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Capítulo II





Considerações sobre o Brasil Colônia. Abertura das fronteiras. Condições para emigrar. Sugestões do visconde de Abrantes. Convite aos italianos.
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O Brasil Colônia foi um Estado fechado ao estrangeiro e por justa causa: as minas de ouro. As leis proibitivas foram taxativas e severamente aplicadas, principalmente sob o reinado de D. José, submisso à vontade férrea do marquês de Pombal, seu primeiro-ministro. (1750/1772).

O crescimento demográfico se processava lentamente. Portugal não tinha, como nunca teve, excesso de população. O indígena não se pacificou na proporção devida. Combatia o branco e recuava para o sertão desconhecido. Restava o negro.

A transferência da Corte para o Rio de Janeiro, em 1808, ofereceu ao príncipe regente este quadro singular: o Brasil isolado do mundo. D. João, nosso incontestável primeiro administrador, começou abrindo os portos à navegação de todas as bandeiras, permitindo que o Brasil se povoasse.

Abolida a segregação do Brasil ao conhecimento universal, estrangeiros ilustres e cientistas vieram desvendar nossas riquezas naturais, divulgando-as amplamente. O Espírito Santo teve também a ventura de receber homens de ciência que o percorreram e o estudaram, e hoje seus trabalhos são documentos preciosos de história e de geografia. Não fossem eles, desconheceríamos a maravilhosa paisagem que representou a pinturesca faixa litorânea do Itabapoana ao Mucuri. Todo espírito-santense deveria ler as obras preciosas desses curiosos cientistas alienígenas: Viagem ao Brasil, nos anos de 1815 a 1817, de Maximiliano, príncipe de Wied-Neuwied, e a Segunda viagem, de Auguste de Saint-Hilaire, esta empreendida dois anos depois, como se fora intuito do francês sábio conferir o cientista e autocrata alemão.

Aldeias, vilas, aldeamentos de índios, sesmarias famosas, riqueza floral, costumes, história, tudo descrito com fidelidade impressionante.

Em 25 de novembro de 1808, D. João regulamenta a concessão de sesmarias, permitindo ao estrangeiro a posse de terras. De imediato chegam ao Rio franceses, ingleses, alemães, austríacos, com seus próprios recursos. São pequenos industriais, hoteleiros, artesãos e alguns agricultores.

John Luccock registra que, desde 1813, o número de estrangeiros entrados no Brasil é considerável. Provinham das colônias espanholas da América do Sul.[ 1 ] Alguns vieram também da América do Norte, da França, Inglaterra, Suécia e Alemanha. Não se menciona entrada de italianos. Aos agricultores o governo forneceu ferramentas e utensílios. Os estrangeiros ficaram isentos de serem recrutados para o serviço militar.

O interesse governamental de povoar o Brasil com colonos voluntários se prendia à eventual diminuição do tráfego, em virtude do convênio firmado com a Inglaterra e da resolução do Congresso de Viena em 1815, para a gradual abolição da escravatura.

Com esse espírito liberal foram se criando colônias nas províncias fluminenses e sulinas.

Para superar as dificuldades à entrada de não católicos, a Constituinte de 1823, embora adotando o catolicismo como religião oficial, consentiu a prática de outros credos contanto que não houvesse manifestação exterior. Liberou-se assim a vinda de ingleses, alemães e outros estrangeiros de confissões anglicana e luterana.

Nossa primeira imperatriz, apesar de nascida na Áustria, procurou proteger a vinda de alemães, por intermédio de seu amigo major Antônio Scheffer, e os agentes consulares brasileiros divulgaram os favores oferecidos, inclusive o engajamento para quem quisesse servir ao exército.[ 2 ]

De modo geral, o Brasil não só abriu as fronteiras como ofereceu o direito de propriedade e auxílios diversos aos estrangeiros que aqui se radicassem. Os alemães foram os primeiros a atender e vieram em sucessivos grupos e depois falanges, até o fim do século. Nos anos que se seguiram à Independência, os portugueses se tornaram suspeitos e se lhes criaram dificuldades, mormente porque só queriam se aplicar no comércio. Nada com a agricultura. O Ato Adicional de 1834 autorizou as províncias a fundarem colônias.[ 3 ]

Com a afluência crescente de imigrantes surgiram os primeiros incidentes, resultantes do recrutamento indiscriminado e precariedade das convenções sob as quais os estrangeiros vinham trabalhar as terras do Brasil. O governo incumbiu ao visconde de Abrantes, Miguel Calmon du Pin e Almeida, estudos concernentes a aplacar a incômoda situação.

