faleceu em Guarapari, ES, no ano de 2003.

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