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Capítulo II – A imigração italiana no Espírito Santo



1. Nova Trento. — 2. Núcleo Timbuí na colônia de Santa Leopoldina. — 3. Núcleo Santa Cruz (Ibiraçu). — 4. Epidemia de febre amarela. — 5. Imperial colônia do Rio Novo. — 6. Núcleo do Castelo. — 7. Recesso e ruínas. Reativação da imigração. — 8. A fase republicana. — 9. Núcleo Antônio Prado. — 10. Colatina e seus primeiros habitantes. — 11. Núcleo Acióli Vasconcelos. — 12. Núcleo Demétrio Ribeiro. — 13. Núcleos Santa Leocádia e Nova Venécia. — 14. Sede em Linhares. — 15. Contrato Giffoni e proibição da imigração.

O movimento imigratório italiano no Espírito Santo tem características próprias e se processou, basicamente, em dois tempos: o primeiro inclui a fase imperial (1874-1882) que vai da fundação até a emancipação de núcleos nas colônias, em regiões próximas aos centros de comercialização; o segundo, a fase imperial e republicana (1885-1895) e é uma retomada do surto imigratório em regiões mais afastadas e interioranas e que termina com a proibição causada pelo insucesso do núcleo Muniz Freire no rio Doce.

Dentro da Província do Espírito Santo não foi igual o modo de ocupação da terra na parte norte e na parte sul. Em Santa Leopoldina, a primeira das duas grandes colônias, predominou o sistema de concessão de prazos, enquanto que na outra colônia, a de Rio Novo, era comum o sistema de parceria nas fazendas, com uma posterior compra dos terrenos pelos imigrantes, terrenos que nem sempre eram terras devolutas, mas partes de fazendas decadentes. Em Rio Novo vigorou sempre o sistema de prazos. Enquanto nesta colônia a divisão das terras seguia um quadriculado, na colônia de Santa Leopoldina os prazos coloniais se ordenavam à margem direita e esquerda doe pequenos a grandes rios, de modo que todos tivessem aguadas. Sabe-se por exemplo, que no Rio Grande do Sul as medições se faziam de um e de outro lado de uma linha reta de muitos quilômetros não importando os acidentes orográficas.

Os imigrantes italianos da primeira fase chegavam em blocos, levas unitárias de um carregamento, indo todos para um núcleo como aconteceu com os de Timbuí (Santa Teresa) e de Santa Cruz (lbiraçu). Tinham que enfrentar situações de impacto com a mudança climática, a selva brasileira, as doenças tropicais. Na segunda fase, os imigrantes chegavam em grandes levas. Eram repartidos pelos novos núcleos em contingentes menores e levados para lugares bem mais distantes dos centros comerciais. Havia dificuldade de comunicação e uma exploração exagerada no comércio de gêneros de primeira necessidade. Vindos em maior quantidade e distribuídos pelos portos de Itapemirim, Píuma, Benevente (atual Anchieta), Guarapari, Vitória, Santa Cruz, São Mateus, necessariamente passavam pelos núcleos já fundados que, na sua maioria, se encontravam em franca prosperidade.

Diferente também foi a legislação sobre a imigração no Brasil e nas província do Império nos dois tempos inicialmente apontados. O decreto nº 3784, de 19 de janeiro de 1867, que aprova o regulamento para as Colônias do Estado, foi a cartilha da imigração no Brasil. Este regulamento teve muita força mas também gerou conflitos. Vigorou no Espírito Santo sempre com alterações e modificações ditadas por ofícios, portarias, avisos, pareceres, etc… Foi suprimido pelo decreto nº 7570, de 20 de dezembro de 1879. A lei de 28 de setembro de 1885 reativou as colônias emancipadas, daí se começando a usar, para designá-las, os termos: ex-colônia de Santa Leopoldina, ex-colônia do Rio Novo, ex-colônia do Castelo. Com o advento da República, o decreto nº 4 de 4 de junho de 1892 deu novo regulamento ao serviço de terras e colonização, com modificações complementares do decreto nº 20 de 30 de janeiro de 1893.

1. Nova Trento

Das imigrações europeias no Espírito Santo a italiana foi a mais numerosa e intensa, apesar de se ter iniciado somente em 1874. Com a abolição da escravatura, prenunciada em fervorosa campanha política, os conselheiros do Império sentiam que o Brasil não conseguiria passar de sua estrutura agrária para uma estrutura industrial, porque “as grandes fábricas no Brasil só dão prejuízos[ 1 ]. A alternativa que se impunha era a substituição do braço escravo pelo braço do trabalhador europeu que, freqüentemente enganado ou, por outros termos, persuadido por campanhas propagandísticas tendenciosas pensava encontrar aqui o Eldorado. A primeira experiência neste sentido fracassou e ocorreu no Espírito Santo, na fazenda “nova Trento”, de Pedro Tabachi, em Santa Cruz, às margens do rio Piraqueaçu.[ 2 ]

O senhor Tabachi imaginou fazer fortuna com o sistema de parceria mantido cora seus co-nacionais. Para isto, tendo recebido favores do governo imperial através do decreto nº 5295 de 31 de maio de 1873, percorreu a região de Trento, na Itália, sua terra natal, e contratou mais de 50 famílias. Era setembro de 1873. A 19 de fevereiro do ano seguinte chegava ao porto de Vitória o brigue-barca Sofia, depois de 45 dias no oceano. Como o navio era muito comprido acabou encalhando ao manobrar entre o monte Moreno e a Ilha do Boi, e os passageiros tiveram de desembarcar do lado de Vila Velha, de onde foram transportados para a capital. Durante a travessia morreram duas crianças de 11 meses cada uma e chegaram 56 famílias perfazendo um total de 386 pessoas.

Menos de um mês depois de sua chegada a Santa Cruz no vapor “Diligente”, apareciam os primeiros sintomas de descontentamento. A 13 de março de 1874 o Juiz de Direito de Santa Cruz escrevia ao Dr. Luiz Eugênio Horta Barbosa, presidente da província, comunicando que

chegaram a esta vila o Sr. Pedro Tabachi e seu genro e declararam às autoridades que ameaçados em suas vidas por alguns colonos, que se achavam armados e sob fúteis pretextos tratavam de sublevar a Colônia, viam-se obrigados a deixar a sua fazenda e a pedir providências que lhes garantissem as suas famílias e contivessem os revoltosos. À vista disto partiu incontinenti o subdelegado de polícia a fim de providenciar a respeito e de contê-los, até que V. Exa. com o conhecimento do exposto, ordenasse a expedição de força.[ 3 ]

Juntamente com este ofício o juiz remete cópia do ofício de Pedro Tabachi:

Ilmo. Sr. Tendo os colonos que levei para minha fazenda por instigações de três ou quatro cabeças, e sem causa, revolucionados a porto de ordenar-me o transporte de todos eles até a Vitória por minha conta e consequentemente rescisão do contrato que recentemente fizeram comigo, com ameaças de morte que fizeram-me sair escondido de minha casa, e ainda com grave perigo de minha família, eu não posso que pedir instantemente a V. Sa. se digne providenciar para minha segurança e da família; e determinar com urgência que força e muita força de 40 ou 50 praças uniformizadas venha ao mais breve restabelecer a ordem ameaçada.

Em seguida o Juiz de Direito oficiou ao tenente coronel do 4º Batalhão da Guarda Nacional da legião do Norte pedindo auxílio. Diz ele que o subdelegado de polícia havia partido para a fazenda de Pedro Tabachi a ver se continha os colonos insubordinados mas não chegou à referida fazenda por ter conseguido somente um reduzido número de homens que o acompanhassem e os colonos lhe inspiravam receio. Diz que os colonos faziam pouco caso de paisanos e que era preciso por um termo à anarquia em que estavam e se evitar conseqüências fatais e perpetração de algum grave delito.

No dia 16 de março chegou a força composta de 15 praças sob o comando do alferes Antônio Joaquim da Silva. No dia seguinte partiram para aquela fazenda denominada Morro das Palmeiras, juntamente com o delegado de polícia e com o juiz municipal, a quem o juiz de direito incumbiu de fazer minuciosa sindicância sobre os fatos expostos por Tabachi. O juiz municipal inquiriu os 56 colonos cabeças de família.

Pelas respostas — diz o juiz de direito ao presidente da província — verá V. Exa. que eles alegam contra Tabachi a violação do artigo 4º do contrato incluso, com este celebrado, pelo fato de estar o barracão em que residem em lugar tão distante das terras incultas em que têm de se estabelecer, que gastam seis horas de viagem sobre maus caminhos, não lhes restando tempo suficiente para o trabalho por terem de voltar diariamente para o referido barracão, seu comum e unico aposento.

A força militar cercou os aposentos dos colonos e exigiu-lhes as armas que tivessem e eles prontamente entregaram 56 espingardas, 13 pistolas, duas terçadas e duas espadas. Depois que o padre Domingos Martinelli leu e traduziu o contrato entre Tabachi e os colonos, procedeu-se ao interrogatório dos 56 chefes de família. O ponto de discórdia versava sobre o artigo 4º do contrato que dizia: “Obriga-se também o senhor Tabachi a fazer em favor do emigrante e de todos os indivíduos da família com idade superior a 10 anos, e sem direito a reembolso, as despesas pelo seu transporte marítimo, até o lugar de destino, e de fornecer-lhes gratuitamente conforme os costumes do lugar o necessário alimento e alojamento desde o dia da chegada, e durante o período de 180 dias seguidos para que possam neste meio tempo providenciar o seu primeiro estabelecimento.” Além das reclamações apontadas, sabe-se que os colonos se queixavam do estado de promiscuidade em que se encontravam amontoados num barracão que não comportava um número tão grande de pessoas. Não tendo chegado a um acordo os colonos cruzaram os braços pedindo remoção para outro lugar. No dia 18 de maio, 203 colonos vieram para Vitória porque não concordaram em assinar um acordo. Destes, a maioria foi colocada na região anterior à do núcleo Timbui. Os que permaneceram na fazenda de Tabachi acabaram esmorecendo e se retiraram não sem antes terem até de mendigar em Santa Cruz. Outros chegaram a Santa Maria da Soledade, no Rio Grande Sul, de onde, mais tarde, reclamavam suas armas tomadas na ocasião da revolta.