O visconde foi à Europa, percorreu os Estados migratórios, principalmente a Alemanha, e se inteirou das causas primeiras, geradoras das discórdias.

Tudo residia na arbitrariedade do recrutamento e na propaganda exagerada de favores e vantagens não convencionados.

Tinha então a Alemanha a primazia (1848) no expatriamento de camponeses e sem trabalho. Sua população se elevava a 40.000.000 de habitantes. A Itália ainda não se atropelava tanto com a massa desocupada. O fenômeno italiano eclodiu depois de 1860.

Na Alemanha os principais agenciadores eram as sociedades de navegação, notadamente os capitães de navios. Arrebanhavam desocupados e vagabundos nas praças públicas, nas cadeias e até nos prostíbulos, na mais completa e perniciosa promiscuidade com os verdadeiros camponeses. Os agentes das companhias de navegação e os comandantes de navios recebiam comissão sobre o número de embarcados.

Os navios excediam a tonelagem, pondo em risco os viajantes e oferecendo péssimo passadio e pior acomodação.

O visconde apresentou relatório, traduzindo as críticas que se propalavam contrárias à imigração para o Brasil e aconselhou novas modalidades para o recrutamento.

Sugeriu em resumo: nomeação oficial de agentes idôneos em cada departamento ou cidade de origem de emigrantes e remuneração de 160 a 200 libras por embarque, dependendo do número de recrutados; promessa de obter do imperador honrarias e condecorações pela boa seleção. Ficaram reprimidas as avarezas das companhias de transporte e dos capitães de navios. Os emigrantes poderiam escolher uma das três seguintes modalidades:

1) Passagem paga, mas descontada da ajuda diária até o colono se estabelecer e colher a primeira safra.
2) Doação de terra, sementes e víveres, enquanto o colono não colhesse.
3) O colono compraria as terras a prestação e receberia ajuda a prazo fixo.

Esta modalidade foi a preferida, pois despertava o interesse do colono em cuidar e fazer suas terras produzirem tão depressa quanto possível.

Na primeira hipótese a companhia de navegação elevava o preço da passagem de modo a sugar o máximo da ajuda, deixando o colono em dificuldade para se manter.

Com a segunda, induzia muitos a venderem suas terras aos vizinhos prósperos e se alugarem como diaristas.

De qualquer modo, o homem era sempre encarado como simples utensílio de trabalho. Nenhuma garantia de assistência.[ 4 ]

Em ato de 23 de novembro de 1861, o governo imperial oferece favores à imigração para a província do Espírito Santo. Reflexo evidente da visita de D. Pedro II, em janeiro do ano anterior, às colônias espírito-santenses.

Na Itália, principalmente no norte, os favores oferecidos pelo Império tiveram ampla divulgação. A imprensa difundia a riqueza das terras e as maravilhas da região do rio Doce. Quando os agentes oficiais chegaram, já encontraram clima psicológico favorável.

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NOTAS

[ 1 ] John Luccok. Notes on Brasil, apud Hélio Viana, História do Brasil.
[ 2 ] Hélio Viana, História do Brasil. Pedro Calmon, idem, idem.
[ 3 ] Pandiá Calógeras, Formação Histórica do Brasil.
[ 4 ] Visconde de Abrantes, Imigração. B. N. Vol. 325-81.

[In DERENZI, Luiz Serafim. Os italianos no Estado do Espírito Santo. Rio de Janeiro: Artenova, 1974. Reprodução autorizada pela família Avancini Derenzi.]

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Luiz Serafim Derenzi nasceu em Vitória a 20/3/1898 e faleceu no Rio a 29/4/1977. Formado em Engenharia Civil, participou de muitos projetos importantes nessa área em nosso Estado e fora dele. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

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