Pedro Tabachi morreu em 21 de junho de 1874, ao que parece, de desgosto. Quando o consul do Império Austro-Húngaro pediu, no ano seguinte, informações sobre o estado da liquidação do espólio de Tabachi as informações foram as seguintes: “Pedro Tabachi casou-se in extremis com D. Ana Fontoura Tabachi com quem já havia tido dois filhos: Ana, casada com Alfredo de Leon e Bartolomeu, de 13 anos de idade. Este casamento foi celebrado e certificado pelo padre Martinelli. Procedeu-se ao inventário dos bens de Tabachi que foram avaliados em 26:486$180 réis. Alfredo de Leon e sua mulher desistiram da herança que lhes pudesse caber. Pedro Tabachi devia à casa comercial da Corte-Faria, Cunha e Cia, a quantia de 57: 618$312 réis, cujo pagamento pediram no referido inventário e por este juízo não foi admitido. Mais tarde, por escritura pública, Faria, Cunha e Cia cederam a dívida a Eduardo Gabrielli e D. Ana Fontoura Tabachi, os quais, hoje, acionam ao órfão Bartolomeu, pedindo-lhe o pagamento de 28:189$056 reis, metade da dívida cedida.”

O primeiro lance da imigração italiana no Espírito Santo foi um fracasso completo. Depois da de Tabachi foram feitas ainda mais quatro tentativas de implantação de parceria. Todas elas foram levadas a efeito por fazendeiros particulares, mas nenhuma foi bem sucedida.

2. Núcleo Timbuí na colônia de Santa Leopoldina

A colonização italiana se processou, inicialmente, em duas grandes colônias já de há muito fundadas, uma no sul, a de Rio Novo (1854), outra mais para o norte, a de Santa Leopoldina (1857). Depois do insucesso de Pedro Tabachi, chegaram duas levas de imigrantes no ano de 1875. Uma compunha-se de 565 tiroleses vindos de Gênova e desembarcados em Benevente, em 16 de junho deste ano. Foram localizados no 2º território da colônia do Rio Novo, cujo diretor era o engenheiro Joaquim Adolfo Pinto Pacca. Outra leva de tiroleses foi a que fundou a atual cidade de Santa Teresa, tendo chegado no final de maio o inicio de junho de 1875.[ 4 ]

Como houvesse já na colônia de Santa Leopoldina uma saturação na ocupação dos espaços por imigrantes alemães, O diretor interino Pedro de Sant’Anna Lopes escrevia ao presidente da Província, Domingos Gomes Peixoto, um ofício datado de 11 de julho de 1875 que esclarece e justifica a fundação do núcleo. Mostra a existência de uma estrada no lugar chamada Santa Teresa, que havia sido começada em 1847; mostra que os primeiros colonos do Timbuí foram alguns polacos e os remanescentes da fazenda de Tabachi. O ofício na íntegra é o seguinte:

A conveniência da criação quanto antes de uma colônia nas fertilíssimas matas do Timbuí, torna-se cada vez mais urgente. A colônia de Santa Leopoldina acha-se já em tal estado de desenvolvimento que já se pode ir cuidando de sua próxima emancipação; quase que todos os colonos já se acham em condições de poderem dispensar a tutela do Estado, e grande número deles já possuem fortuna relativamente sofrível. A continuar a remessa para ela de imigrantes em número avultado, ocasiona o acréscimo progressivo de sua despesa, e na sombra dos colonos novos os velhos continuam no usufruto dos favores do Estado, sem que seja possível evitar esse abuso. Além disso acresce que a colônia abrange uma grande extensão de território coberto com uma grande rede de estradas e caminhos e muitas pontes, cuja conservação e prolongamento delas à proporção do seu desenvolvimento para o centro acarreta grande dispêndio. 0s últimos imigrantes acham-se estabelecidos a 8 e 9 léguas do Porto do Cachoeiro. (O diretor está se referindo aos fundadores de Santa Teresa). Acresce mais que os terrenos devolutos em rumo do sul já escasseiam e a cada passo se encontram terrenos ocupados por particulares residentes no Galo, Chapéu e Pedra Branca, Assim, pois, julgo conveniente que esses terrenos fiquem reservados não só para o futuro desenvolvimento da cultura dos colonos atuais, como também para o estabelecimento dos filhos destes, logo que atinjam idade legal. Deste modo o Governo poderá daqui a quatro anos decretar a emancipação desta colônia, fazendo-a entrar na massa comum da população. Para poder-se chegar a este fim convém desde já encaminhar a emigração para o Timbuí onde já existem emigrantes polacos estabelecidos há dois anos, e onde acabo de estabelecer os italianos recém chegados. Este novo núcleo (Timbuí) desenvolve-se à margem da antiga estrada de Santa Teresa, acompanhando no princípio o rio do Norte e depois o rio Timbuí; comunicando-se com o Porto do Cachoeiro pela estrada do Timbuí e com a colônia de Santa Leopoldina pelo centro. Prevendo o futuro desenvolvimento da colônia do Timbuí escolhi quatro prazos e lugar conveniente para o estabelecimento da futura povoação na estrada de Santa Teresa, margem do Timbuí, onde mandei derrubar o mato e construir um grande barracão. Deste ponto ao Porto do Cachoeiro, no estado atual dos caminhos gastam-se seis horas. Se o Governo quiser criar a nova colônia o poderá fazer desde já, visto já estar satisfeita a condição de medição e demarcação recomendada pelo Regulamento de 1867, para a criação de novos núcleos coloniais. Se for criada a nova colônia posso assegurar o seu próspero futuro, pois há mais de mil e quinhentos italianos austríacos que, a convite de seus parentes e amigos daqui, se preparam para emigrar para cá. Ao Governo compete resolver como julgar mais conveniente.

O núcleo, de fato, se chamou Tímbuí na estrada de Santa Teresa e era um empreendimento do governo imperial. Os 350 tiroleses vieram no navio Rivadávia até o Rio de Janeiro e daí, depois da quarentena, seguiram para Vitória em dois grupos, no navio Ceres com 154 imigrantes e no navio Bahia com 163 imigrantes. Até hoje a lista dos imigrantes fundadores da mais celebrada colônia italiana do Espírito Santo não foi divulgada e continua inédita.

Um mês antes o mesmo diretor da colônia achava inconveniente a vinda de um número tão grande de imigrantes no período em que a colônia era assolada por um surto de varíola. Recebeu, pois, ordem terminante para fazer pernoitar os imigrantes na fazenda “Nova Coimbra” no penúltimo dia de viagem. Tal medida visava a impedir o contato dos recém-chegados com os colonos do Porto do Cachoeiro, não lhes permitindo atravessar o rio. Para isso ficou calculado que os tiroleses deviam chegar a “Nova Coimbra” pela noitinha, às cinco horas da tarde. Entende-se assim o porquê do ufanismo doa primeiros colonos de Santa Teresa ao dizerem não ter encontrado nada em seu caminho quando foram retirados da cidade, levados por caminhos desertos e colocados no meio da floresta virgem.

No dia 5 de julho o diretor escrevia: “Por ocasião da entrega dos lotes de terras aos imigrantes recém chegados seis de entre eles se internaram tanto nas matas do Timbuí que extraviaram-se; 24 horas depois apareceram quatro, faltando dois.” Um mateiro de nome Benedito de Oliveira Lemos encontrou os dois últimos bastante extenuados de fome e fadiga e os conduziu ao barracão. Os nomes de alguns destes imigrantes pioneiros estão fixados na parede lateral externa da igreja matriz de Santa Teresa, homenagem prestada por ocasião da festa do cinqüentenário da fundação do núcleo.

A princípio os imigrantes ficaram alojados em barracões previamente construídos, que lhes davam condições precárias de vida. Freqüentemente cobertos de palha e com o chão de terra batida, ofereciam pouco conforto em época de chuva e temporal. Durante os seis primeiros meses os imigrantes recebiam subvenção do Governo, um pagamento para alimentação até que fizessem a derrubada e construíssem suas toscas habitações. Também durante este tempo tinham de proceder ao plantio de mudas de café fornecidas pelo Governo e de outros cereais para a sua sobrevivência. Os lotes mediam, em geral, 302.500m², com 275m de frente para cursos de água, por 1.100m de fundo e em geral terminavam em terras devolutas. Este era o tipo de prazo adotado em Santa Leopoldina.

Ao florestas virgens eram férteis em animais e febres e delas todos guardam as mais fantásticas histórias de horror e medo, mas as terras de Santa Teresa, no Timbuí não eram tão boas para o cultivo. Logo cansavam e não produziam o desejado de modo que os seus ocupantes não conseguiam tirar delas o sustento para as numerosas famílias. Além disso, os imigrantes deviam dar um número fixo de dias de trabalho para o Governo na abertura de estradas nas frentes dos prazos e na construção de pontes. Muitos deles não conseguiam conciliar este trabalho com o trabalho de cultivo da própria lavoura. Os descontentamentos explodiam quase sempre no dia do pagamento na sede da Diretoria onde se verificavam quebra-quebra e gritaria.

Um destes motins ficou marcado porque dele resultou a morte do colono Pietro Dalmaschio. Foi a revolta de Nova Lombardia. Estes imigrantes revoltosos haviam aportado ao Rio de Janeiro no navio Colúmbia num total de 744 pessoas e chegaram em Vitória no vapor de guerra brasileiro Werneck a 2 de novembro de 1876.[ 5 ] A 27 de dezembro do ano anterior havia chegado o Fenelon com um grande contingente de colonos. O navio Mohely chegou com 276 imigrantes em 25 de fevereiro de 1876. Estas levas excessivas possibilitaram a ocupação de todo o território do Timbuí em pouco tempo, de modo que em dois anos foi planejada uma nova frente que não fosse distante da Capital. Um pouco mais ao norte, no lugar que é hoje Ibiraçu, fundou-se o núcleo Santa Cruz, partindo-se do ponto que fora a fazenda do finado Pedro Tabachi.

3. Núcleo Santa Cruz (Ibiraçu)

O núcleo Santa Cruz foi fundado em 1877 e estava localizado às margens do rio Piraqueaçu, nas áreas que compõem hoje os municípios de Ibiraçu, Aracruz e Fundão. O então presidente da Província, Afonso Peixoto de Abreu Lima tentou mudar o nome para Núcleo “Abreu Lima” por sugestão do diretor da colônia, Aristides Armínio Guaraná. O nome que ficou, porém, foi o de Conde D’Eu, homenagem ao chefe das forças brasileiras na guerra do Paraguai e de quem Guaraná fora ajudante de ordens. Com o nome de Conde D’Eu foi batizado o barracão construído no lugar onde é hoje a cidade de Ibiraçu.

Outros nomes ainda foram dados ao núcleo segundo os interesses dos governantes. Em 18 de janeiro de 1892 a Junta Governativa do Estado do Espírito Santo resolveu tornar sem efeito a lei nº 23 de 11 de setembro de 1891, que elevou à categoria de vila com o nome de Guaraná a antiga sede do ex-núcleo colonial de Santa Cruz; também estabeleceu as divisas do município que seria ali constituído. Em 1º de março a Junta Governativa decreta: “Art. 1º Passam a denominar-se cidade de Itabapoana e vila do Pau Gigante, a cidade de Monjardim e a vila Guaraná. Art. 2º Ficam revogadas as disposições em contrário.” Logo que Afonso Cláudio assumiu o governo do Estado escreveu ao inspetor interino da Repartição de Terras e Colonização:

Convindo eliminar quanto antes os nomes dos membros da dinastia deposta, que serviram para designar núcleos coloniais, cientifico-vos que os façais substituir por outros rememorativos do acontecimento de 15 do mês findo (novembro), ficando desde já o núcleo Conde D’eu, conhecido pelo nome de Quintino Boiacaúva.

Designou-se, pois, com este nome a área ocupada pelo movimento imigratório de então. No início do século, quando foi inaugurada a estação de estrada de ferro na vila de Pau Gigante, deram-lhe o nome de Lauro MüIler e pelo qual ficou sendo designado o lugar. Finalmente, a partir de 1943, Ibiraçu recebeu o nome atual. Não há dúvida de que estas contínuas alterações toponímicas dos núcleos, no período colonial, revelam a instabilidade da sociedade em formação.

As 55 primeiras famílias chegaram no navio Colúmbia no dia 15 de agosto de 1877[ 6 ]. Gastou 35 dias de Gênova até Vitória e trouxe 275 pessoas. Depois de um breve descanso na hospedaria da Pedra D’Água, que era chamado de quarentena, durava às vezes uma semana ou alguns dias, os colonos seguiram para Santa Cruz onde chegaram no dia 21 às 4 horas da tarde, alojando-se em casas para tal finalidade. No dia 24, primeiro um grupo de 126 foi transportado para o lugar denominado Morro das Palmas, em canoas; no dia 26 seguiu o resto. Aí foram agasalhados no mesmo barracão que serviu no tempo do finado Pedro Tabachi.

A primeira preocupação do engenheiro encarregado da recepção e transporte dos imigrantes foi dar-lhes serviço conforme escreveu ao presidente da Província: “Por onde vê V. Exa. que em sete dias foi feito todo o serviço de recepção e agasalho, recebendo eles no dia 28 trabalhos de estrada, conforme manda o regulamento e podem sustentar-se com o produto de seus trabalhos.” A estrada que começaram a construir é a que ia daquela fazenda até um ponto intermediário chamado Cachoeiro do Barro. Os fundadores de Ibiraçu receberam, além do mais, 108 machados, 109 foices, 160 enxadas e um pequeno auxílio em dinheiro. Para eles foi cortada a praxe seguida no núcleo de Santa Teresa, de se darem por conta do Governo, aos colonos, durante os seis primeiros meses de seu estabelecimento, os mantimentos necessários para seu sustento, além dos salários que percebiam nas estradas.

A ocupação e posse das terras eram programadas dentro das conveniências econômicas governamentais. Uma das vantagens da fundação de Ibiraçu era que o núcleo tinha fácil acesso navegável e possibilitava a comercialização sem grandes despesas. Chegando facilmente até onde o rio Piraqueaçu era navegável, ou seja, a fazenda Morro das Palmas na confluência com o rio Taquaruçu, os imigrantes daí avançavam na direção das matas virgens em terras devolutas.

Primeiro se fazia uma exploração na mata, depois, chegava a comissão de engenheiros e agrimensores que procedia à medição dos prazos. Os terrenos chamavam-se prazos porque deviam ser pagos dentro de dois anos. Feita a derrubada, o colono tinha seis meses para construir sua casa a fazer as primeiras plantações.

Os colonos não podiam fazer comércio, estabelecer-se como comerciantes mas deviam cultivar a terra, arrancar dela o seu sustento e o lucro para efetuar o pagamento da dívida contraída. O lucro comercializável provinha da produção agrícola.

Os primeiros mapas da região foram feitos pelo engenheiro Cristiano Boaventura da Cunha Pinto que no final do ano de 1877 foi demitido por Guaraná, tendo havido um desentendimento entre eles. Em 1879 já existe uma planta do Núcleo Colonial de Santa Cruz feita por Victor Hugo. Nela constam os nomes dos colonos inscritos no traçado dos respectivos lotes de terra. Em 1881 o agrimensor Charles Pelatan apresenta uma “Cópia da planta geral do núcleo de Santa Cruz com os prazos urbanos e alguns rurais, anexos, e planta demonstrativa do serviço de verificações e remedição do mês de janeiro.” Em 1882 tem-se a “Planta do núcleo colonial Santa Cruz da colônia de Santa Leopoldina organizado pela comissão a cargo do engenheiro diretor bacharel Lula Cavalcanti Campos Mello.” A partir da proclamação da República proliferam os mapas, já que todas as medições tiveram que ser refeitas. Existe a “Planta do ex-núcleo Bocaiuva, Vila Pau Gigante organizada pela comissão distritual da segunda circunscrição, outubro de 1892.” Em outubro de 1894 está pronta uma “Planta geral dos núcleos Muniz Freire, Acióli Vasconcelos, Antônio Prado e Demétrio Ribeiro situados nos vales do rio Doce e Piraqueaçu.” Em 1896 há uma planta geral feita pelo engenheiro Gabriel Emílio da Costa.

Para Ibiraçu vieram três grandes carregamentos de imigrantes feitos pelos navios Colúmbia, Izabella e Clementina. O Colúmbia chegou primeiro no dia 15 de agosto, motivo pelo qual Nossa Senhora da Assunção é a Padroeira da igreja local. O Izabella chegou no dia 27 de setembro com 77 famílias (353 pessoas) remetidas por Joaquim Caetano Pinto Júnior em virtude de seu contrato celebrado com o Governo Imperial que seria rescindido pelo aviso de 27 de junho de 1878. Os imigrantes nem chegaram a saltar na hospedaria da Pedra D’Água por causa de um surto de varíola em Vitória. Um terço das famílias vindas neste navio, porém, foi para Santa Cruz por engano e, uma vez lá, começaram seus líderes a apertar o diretor Aristides Guaraná com passaportes e recibos, afirmando terem pago suas passagens e ser outro o seu destino e que, portanto não iriam trabalhar na construção de estradas como os demais. Depois de uma tentativa de tumulto em que um dos colonos ameaçou o diretor com uma foice, retiraram-se umas 43 famílias que estavam paradas há dois meses.

No dia 25 de outubro de 1877 chegou uma terceira turma no navio Clementina com um maior contingente de imigrantes. Eram 113 famílias com 476 pessoas. Assim como os imigrantes dos navios anteriores, provinham das províncias italianas do norte. Entre lugares grandes e pequenos apareciam Belluno, Bérgamo, Bonate, Bréscia, Caneva, Cittadela, Cordignano, Cremona, Gajarine, Mantova, Padova, Polcenigo, Rovereto, Rovigo, Sacile, Sarmede, Seren, S. Benedetto, S. L,cia, S. Fior, S. Nazario, Tarso, Trento, Treviso, Vittorio Veneto, Vicenza e outros.

Em 10 de janeiro de 1880, próximo de deixar a direção da colônia Aristides Guaraná dizia num relatório ao presidente da Província: “Com uma população de 2.000 almas, pouco mais ou menos, habitado por 308 famílias italianas, 57 cearenses e 55 índios naturais desta Província.[ 7 ]


4. Epidemia de febre amarela

A epidemia de febre amarela que assolou o núcleo de Santa Cruz é um dos capítulos mais sombrios da imigração italiana no Espírito Santo. O surto da doença coincidiu com a derrubada das matas quando os insetos baixavam das copas para o chão. Em março de 1878 estava no auge. Os colonos começaram a ter vitimas no mês de outubro do ano anterior e dai em diante a doença foi atingindo índices assustadores de modo que no final de 1878 eram mais de 200 os mortos. Do navio Clementina morreram 111 pessoas numa proporção de uma sobre quatro. Não houve família poupada e ninguém na colônia deixou de contrair a febre amarela. Mandou-se buscar no núcleo de Santa Leopoldina todo o sulfato de quinina disponível. Não é verdade que os colonos eram abandonados à sua sorte. Desde o início um medico acompanhou os imigrantes. O que havia era atraso da medicina e dos recursos dela. Acusa-se, hoje, a displicência do atendimento médico que não era, porém, outra coisa senão uma resultante do atraso cultural da sociedade brasileira. Com a morte do chefe de família a mulher ou voltava para a Itália ou casava-se com um viúvo, nas mesmas condições. Quando morria o casal, os órfãos eram distribuídos entre as outras famílias. Muitas vezes os parentes da Itália requeriam, através do representante consular, o repatriamento dos menores.

Enterravam-se os mortos por toda a parte. O fato de muitos imigrantes ficarem impressionados com o grande numero de sepulturas é atestado por alguns que chegaram quase 20 anos depois, como no caso de Giovanni Bof, citado pelo bispo Dom Cavati[ 8 ]. Atualmente existe a lista destes mortos mas não existem mais os cemitérios. Para que se tenha uma idéia do trágico acontecimento basta uma citação do relatório de Jacinto Adolfo de Aguilar Pantoja, engenheiro chefe da Comissão de Terras e Colonização da ex-colônia de Santa Leopoldina, dez anos depois, ou seja, em 1888:

Finalmente sobre cemitérios nada há feito, não existindo um só, digno deste nome, em toda a ex-colônia. Os enterramentos, muitas vezes, são feitos onde entendem os parentes e amigos do falecido, havendo até quem, no pasto do próprio lote, haja enterrado já duas esposas![ 9 ]

Antônio Francisco de Ataíde escreve em 13 de Julho de 1887 ao Pantoja que, no Conde D’eu

notando que os enterramentos dos cadáveres eram feitos emcampo aberto, entregue à pastagem dos animais, resolvi indignado, em vista de tal procedimento anticivilizador, promover uma reunião entre os habitantes daqui com o fim de o mais breve possível ser construído o cemitério à custa deles.[ 10 ]

Os médicos enviavam, periodicamente, ao presidente da Província uma estatística patológica dos colonos atendidos por eles. Apresentavam também uma lista dos remédios necessários na composição da farmácia do núcleo. As sedes dos núcleos tinham também uma enfermaria. Isto se verificava igualmente na colônia de Santa Leopoldina e na do Rio Novo. Os inconvenientes mais sérios apontados no atendimento médico eram as distâncias dos lotes e prazos que separavam os colonos da sede central, além de a colônia contar com um único médico.

O núcleo Santa Cruz pode ser estudado através de 482 ofícios expedidos na gestão Aristides Armínio Guaraná[ 11 ] que foi empossado a 7 de setembro de 1877, e de 503 ofícios da gestão Lula Cavalcanti de Campos Mello que ficou até 18 de julho de 1882 quando a colônia de Santa Leopoldina foi emancipada.

5. Imperial colônia do Rio Novo

A existência da colônia do Rio Novo é bem anterior à chegada dos imigrantes italianos. Em 1855 tinha o nome de “Associação Colonial do Rio Novo”. Depois passou ao Estado em 7 de outubro de 1861 já com o nome de Imperial colônia do Rio Novo, sendo dividida em cinco territórios. O 1º e o 3º territórios ficavam à margem do Rio Novo com seu centro colonial a 2km do porto de embarque de seus produtos; o 2º, 4º e 5º, à margem do rio Benevente. A colônia tinha uma área de 40.000ha, aproximadamente, com 713 lotes, dos quais 426 ocupados.

A área desta colônia oferecia uma particularidade: é que havia muita fazenda abandonada e terrenos pertencentes a particulares, o que tornou a sua ocupação diferente da de outras colônias. Nem tudo eram terras devolutas na área da colônia.

Durante muitos anos não prosperou até que em 25 de setembro de 1871 foi nomeado diretor Joaquim Adolfo Pinto Pacca. Diz ele em relatório de 1876: “Só em junho de 1875 foram a ela remetidos novos emigrantes, depois de um período de 15 anos de interrupção de tais remessas.[ 12 ]

De fato, aos 16 de junho chegavam a Beneverte 565 tiroleses que foram levados ao núcleo colonial São José do Tirol, no 2º território. Apesar de se cumprir o artigo 32 do regulamento de 19 de janeiro de 1867 que dizia: “Havendo trabalho na colônia, serão nele empregados os colonos que o quiserem nos seis primeiros meses”, em 18 de dezembro, 220 deles se retiraram alegando ao delegado de polícia da vila de Itapemirim, em inquérito policial, que sofreram maus tratos e que na sua retirada tiveram de comer burros mortos, ratos e urubus. Tal notícia veiculada pelo jornal O Comércio da capital, foi rebatida como falsa pelo diretor. No entanto, a carestia dos gêneros de primeira necessidade era verdadeira; “efetivamente os gêneros foram caros no primeiro mês em que estes colonos chegaram ao 2º território” porque havia um só comerciante sem concorrência na praça. Reclama Pinto Pacca ao presidente da Província em 20 de março de 1876:

Assim viviam aglomerados em um rancho de palha do Governo sem terem derribado um só” pau e seus prazos abandonados e como único trabalho tinham o de virem à Diretoria nos domingos receber dez mil réis. Tirando umas 15 famílias a lavoura deles consistia em meia dúzia de pés de alface e outros tantos pés de beijos de frades, flor esta que eles muito apreciam.

A razão mais profunda, porém, apresentada por Pinto Pacca em seu relatório diz respeito ao próprio sistema colonial adotado na região. Ele minimiza o insucesso da retirada e a má impressão causada pelo fato.

Aconteceu com parte destes tiroleses fato semelhante ao que havia acontecido em 1873 na Colônia de Santa Leopoldina com os polacos. Os tiraleses queriam trabalhar em estradas de ferro e não na lavoura. Por isso diz Pinto Pacca:

Todas as colônias do Estado têm por ele passado, e continuarão a passar enquanto receberam tiroleses, forem os mesmos os meios de promover a emigração na Europa, não for essencialmente alterado o regulamento das colônias com a substituição de sistema de pequena propriedade pelo sistema que chamo misto “parceria e pequena propriedade” que deve consistir em montar-se nas colônias fazendas normais “escolas práticas de agricultura” onde os emigrantes recém chegados, nos dois primeiros anos de seu estabelecimento, aclimem-se, aprendam a cultura do país, ganhem os meios de subsistência e vão pouco a pouco familiarizando-se com os nossos sertões e preparando sua pequena propriedade. Este sistema convenientemente desenvolvido de harmonia com sábias lições da experiência e acurada observação é prenhe de benéficos resultados, já em relação à economia, já em relação à solução do importante problema da colonização.[ 13 ]

A história não é feita só do ufanismo que reveste a vida dos pioneiros italianos no Espírito Santo. Existe também um lado feio que, tanto o Governo tenta apagar em sua administração, como também os imigrantes tentam esconder em sua trajetória. Os imigrantes na sua quase totalidade eram uma classe menos favorecida na Europa; viajavam, freqüentemente, em condições infra-humanas; tinham, no Brasil, que aclimatar-se e enfrentar dificuldades nunca imaginadas. Isto explica porque a colônia “Nova Trento” de Pedro Tabachi acabou num inquérito policial. Também na colônia de Rio Novo a tentativa dos primeiros tiroleses culminou com a retirada de dois terços deles, cerca de 443, com base em um inquérito policial que dizem existir no arquivo da vila do Itapemirim. Sabe-se pelo relatório do diretor que em abril de 1878 haviam entrado 688 tiroleses dos quais pereceram 245, enquanto os italianos eram em número de 832.

No final de 1877, os restantes tiroleses que viviam do trabalho nas estradas não quiseram se dirigir a São Joaquim. Desobedecendo às ordens do ajudante do diretor, empunharam uma bandeira vermelha e foram melhorar um trecho de estrada próximo do seu núcleo. No dia do pagamento promoveram um tumulto.

O diretor mandou prender cinco deles, os mais exaltados, ameaçando-os com o artigo 37 do regulamento de 110, de Janeiro de 1867 que tratava da expulsão da colônia. Além disso, as mulheres vieram à casa do diretor reclamar e dirigir-lhe algumas injúrias, mas o diretor deixou-os presos mais quatro dias para não intimidar-se diante de tais atos. Depois, amainados os ânimos, soltou-os.

Em 21 de agosto de 1878 Pinto Pacca apresenta um relatório de 46 páginas manuscritas ao inspetor geral das Terras e Colonização, encabeçando uma comissão encarregada da emancipação da colônia do Rio Novo e vai pessoalmente à Corte imperial levar o referido relatório.

É certo que a colônia do Rio Novo não possuía tantas terras devolutas e que sua área estava recortada de fazendas abandonadas e de sesmarias. Era imperioso proceder-se ou à abertura de novas frentes de ocupação, ou à compra de fazendas e sesmarias para dividi-las em colônias.[ 14 ] Pinto Pacca atribui a si os méritos de ter transformado a colônia atrasada em uma das mais prósperas e populosas.

A imperial colônia do Rio Novo foi emancipada a 7 de março de 1880 e sua história, sobretudo no que diz respeito à imigração italiana não foi suficientemente estudada.

6. Núcleo do Castelo

Em janeiro de 1880 foram estabelecidos 581 imigrantes no novo núcleo do Castelo. A ocupação da área e a emancipação da colônia foram rápidas, 16 meses depois. A colônia do Castelo começou com algumas seções que se multiplicaram na fase republicana: Alexandrina, Araguaia, Carolina, Deserto, Guiomar, Iracema, Matilde, Maravilha, Santa Júlia, Urânia, Vitor Hugo. Estas seções se estendiam ao longo das águas dos rios Benevente, Jucu e Castelo. A colônia do Castelo foi emancipada em 28 de maio de 1881. Em dezembro de 1882 Pinto Pacca foi incumbido de medir 150 lotes neste núcleo, mas cento e vinte e dois imigrantes a ele destinados se recusaram a aceitar lotes tão distantes e pediram para se estabelecer na seção Alexandrina, no que os satisfez o diretor.

Em fins de 1885 o ministro da Agricultura resolveu dispensar as comissões de medição da Província, entre os quais se achava a de Pinto Pacca. Este, porém, foi, vinte dias depois, nomeado inspetor especial para continuar os trabalhos. Ele estava terminando uma estrada de mais de 15 léguas, que considerava a melhor da Província. Havia então nas colônias 800 lotes devolutos e demarcados. Caso não fossem ocupados haveria prejuízo para o governo. Neles poderiam estabelecer-se 4.000 imigrantes aproximadamente. Ao assumir sua nova função reclamava Pinto Pacca que se achava cansado de ensinar a outros funcionários há 18 anos, recaindo sobre ele o trabalho de aprendizes.

7. Recesso e ruínas. Reativação da imigração

Emancipadas as colônias em 1880 e 1882, a sua população ficou sujeita à administração comum da Província. Se os poucos funcionários não foram demitidos, as casas do Governo pelo menos caíram em estado de abandono. O que aconteceu em Santa Teresa e Ibiraçu em 1885, aconteceu também no Rio Novo. O diretor desta colônia informava ao presidente da Província que

e tanto é assim que estas propriedados acham-se em ruínas, acontecendo até ser-lhes roubadas portas e janelas e existir ocupada por uma venda a excelente casa de instrução pública do 5º território, ignorando eu onde foram os utensílios da escola, não só desta, como de todas as outras existentes na colônia.[ 15 ]

Júlio Alves da Cunha, engenheiro que tinha sido transferido do Pará para ocupar o cargo de chefe da Comissão de Descriminação de Terras Nacionais no município de Santa Cruz refere-se ao estado da casa da diretoria no conde D’Eu, em janeiro de 1885, nos seguintes termos:

encontrei em abandono completo, toda aberta, sem uma só chave ou trinco, com alguns portais e soleiras apodrecidas, esquadrias arrancadas, rodapés e forros em mau estado, cheia de cupins em diferentes pontos e cercado de grosso e cerrado capoeiral. A esta casa me recolhi porque não havendo outra em que me abrigasse...[ 16 ]

E no dia 10 de março seguinte já era nomeado para substituir o anterior o engenheiro Carlos Leopoldo Ferreira, de modo que, o rodízio dos próprios funcionários não permitia levar à frente a realização das obras necessárias. O novo chefe, porém, conseguiu a verba de 1:173$743 réis para os reparos.

Em Santa Teresa o edifício da diretoria ficava fora da vila e no alto. Em 1892 suas portas e janelas tinham sido roubadas. É interessante observar que o encarregado do estabelecimento de imigrantes dizia não se dever afagar — o termo é este — os imigrantes com esse luxo tardio.[ 17 ]

A hospedaria da Pedra D’Água, se não foi desativada, perdeu, ao menos, parte de sua função. Os imigrantes que se dirigiam ao Espírito Santo eram poucos, esporádicos e vinham transferidos de outras províncias do Brasil. A hospedaria estava em ruínas e não tinha meios de receber hóspedes.

Em detalhado relatório feito no início de 1888, diz o engenheiro Pantoja ao inspetor especial das Terras e Colonização, Pinto Pacca:

Em toda esta ex-colônia não possui o Estado um só prédio em condições de prestar-se para recepção e agasalho de imigrante recém-chegados… Na povoação de Santa Teresa há dois prédios do Estado, sendo um o que serviu de casa de administração e a outra a que serviu de escola e hospital. O primeiro acha-se bastante estragado e o segundo está em regular estado de conservação e pode ainda prestar serviços, como está prestando, depois de ter esta Comissão mandado asseá-lo. Na povoação Conde D’Eu tem o Estado três prédios, um, antiga casa da diretoria, podendo ainda prestar serviços sendo convenientemente reparada; a outra, o antigo barracão de recepção e agasalho de imigrantes precisa também de reparo sem os quais em breve tempo desabará; finalmente, o terceiro, o que serviu de escola, casa de modestas proporções está também arruinada… Assim, não tendo o Estado nesta ex-colônia senão prédios como os que acabo de descrever e sendo de necessidade que os possua em condição de servirem para receber e agasalhar imigrantes em diversos pontos da ex-colônia, ainda que por algumas horas, porque aqueles que se dirigem para Porto do Cachoeiro e Timbuí só chegam a esta vila ao cair da noite, assim como os que se dirigem para o Conde D’Eu só chegam à povoação do mesmo nome à tarde ou à noite, tendo, por conseguinte, de pernoitar nessas localidades, da mesma sorte os que, chegando ao Porto do Cachoeiro, se destinam ao Baixo Timbuí (águas do Rio Doce) têm de pernoitar na povoação de Santa Teresa, é preciso que haja nessas localidades, pelo menos, um teto que possa abrigá-los e as suas bagagens, sem falar nos que podem chegar adoentados.[ 18 ]

Tudo o que se lê nos documentos atesta, de fato, um período de interrupção da corrente imigratória na colônia de Santa Leopoldina, até 1887.

Com a retomada intensa da imigração no início de 1889 foi necessário reconstruir de novo a Hospedaria dos imigrantes, comprar terrenos para construir junto a ela um hospital orçado em 38:140$832 réis; para reparos da Hospedaria a verba foi de 43:649$053 réis, sem contar os gastos posteriores, pois a restauração só foi concluída em novembro de 1889, com a cimentação das escadarias para dar agradável aparência. Estes trabalhos eram urgentes e reconhecidamente obrigatórios porque, com o anúncio da chegada próxima de grandes remessas chegavam também notícias de surtos de varíola ocorridos nas viagens. Durante a travessia morreram 17 imigrantes de varíola, conforme atesta um registro de 25 de dezembro de 1888.[ 19 ]

Enquanto as construções do Governo caíam em ruínas os imigrantes valiam-se da precariedade dos barracões primitivos como foi o caso do barracão de Conde D’Eu que serviu de igreja até 1887. Não havia cemitérios oficiais nos núcleos.

Para agravar a sorte dos primeiros colonos, também os serviços burocráticos que procediam à legalização dos papéis de posse, relativos aos prazos, eram morosos como ineficientes e acontecia de haver dois colonos reclamando um mesmo terreno ou parte do prazo mal medido. A colônia de Santa Leopoldina teve, em 1887-1888 e 89 a sua planta geral toda revisada a fim de regularizar a legitimação e revalidação de posses.

Os reflexos da desorganização remontavam ao tempo da emancipação. Veja-se o que escrevia Pinto Pacca em setembro de 1880:

Tendo sido emancipada a colônia do Rio Novo retirou-se dali, como cumpria, a diretoria, a quem com competia o registro civil de nascimentos, casamentos e óbitos. Não existindo autoridades civis e policiais acontece: ignoram os colonos a quem devem dirigirem-se para o referido registro e como, por isso, importunam constantemente a diretoria do núcleo colonial do Castelo, absolutamente independente daquela colônia: respeitosamente peço a V. Exa. que digne-se designar a autoridade competente para continuar tal registro.

Desde maio de 1876 os assentamentos de batizados, casamentos e óbitos da colônia do Rio Novo eram feitos pelo pároco de Itapemirim em livro da capela do 1º território, nas poucas vezes em que ele para ali se dirigia a fim de oficiar tais atos. A diretoria fazia o assentamento de óbitos, casamentos e nascimentos com base nas informações que lhe enviavam, mensalmente, os auxiliares nos territórios.

Como se sabe, a lei de 28 de setembro de 1885 reativou o movimento colonizador que, se era inexpressivo em termos de quantidade numérica de imigrantes não o era quanto ao número de lotes demarcados ou medidos. A comissão a cargo de Jacinto Adolfo de Aguílar Pantoja na ex-colônia de Santa Leopoldina só recebeu 44 imigrantes dos 400 chegados no ano de 1887 ao Espírito Santo e deste total muitos não eram italianos. Mediram-se 362 lotes tendo 181 disponíveis. Havia um problema a ser enfrentado no caso dos colonos de família numerosa que tinham filhos maiores de 18 anos. O artigo 7º do regulamento de 19 de janeiro de 1867 dizia: “Os filhos maiores de 18 anos terão direito à escolha de lotes com as mesmas condições, para se estabelecerem separadamente, quando assim o requererem.” Isto se verificou por ocasião da emancipação da colônia tendo se chegado a mandar cumprir este artigo através de instruções de 18 de novembro de 1884. Ocupadas todas as áreas disponíveis próximas aos núcleos, só restava a opção de internamento nas terras devolutas. Assim começa um novo período na história da imigração italiana do Espírito Santo.

8. A fase republicana 

A segunda fase da história da imigração italiana no Espírito Santo é marcada por uma proliferação de núcleos coloniais que consolidaram a ocupação das áreas vazias. Sua criação se investe de características bem diversas da criação dos primeiros núcleos. Foram eles: Costa Pereira (1889) e Afonso Cláudio (1890) ao sul; Antônio Prado (1887), Acioli Vasconcelos (1887) e Muniz Freire (1893) no vale do rio Doce; Demétrio Ribeiro (1890) no vale do rio Piraqueaçu; Santa Leocádia (1888) e Nova Venécia (1892) no vale do rio São Mateus.

As informações sucintas que sobre eles se lêem no livro O Estado do Espírito Santo e seu desenvolvimento econômico de Artur E. Magarinos Torres Filho, foram extraídas, com, as mesmas palavras e cortes de relatórios redigidos por Gabriel Emílio, existentes no Arquivo Público do Estado do Espírito Santo.[ 20 ] Pouco se tem escrito sobre estes núcleos. Alguns deles se tornaram cidades, outros, trocaram de nome e outros ainda, ou porque perderam representatividade na economia, não corresponderam ao futuro próspero que lhes era destinado. O núcleo Muniz Freire significou o fim de um período na história do Espírito Santo e da imigração italiana.

9. Núcleo Antônio Prado

O núcleo Antônio Prado foi fundado em 1887 pelo engenheiro Antônio Francisco de Ataíde. O local escolhido para sua sede ficou na confluência do rio Mutum com o rio Santa Maria do rio Doce. Os lotes, porém, só começaram a ser ocupados a partir de 1888 por imigrantes trazidos nas sucessivas viagens sobretudo do navio Adria que de setembro de 1888 a setembro de 1891 trouxe 4.289 italianos Os imigrantes tinham que passar pelo Cachoeiro de Santa Leopoldina e Santa Teresa, para depois descer ao baixo Timbuí. A distância a percorrer era enorme. A queda do regime monárquico trouxe conseqüências que repercutiram até os capilares da vida nacional. O núcleo recém fundado no Mutum ficou ao abandono das iniciativas. O novo governador do Estado, Afonso Cláudio de Freitas Rosa incumbiu o coronel Augusto Nogueira da Gama de inspecionar o novo núcleo com “instruções reservadas” e o coronel apresentou-lhe o seguinte relatório que aponta medidas de urgência para aliviar a penúria dos imigrantes:

Em obediência às determinações que me fizestes em instruções reservadas, dirigi-me à ex-colônia Santa Leopoldina e tomei por ponto objetivo o núcleo Conselheiro Prado, onde se acham estabelecidos os últimos imigrantes vindos diretamente a esta capital no vapor Adria e outros por via do Rio de Janeiro no vapor Colúmbia. Esse núcleo compreende duas seções — Mutum e Baunilha. O motivo que determinou a vossa patriótica resolução, de remeter-me àquelas paragens, foi por mim escrupulosamente investigado, chegando ao conhecimento do que passo a expor:

Nos dois últimos meses os colonos ali localizados sofreram grandes provações motivadas pela falta absoluta de gêneros alimentícios com que provessem a sua subsistência, produzindo essa falta desagradável impressão no espírito de todos que dela tiveram conhecimento, de modo que convém por todos os meios fazê-la cessar de vez a fim de não fazer abortar o povoamento de uma zona tão prometedora de grandes vantagens para os colonos que nela se estabelecerem e de imenso futuro para a prosperidade deste Estado, confiado hoje ao vosso alto critério e alevantado patriotismo, o qual hoje mais do que nunca, precisa pôr em ação todos os recursos de que é dotado. No meu humilde pensar duas foram as causas desse flagelo: uma, a anormalidade da estação que atravessamos, a qual deu em resultado a escassez de produtos agrícolas, de modo a encarecê-los exorbitantemente, e a outra, ao quase abandono em que se acha aquele núcleo de uma direção ativa, que trate por meios peremptórios de providenciar conforme as circunstâncias o exigirem. Esta causa eu a constatarei dizendo que estando o referido núcleo sob a direção do engenheiro Jacinto Adolfo de Aguilar Pantoja, reside este no Porto do Cachoeiro (16 a 20 léguas distante do lugar que tem de inspecionar e dirigir). É certo que tem no núcleo empregados executores de suas ordens; mas infelizmente aquele a quem escolheu para seu preposto, não tinha capacidade para isso, segundo fui informado e se evidencia pelas recriminações que em geral ouvi contra ele. Este cidadão João Manuel Dias Simões, faleceu dois ou três dias depois de minha chegada, pelo que não me foi possível recolher dados para reconhecer com precisão qual a dívida do Estado, proveniente de salários e outros pagamentos, conforme me recomendastes. Entretanto, por alguns dados que pude colher me parece que com a quantia de dezoito contos de réis se poderão liquidar todos os pagamentos que estão em atraso. Dois outros empregados que ali existem são meros executores de ordens que tardiamente recebem. Apesar de tudo isto apraz-me em dizer-vos que em despeito dessas irregularidades achei os colonos encorajados para prosseguirem em seus labores animados pela uberdade dos terrenos que lhes foram distribuídos.

Depois de dedicar uma parte à reclamação dos colonos espanhóis estabelecidos na seção Baunilha, continua o mesmo relator:

Logo que cheguei na vila do Cachoeiro[ 21 ] fui informado de que no aludido núcleo havia falta quase absoluta de alimentação, pelo que tratei imediatamente de fazer seguir para a dita localidade tropas, conduzindo gêneros de primeira necessidade e efetivamente ali chegando, reconheci essa falta e tive de providenciar no sentido de fazer nova remessa a fim de poder acudir às reclamações que neste sentido me foram feitas. Com essa providência despendi a quantia de dois contos cinco mil quatrocentos e noventa réis, conforme consta dos documentos juntos de número um a quatro. Além destes socorros despendi no mesmo intuito a quantia de duzentos mil réis que entreguei a um empregado do núcleo para ser aplicado em auxílio de duas viúvas mães de família (documento nº 5). Adicionada a semelhante despesa a de 995$700 constante dos documentos número seis a dez eleva-se o total de 3:201$190 que comparada com a de 6:000$000 que me foi entregue, resulta o saldo de 2:798$810 que devo recolher aos cofres da Tesouraria da Fazenda.
Como meio de obviar ou remover os embaraços que estorvam o desenvolvimento daquela localidade seja-me permitido consignar aqui algumas medidas que me parecem indispensáveis. Segundo verifiquei, o atraso de pagamento das despesas do núcleo deu lugar à adoção de vales ou abonos passados aos colonos para por meio deles poderem obter dos negociantes os gêneros de que carecem para a sua subsistência; este sistema, que a prática já demonstrou ser de grande inconveniente para a boa fiscalização dos dinheiros públicos e ainda de maior desvantagem para o imigrante, que em tais condições fica sujeito a exageradas exigências dos comerciantes. Julgo pois de toda a conveniência que se faça cessar semelhante sistema, providenciando-se no sentido de serem pagos mensalmente os salários dos trabalhadores em moeda corrente. Com este regime não só melhoram as circunstâncias financeiras do indivíduo, como ainda os liberta da desagradável condição de tutelado, que não pode dispor livremente do resultado do seu trabalho matando destarte o estímulo, agente poderoso para o desenvolvimento das forças físicas. Creio que não poderá exceder a dois contos de réis a despesa mensal necessária com tal alvitre. Uma outra medira necessária é o melhoramento das estradas cujo estado atual é sobremodo deplorável parecendo atestar o abandono em que estão dos poderes competentes. Tomadas estas providências é de supor que desaparecerão as causas que periodicamente se avolumam para motivarem reclamações que tanto têm prejudicado o progresso do nosso Estado, que muito espera do patriotismo de seus habitantes sob a inspiração de um governo moralizado. Paz e fraternidade. Vítória, 16 de dezembro de 1889.[ 22 ]

10. Colatina e seus primeiros habitantes

O núcleo Antônio Prado era composto de oito seções: Santa Maria, São Jacinto, Mutum, Baunilha, Baunilha de Baixo, Baunilha de Cima, Córrego da Ponte e Colatina. A exploração das terras se fazia das nascentes dos rios para a foz. Assim aconteceu no rio Santa Maria do Rio Doce. O Baixo Timbuí era um prolongamento do núcleo Timbuí fundado em 1875.

Embora a ocupação da atual Colatina se desse somente a partir de 1888, em maio de 1877 uma expedição chefiada pelo engenheiro Cristiano Boaventura da Cunha Pinto chegou a foz do rio Santa Maria e deste trabalho deixou minucioso relatório:

…percebi que o rio Santa Maria se finalizava quer numa lagoa quer no rio Doce, e para fazê-lo mais provável, pouco depois encontramos uma picada de caçadores de três a quatro meses de idade que seguia de sul para oeste; continuei com o rumo de norte tendo deixado o rio que seguia a direção nordeste, mas como fosse já tarde e necessário acampar, mas segui com o rumo de leste a fim de encontrar outra vez o rio, depois de termos andado para norte uma meia légua. Tendo chegado à sua margem descobriu-se um vargedo extenso e limpo, e aí mandei fazer um rancho. Depois de cinco minutos indo ao meio do rio por uma árvore que servia de ponte, e conquanto já fosse escuro, pude observar na distância de 50 metros a correnteza de um outro rio, muito maior. No dia 13 às cinco horas da manhã plantou-se um marco de madeira de lei com as formalidades do estilo, na extremidade da língua de terra que separava as águas do rio Doce das do Santa Maria.

Somente dez anos mais tarde, no mês de setembro de 1887 foram medidos os últimos dez lotes na foz do rio. O terreno que hoje compreende a área da esplanada, em Colatina, foi assinalado como pertencente a Vitor Hugo e assim ficou até 1896. O barracão para recepção de imigrantes, porém, foi construído no alto, em Colatina Velha, no final de 1888. O engenheiro Pantoja dizia em 31 de janeiro de 1889:

É também de grande necessidade que à margem direita do rio Doce, um pouco abaixo do rio Santa Maria, cerca de um quilômetro, seja estabelecido um ponto para desembarque de imigrantes derribando aí cerca de 10 hectares, construindo-se um barracão para receber e agasalhar imigrantes e fazendo-se daí partir uma estrada de rodagem de 20 quilômetros de extensão margeando o rio Santa Maria do rio Doce do lado de leste até encontrar a barra do rio Mutum. Este porto e esta estrada facilitarão o transporte dos imigrantes e das suas bagagens para esta parte do núcleo além da notável economia nas despesas que atualmente se fazem com transportes da Vitória ao porto do Cachoeiro e daí até a barra do rio Mutum numa extensão total de cerca de 150 quilômetros em canoas e costas de animais. Estabelecido este porto, a distância que terão os imigrantes a percorrer por terra se reduzirá a 20 e poucos quilômetros em média. Reputo a construção do barracão e da estrada de rodagem em 35 contos.[ 23 ]

Das seções do núcleo Antônio Prado era natural que o porto no rio Doce estivesse destinado a prosperar. Com a subida de Muniz Freire ao Governo do Estado, batizaram o lugar com o nome de sua esposa Colatina.

No dia 1º de junho de 1893 saía o edital assinado pelo auxiliar de escritório servindo de escriturário, Rufino Rafael de Carvalho, regulamentando a distribuição dos lotes urbanos para os primeiros habitantes de Colatina. “Faço público que nesta data foram feitas concessões de lotes urbanos no barracão do Santa Maria do rio Doce aos requerentes abaixo mencionados que ficam obrigados ao começo da construção no prazo de três meses.[ 24 ]

1. Francisco Jazdzevski
2. Alberto Rafalski
3. Jacob Passamani (-)
4. Evaristo Ferrari (-)
5. Vago Giuseppe
6. Cesare Ferrari
7. João Có (*)
8. Godofredo Schneider
9. Vago Eugênio
10. Vago Cezario
11. Francísco Poraczeki
12. Vilaschi Angelo (*)
13. Bosetti Giovanni (*)
14. Campi Giuseppe

A extensão dos lotes a eles concedidos media 10m de frente e 15m de fundo. Só consta que três deles estavam morando, Godofredo Schneider, Francisco Poraczeki e Campi Giuseppe. Jacob Passamani e Evaristo Ferrari não compareceram no tempo previsto e suas concessões caíram em comisso. Os outros 36 a quem foram concedidos lotes em 29 de julho, 2 e 19 de dezembro de 1893 eram: Franz, Meyer e Cia (*), João Pickler, José Antônio da Silva, Geraldo von Hake, Negrelli Paolo (*), Manoel Tavares de A. Nogueiras, Pedro Alexandrino Mascarenhas, Benedito André, Miguel Gonring, José Fernandes Benevides (*), Manoel Ludgero da Costa (-), João José de Andrade (*), José Kopeski, João Viersasefski (-), José Joaquim do Nascimento (-), José Schmitberger (*), Vicente Pidner, Luiz Kopferer, Rufino de Souza Carvalho, Germano Sebastião Wolkartt (*), Henrique Moschen (*), Carlos Avancini (-), João Damasceno Vieira (*), Francisco Pereira Lopes (-), Galdino Ferreira da Motta, Joaquim F. Pereira Grillo, Agnello dos Passos Carlos (*), João Pereira de Sant’Anna (-), Pritoli Silvestre, João Werfele (*), Leon Lenci, Catarina Posmoser, José Butiscofski, Manoel Teodoro do Nascimento, Manoel Correia, Ivo Pereira de Sant’Anna (*).

Os assinalados com (-) não compareceram e, portanto, perderam o direito ao lote. Alguns, tentando burlar o decreto nº 4 de 4 de junho de 1892, no seu artigo 94 que dizia: “Os lotes urbanos destinados a futuras povoações só serão vendidos sob a condição de imediata construção de casa”, mandavam fincar esteios para fingir que estavam construindo. Em 24 de agosto de 1894 foi afixado o aviso: “De ordem do cidadão doutor diretor desta repartição faço público aos cidadãos abaixo mencionados, concessionários de lotes urbanos na vila Colatina, nos quais tem apenas esteios fincados, que lhes fica marcado o prazo de noventa dias, a contar desta data, para darem andamento à construção de suas casas, sob pena de caducar a concessão, sem direito a reclamação alguma em vista do pouco caso com que estão tratando os interesses do Estado.” (Ver o nome dos interessados com o sinal (*) acima. E neste mesmo dia saiu outro aviso com a concessão de lotes urbanos a mais 25 interessados, acrescentando: “Previno mais a todos que não servirão de garantia para domínio do lote urbano esteios fincados ou madeiras amontoadas no mesmo lote, competindo nestes casos ao chefe da Comissão transferir a concessão para qualquer pretendente que, nos termos acima se obrigue a edificar, podendo fazê-lo sem ônus algum dos esteios ou madeiras no lote considerado em comisso.” A seguir vem uma lista de 25 nomes na sua quase totalidade constituída de nacionais.

Do exposto se confirma a tradição oral que relata a formação de Colatina como sendo eclética. Era um povoado formado por brasileiros, italianos, alemães, poloneses e outros povos, bastando conferir os sobrenomes. Os dados acima apresentados são inéditos e não constam da monografia Colatina ontem e hoje, de Fausto Teixeira, excelente em informações a respeito da cidade.

11. Núcleo Acioli Vasconcelos

O nome do núcleo colonial fundado às margens do rio Pau Gigante é homenagem ao tenente coronel Francisco de Barros e Acioli Vasconcelos. O primeiro a medir lotes na margem do rio foi o engenheiro Artur Napoleão de Barros que batizou o lugar com o nome de seção Cecília,

ficando nesta região, em uma grande volta que faz o rio à margem esquerda, uma área de 790.325 metros quadrados completamente devoluta e a qual pretendo subdividi-la em lotes urbanos pois escolhi-a para o estabelecimento de um novo núcleo a que denominei núcleo Cecília.[ 25 ]

Ficou só na denominação. Seu cargo foi ocupado um mês depois, em abril de 1887, por Antônio Francisco de Ataíde que continuou as medições até a foz do rio.

Para sede do núcleo foi escolhido o lugar atual da vila de Acióli nos lotes 46 e 48. O barracão ainda estava sendo construído no início de 1889 e a ocupação dos lotes era bastante heterogênea. A predominância italiana só se verificou a partir das sucessivas viagens realizadas pelo Adria e por outros navios. O Maria Pia chegou a Vitória em fevereiro de 1986 com 301 italianos; o Adria em setembro com 463 num total de 125 famílias; o Adria voltou com 1530 em dezembro; em março de 1889 o Adria trazia mais 1280 italianos; e assim o Napoli, o Montana, o G.B. Lavarello, o Coffaro iam descarregando centenas de imigrantes no ano de 1891. Em setembro de 1891 o Adria deixou em Vitória 852 imigrantes e em dezembro o navio Birmânia trouxe 1423. Os imigrantes vindos neste navio já iam ocupando os últimos rincões, as cabeceiras dos terrenos devolutos. Alto Bérgamo, nas cabeceiras do rio Pau Gigante foi colonizada por eles. Os espaços iam diminuindo. Febres, mortes, intrigas marcaram o início do núcleo cujo clima não era salubre.

O núcleo teve oito seções: Pau Gigante (atual Acioli), Ubás, Triunfo, Esperança, Treviso, Café, Otelo e Alto Bérgamo. Poucas existem como aglomerados populacionais e só possuem moradias esparsas. Barra do Triunfo foi sede de fazenda, propriedade de Giuseppe Battisti, que prosperou com casa comercial, igreja e cemitério incrustrados em terreno particular. O motivo pelo qual estes lugares não prosperaram não era exclusivamente econômico. Pensava-se, na época, em termos de vias navegáveis através do rio Pau Gigante, então caudaloso. Este plano inviável foi substituído pela estrada de ferro. Hoje, nem a estrada de ferro, nem a estrada pavimentada passam dentro da vila de Acioli.

12. Núcleo Demétrio Ribeiro

O núcleo Demétrio Ribeiro foi fundado em 1890 nas cabeceiras do rio Piraqueaçu e era uma passagem para o núcleo Acioli, no Pau Gigante e núcleo Antônio Prado, no Santa Maria do Rio Doce. O bispo Dom João Nery, quando de sua visita pastoral no início deste século, o descreveu assim:

No encontro dos dois ribeirões: Clotário e Saúnas, o primeiro afluente do Santa Maria e dos dois valões correspondentes, se acha o pequeno arraial outrora núcleo deste nome. Em forma de um T e constando de 20 casas baixas, modestas e cobertas de tabuinhas aí está situada a localidade. No meio de todos os edifícios se destacam dois magníficos prédios: um à esquerda do ribeirão Clotário, em uma pequena elevação, propriedade do senhor Carlesso Bortolo; outro à direita do mesmo ribeirão fechando a pequena rua que corre de leste a oeste acompanhando o ribeirão Saúnas, propriedade do senhor Negri Orestes, ambos assobradados e magnificamente construídos. Pouco adiante do arraial, águas acima do Saúnas está a capela que serve aos habitantes destas regiões. É consagrada a Santo Antônio e tem um único altar, no canto da capela mor. Toda a capela é de pau a pique e coberta de tabuinhas.
O senhor Orestes Negri foi um dos primeiros habitantes do lugar e ficou encarregado dos serviços por ordem do diretor Gabriel Emílio. Foi ele quem derrubou a mata para construir a igrejinha e o cemitério.[ 26 ]

13. Núcleos Santa Leocádia e Nova Venécia

Os núcleos de Santa Leocádia e Nova Venécia, ambos à margem do rio São Mateus (Cricaré) foram os que mais sofreram em razão do isolamento dos demais centros de colonização e até hoje pouco se sabe sobre eles. É natural que as áreas e as épocas onde houve sofrimento sejam apagadas e esquecidas. O documento que batizou o núcleo, na íntegra é o seguinte:

Tenho a honra de comunicar a V. Exa. que nesta data resolvi dar a denominação de Santa Leocádia ao núcleo colonial que estou fundando no ribeirão Bamburral para o que peço desde já aprovação de V. Exa. Deus guarde a V. Exa. Ilmo. e Exmo. Sr. Dr. Henrique de Ataípde Lobo Moscoso M.D. Presidente desta Província. Gabriel Emílio da Costa.[ 27 ]

Este documento tem a data de 20 de setembro de 1888.

Santa Leocádia recebeu primeiro uma leva de 86 imigrantes. O maior contingente, porém, que se dirigiu para São Mateus foi de 323 imigrantes, uma parcela dos 1.530 chegados no Adria em dezembro de 1888. Em março do ano seguinte os colonos estavam em pé de revolta por falta de comida.[ 28 ] Em 18 de julho, Leonel Joaquim Almeida Fundão envia um telegrama para Vitória dizendo que:

Ontem, três horas tarde, foram incendiados os dois principais barracões da colônia Santa Leocádia e casa de negócio Olinto Santos. Delegado Polícia segue já proceder rigoroso inquérito. Há muitos dias colônia em completo abandono. Diretor e empregados ausentes acham-se constantemente nesta cidade. Ressentimento geral. Devido ser esta colônia o mais lisonjeiro futuro desta comarca.[ 29 ]

Tanto Gabriel Emílio como Pinto Pacca negam a gravidade do fato, afirmando que Leonel Fundão nunca ocupara o cargo de agente de colonização e era sim um intrigante. O sinistro tinha sido provocado involuntariamente por descuido de uma mulher que fazia comida no seu fogão.

Nova Venécia é o prolongamento do núcleo Santa Leocádia e sua sede foi estabelecida em 1892 no governo Muniz Freire.

14. Sede em Linhares

A sede da ex-colônia de Santa Leopoldina devia funcionar no núcleo Antônio Prado, mas Gabriel Emílio foi nomeado para dirigir a comissão na ex-colônia de Santa Leopoldina a 4 de março de 1890, no lugar de Pantoja, tendo sido removido de Santa Leocádia em São Mateus.[ 30 ] O primeiro ato ao chegar à sede foi escrever ao engenheiro Antônio Ataíde solicitando sua vinda para orientá-lo e dar informações. Mas já tinha em mente a mudança da sede da comissão para Linhares, bem como uma série de planos diferentes para conduzir a imigração. Conhecedor da região do rio Doce, Ataíde não concordou e se recusou alegando motivo de saúde. Daí surgiu uma polêmica entre ambos. Ataíde foi demitido pelo governador e no seu lugar foi nomeado o agrimensor Antônio Machado Bitencourt e Melo Júnior. Gabriel Emílio escreve ao governador dizendo que passava às suas mãos o ofício de Ataíde a fim de que ficasse sabendo que o pessoal da comissão a seu cargo estava reduzido ao chefe e ao agrimensor Bitencourt; pois a vila de Linhares, zona marginal do rio Doce, compreendendo localidades manifestamente insalubres não convinha à saúde do ajudante engenheiro Antônio Francisco Ataíde, que tudo podia conhecer menos a zona e vales do rio Doce.[ 31 ] Ironicamente Gabriel Emílio grifou as palavras de Ataíde, mas a história mostrou, em menos de cinco anos, que o ajudante tinha mais razão e que as medidas de Gabriel Emílio redundaram no fracasso do núcleo Muniz Freire. O leitor dos periódicos de então pode se deliciar com esta polêmica ao ler o Comércio do Espírito Santo, cujo redator era Aristides Freire, em 1895, ano da proibição da imigração. O jornal, em suas edições de números 212 a 237, publicou artigos em que Ataíde se justifica e em que enumera as inconveniências da transferência da sede do núcleo para Linhares.

Não fora preciso tanta polêmica se se tivesse seguido a orientação de um dos homens mais experientes na questão, o inspetor especial Joaquim Adolfo Pinto Pacca, com seus mais de 25 anos no ofício. São estas as razões apresentadas por Pinto Pacca ao governador Afonso Cláudio em 30 de dezembro de 1889, justificando porque não era conveniente a mudança da sede da comissão para a vila de Linhares:

a.
Linhares acha-se a cerca de 13 léguas de distância do centro de ação mais conveniente atualmente a essa comissão, porquanto é esta a distância que existe do ponto de confluência do rio Mutum com o rio Santa Maria do rio Doce.

b.
É notória a insalubridade dos terrenos baixos marginais ao rio Doce até pouco mais ou menos quatro léguas montantes a Linhares, e bem assim os que se estendem até a barra do afluente Santa Maria, pelo que:

c.
assentou esta Inspetoria, de acordo com o chefe da comissão, colonizar o rio Doce pelos seus afluentes Pau Gigante, Santa Joana, Santa Maria, Guandu e afluentes destes, partindo das cabeceiras, próximas a zonas já colonizadas, para a foz.

d.
Importa muito que imigrantes novos sejam estabelecidos nas vizinhanças de antigos, com os quais aprendam a cultura, costumes, economia, etc., e recebam a necessária animação que sempre lhes falta nos estabelecimentos isolados.
Assim, pois, de acordo com as sábias considerações da portaria a que respondo em relação à inconveniência da sede da comissão na vila do Porto Cachoeiro, sou do parecer que deve a comissão transferir sua sede para a sede do núcleo Senador Prado, no ponto de confluência do rio Mutum com o Santa Maria, porquanto aí é o centro aproximado das novas operações e dista da margem do rio Doce cerca de 20 quilômetros, lugar salubre e centro de grande colonização já estabelecido.

Este lugar salubre a que alude o diretor é Colatina. E continuava ainda com outras sugestões que justificavam o seu parecer ao governador:

Chegada assim a colonização à margem do rio Doce poderá ela descer por esta margem em busca da foz do rio Pau Gigante e aproximar-se de Linhares, porquanto a derrubada das matas dos afluentes deve melhorar o estado sanitário daquele rio, estado sanitário que tem sido obstáculo e grande a diversas tentativas de sua colonização.[ 32 ]

Deve-se lembrar que uma primeira tentativa de colonizar Colatina nos anos de 1860 pelo Dr. França Leite fracassou tanto pelo ataque dos índios botocudos quanto pela persistência das febres malignas. Hoje, a história deve dar razão à lucidez deste homem que dedicou a vida à causa da imigração, bem como ao seu ajudante o engenheiro Antônio Francisco de Ataíde.

Enquanto os imigrantes continuavam chegando em grande número ao Espírito Santo, nos transatlânticos, as condições de atendimento, transporte e localização pioravam com a insuficiência de pessoal do Governo. Os lugares para onde os colonos eram enviados revelavam-se insalubres, de difícil acesso, onde a escassez dos gêneros de primeira necessidade provocava fome, e as febres matavam de maneira fulminante.


15. Contrato Giffoni e a proibição da imigração

O Governo fez um contrato em 2 de junho de 1892 com Domenico Giffoni para a introdução de 20.000 imigrantes europeus, de preferência italianos e precisou ser renovado a 23 de Julho de 1893. Giffoni, de fato, não conseguiu trazer mais de 12.000 mil imigrantes. Os ecos deste contrato chegaram cedo à Europa de tal modo que Alcindo Guanabara escreveu ao governador do Estado do Espírito Santo, de Paris, onde estava sediada a Superintendência Geral da emigração para o Brasil na Europa, nestes termos:

Paris, 4 de maio de 1893. Sr. governador. Constando a esta Superintendência ter o governo italiano editado uma proibição no sentido de estancar a corrente emigratória para o Estado, que tão patrioticamente dirigis, apressei-me em telegrafar ao nosso ministro plenipotenciário em Roma, senhor Barão de Tefé, perguntando o que havia a tal respeito. Respondeu-me, também por telegrama, que por escrito me informaria, fazendo-o em ofício de 28 de abril último. Diz ter recebido do nosso comissário em Gênova aviso de que estava formalmente suspensa a emigração para o nosso Estado, e que procurando o ministro dos Negócios Estrangeiros do gabinete italiano, senhor Brin, soube que a circular, proibindo a emigração para “os Estados do Norte do Brasil” tem origem num contrato feito pelo Governo do Espírito Santo para a introdução de 20.000 imigrantes. Acrescenta no citado ofício que ao informações oficiais coligidas pelo mesmo senhor Brin, afirmam que não são favoráveis as condições e vantagens oferecidas no referido contrato. No entretanto, tratando-se de um caso especial para esse Estado, rogo-vos digneis de ordenar me sejam enviadas, com a brevidade possível, informações sobre o contrato acima mencionado, vantagens oferecidas, sobre a situação geral dos negócios de imigração e colonização, enfim todos os dados que em tal assunto possam servir-me para pleitear os direitos do Estado do Espírito Santo...[ 33 ]

Se os nossos agentes estavam atentos ao andamento da imigração, não menos atentos estavam os agentes consulares italianos que andavam por todos os núcleos e colhiam informações ao vivo, sem intermediários do Governo que pudessem falsear a realidade dos fatos e a veracidade das estatísticas. Exemplo disto são os relatórios de Zettiry, do cônsul Nagar, das informações de Brandolini, que afirmavam não serem ao condições sanitárias suficientes para impedir a imigração para o Estado. O fato é que a notícia da catástrofe do núcleo Muniz Freire e das colônias no rio Doce, em maio de 1895 chegou aos ouvidos do Governo do Rei da Itália. O decreto de 20 de julho de 1895 dizia o seguinte:

O Real Ministério do Interior, considerando que no Estado do Espírito Santo, quer pelo modo como está sendo dirigido o serviço de imigração, quer pelas condições econômicas, climatológicas e higiênicas da região, aqueles que para lá emigram vão de encontro a danos e prejuízos certos e gravíssimos, decreta: É proibido até nova ordem, aos agentes e subagentes de fazer operações de emigração para o porto de Vitória, e em geral para o Estado do Espírito Santo.[ 34 ]

Encerrava-se, temporariamente, um movimento que alterou toda a estrutura do Estado do Espírito Santo e lhe determinou características até hoje inconfundíveis.

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NOTAS

[ 1 ] MENEZES E SOUZA, Conselheiro João Cardoso de. Teses sobre colonização do Brasil. Rio de Janeiro, Tipografia Nacional, 1875, p. 188.
[ 2 ] BUSATTO, Luiz. A insurreição branca. UFES, Revista de Cultura, Vitória, Fundação Ceciliano Abel de Almeida, nº 8 p. 5-10, agosto-setembro de 1978.
[ 3 ] Para este conflito veja-se o volume 318 da 2ª série da “Governadoria” no Arquivo Público do Estado do Espírito Santo (APE-ES).
[ 4 ] Sobre este núcleo existem dois livros: MULLER, Frederico. Fundação e fatos históricos de Santa Teresa. Diário da Manhã, Marcondes e C., Vitória, 1925 e RUSCHI, Enrico I. Aurélio. Município de Santa Teresa. IBGE, 1939.
[ 5 ] BUSATTO, Luiz. A revolta de Nova Lombardia. A Gazeta, Vitória, ES, 2 de fevereiro de 1978, Caderno Dois, p. 1.
[ 6 ] BUSATTO, Luiz. A imigração italiana e o I centenário de Ibiraçu. A Gazeta, Vitória, ES, 7 de agosto de 1977, Caderno Dois, p. 1 e 12.
[ 7 ] Livro 35 da 2ª série da “Agricultura”, APE-ES.
[ 8 ] CAVATI, João Batista. História da imigração italiana no Espírito Santo. BH, São Vicente, 1973, p. 131.
[ 9 ] Livro 47 da 2ª série da “Agricultura”, APE-ES.
[ 10 ] Caixa 116 da 1ª série da “Agricultura”, APE-ES.
[ 11 ] Livro 35 da 2ª série da “Agricultura”, APE-ES.
[ 12 ] Livro 63 da 2ª série da “Governadoria”, APE-ES.
[ 13 ] Idem.
[ 14 ] ACHIAMÉ, Fernando A. M. A colonização e a pequena lavoura cafeeira: a colônia de Rio Novo. Caderno de História nº 4 e 5, setembro de 1978 a março de 1979, Departamento de História, UFES.
[ 15 ] Relatório no livro 63 da 2ª série da “Governadoria”, APE-ES.
[ 16 ] Ofício de 19 de janeiro de 1885 no livro 29 da 2ª série da “Governadoria”, APE-ES.
[ 17 ] Livro 84 da 2ª série da “Governadoria”, APE-ES.
[ 18 ] Livro 47 da 2ª série da “Agricultura”, APE-ES.
[ 19 ] Livro 21 da 2ª série da “Governadoria”, APE-ES.
[ 20 ] Relatórios da Caixa 193 da 1ª série da “Agricultura”, APE-ES.
[ 21 ] Atual cidade de Santa Leopoldina.
[ 22 ] Relatório de 16 de dezembro de 1889 na caixa 118 da 1ª série da “Agricultura”, APE-ES.
[ 23 ] Relatório de fevereiro de 1888 no livro 147 da 2ª série da “Agricultura”, APE-ES.
[ 24 ] Caixa 193 e 195 da 1ª série da “Agricultura”, APE-ES.
[ 25 ] Caixa 159, 160 e 161 da 1ª série da “Agricultura”, APE-ES.
[ 26 ] Caixa 114 da 1ª série da “Agricultura”, APE-ES.
[ 27 ] Livro 21 da 2ª série da “Governadoria”, APE-ES.
[ 28 ] Livro 84 da 2ª série da “Governadoria”, APE-ES.
[ 29 ] Telegrama de 18 de julho de 1889 no livro 36 da 2ª série da “Governadoria”, APE-ES.
[ 30 ] Para a gestão de Gabriel Emílio consulte-se a caixa 144 da 1ª série da “Agricultura”, APE-ES.
[ 31 ] Ofício nº 27 de 30 de junho de 1890 na caixa 144 anteriormente referida.
[ 32 ] Livro 36 da 2ª série da “Governadoria”, APE-ES.
[ 33 ] Livro 84 da 2ª série da “Governadoria”, APE-ES.
[ 34 ] RIZZETTO, Rizzardo. L’immigrazione italiana nello Stato di Espírito Santo. Bolletino del R. Commissariato dell’Emigrazione, nº 7, anno 1903, p. 23.

[BUSATTO, Luiz. Estudos sobre imigração italiana no Espírito Santo. Vitória, 2002. Reunião de artigos relacionados com imigração italiana, publicados em diversos periódicos. Reprodução autorizada pelo autor.]

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© 2002 Texto com direitos autorais em vigor. A utilização / divulgação sem prévia autorização dos detentores configura violação à lei de direitos autorais e desrespeito aos serviços de preparação para publicação.
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Luiz Busatto nasceu em Ibiraçu-ES, em 1937. Graduado em Letras, com cursos de especialização em Portugal (Teoria da Literatura e História da Literatura Portuguesa), na Itália (Filosofia), mestrado em Letras pela PUC/RJ e doutorado na mesma área pela UFRJ. Professor da Ufes e da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Colatina (1969-1983). É membro do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo e da Academia Espírito-santense de Letras. Foi presidente do Conselho Estadual de Cultura (1993/4) e vice-presidente (1986/7). Tem várias obras publicadas, sendo um estudioso da imigração italiana. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

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