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Capítulo IX – O perdigueiro e as perdizes

Certa vez, o meu primo Paulo Maia, funcionário de A Gazeta, que redigia a coluna “Caça e pesca”, por falta de assuntos relativos a caça, pediu-me que escrevesse alguns tópicos sobre perdigueiros, visto que eu criava cães dessa raça, devidamente registrado no Kennel Club. Pelo fato de o Pointer inglês ser o primeiro introduzido no Brasil, passou a ser chamado de perdigueiro e as outras raças, também destinadas à caça de perdiz, ficaram no desconhecimento.

Comecei os artigos, que ao todo somaram dezenove, afirmando que perdigueiro é todo cão que caça perdiz. Então enumerei uns nove tipos: Setters, Weimaraner, Vizsla, Springer Spaniel, Kurzhar etc.

O perdigueiro ou Pointer (da expressão inglesa “aponta”), surgiu no Brasil em Juiz de Fora, Minas Gerais — então denominada a Manchester mineira —, por iniciativa do Dr. João Penido, o fundador da primeira usina hidroelétrica da América do Sul. Ele era também caçador de perdizes e na França, em uma exposição de cães, adquiriu dois casais de Pointers ingleses. O transporte era problemático na época, sendo eles trazidos num vaso de guerra comandado por um seu irmão almirante.

A perdiz é comum no nordeste e no Rio Grande do Sul. Em ambas as regiões estão vinculadas às codornas. No Rio Grande do Sul a perdiz é chamada de perdigão e a codorna de perdiz.

A floresta da Mata Atlântica impediu o seu deslocamento para nosso Estado, porém, com a destruição impiedosa da floresta, a perdiz encontrou caminho livre. As primeiras perdizes surgiram em Montanha, povoando as mangas de gado bovino.

Ela pesa, em média, 800 gramas, no entanto, já matei um exemplar recorde com 1,450 quilos de peso.

Sua carne é mais tenra e saborosa que a do macuco, que tem cor ligeiramente acinzentada e mais fibrosa, e pode pesar 1,8 quilos no Espírito Santo e 2,5 quilos no Mato Grosso, onde é denominada azulona.

A perdiz, com grande habilidade devido à sua especial plumagem trigueira, confunde-se com o capim. Fica praticamente invisível aos olhos do cachorro e do caçador. No entanto, quando se trata de um bom perdigueiro é fácil localizá-la pelo faro. Nesse momento ela alça vôo e é abatida no tiro. Esse vôo não ultrapassa um quilômetro e se repete três vezes apenas. Os caboclos, sabendo disso, põem os cães vira-latas em cima e, na terceira pousada, ela é capturada. Isso se deve à sua baixa vascularização sanguínea, ao contrário da marreca, que tem a capacidade de voar grande distância graças a uma melhor vascularização.

Em Montanha havia muitas perdizes que de lá se deslocaram para o sul, chegando a transpor o rio Doce, por razões que até hoje ignoro…

A sua velocidade de deslocamento é expressiva, chegando, após alguns anos, ao município de Itapemirim, onde se juntou à codorna.

Usineiros fluminenses, para praticar tiro ao vôo, importaram do Rio Grande do Sul alguns casais de codornas, que soltaram na planície de Campos.

Seu deslocamento, ao contrário, é lento, pois, depois de vários de vários anos, atingiram apenas o município de Itapemirim. No nordeste e no Rio Grande do Sul as duas aves habitam a mesma região. No Espírito Santo houve uma grande separação: codornas no sul e perdizes no norte. Porém as perdizes, que ocuparam quase todo o território capixaba, não demoraram muito a se misturarem às codornas no município de Itapemirim.

O cão perdigueiro, com seu faro aguçado, aponta o local onde a ave se esconde, sem vê-la. Nesta etapa o caçador dá o sinal para levantá-la e segue-se o tiro. O Pointer inglês não tem a aptidão de buscar a caça atingida, sendo necessário outro cão auxiliar para buscá-la, o retriever. Os alemães, hábeis na genética canina, por medida de economia produziram um cão com as duas faculdades: a de apontar e a de buscar. É o Kurzhar, ou Pointer alemão.

Os remanescentes dos Pointers ingleses trazidos pelo Dr. Penido continuam no mesmo canil, em Juiz de Fora, sob a supervisão do sobrinho, o médico Dr. Luiz Villaça, na fazenda Cachoeirinha.

Os Pointers ingleses são brancos com manchas fígado, pretas ou de outras cores. O Kurzhar, ou Pointer alemão, ao contrário, tem uma pelagem uniforme e constante ruão de tons claros e fígado. A extraordinária e inesquecível cadela Carlota tinha essa coloração.

Na caçada o Pointer inglês é cordato, aceitando ser preso a uma corrente ou condicionado em cercado. Já o Kurzhar caça caminhando mais lentamente, e por isso diz-se que é “bom para caçador mais idoso”. O Pointer caça correndo muito, mas essas disparadas não prejudicam a sua amarração.

O Dicionário da língua portuguesa, de Aurélio Buarque de Holanda, assim classifica a perdiz (do grego pedíx): ave tinamiforme, da família dos tinamídeos (Rynchotus rufescens), distribuída pelo cerrado e caatingas de todo o Brasil. Tem coloração avermelhada, com matizes amarelados e ferrugíneos, penas dorsais listradas de preto. Essa plumagem possibilita à ave camuflar-se no capim com grande perfeição.

Já o macuco, segundo o mesmo Dicionário (do tupi ma kuku): designação comum às aves tinamiformes, da família dos tinamídeos, gênero Tinamus Lath., com cauda pequena escondida pelas penas da cobertura. Vive exclusivamente nas matas virgens. Pesa, como dissemos, no Espírito Santo, 1,8 quilos, enquanto que nas matas do Mato Grosso e outros estados do Brasil pode atingir 2,450 quilos. É vulgarmente denominado de azulona, devido à coloração das penas. No Espírito Santo é de cor cinza, puxado para o marrom. Grosseiramente poderíamos compará-lo a uma galinha d’Angola.

Fizemos boas caçadas em Montanha, em companhia de Plínio Marchini, Roberto Ruschi e Zeca, funcionário da Prefeitura.

Possuía um cão Pointer inglês, comprado na Praia do Canto, de nome Sherlok, de Carlos Cola ou de seu filho Antônio Rogério, branco com manchas fígado, que, ainda muito jovem, com dois anos apenas, amarrava divinamente. Muitas perdizes foram caçadas, tendo inicialmente estreado, com muito sucesso, nas codornas do município de Presidente Kennedy.

Em Nova Venécia caçamos também perdizes em companhia do saudoso amigo Marconi e Wilson Venturin.

Em São Gabriel da Palha caçamos na fazenda do Dr. Ramon Oliveira, administrada pelo seu sobrinho, Dr. Fernando Rua, e outros médicos. O cão utilizado era o famoso Argus, cruzamento de Pointer inglês com Kurzhar, que me acompanhou por quase doze anos, mestre tanto na amarração como no retrieve.

Cacei só, em companhia apenas do perdigueiro, em Jacupemba, Pinheiro, fazenda de Carlos Guilherme Lima e em outros lugares.

É ainda uma crença generalizada entre os caçadores que o perdigueiro deve ser pequeno e de cor escura para não espantar a perdiz. Grande ilusão, pois os olhos aguçados das aves distinguem com facilidade o movimento do cão. Os caçadores de brejo sabem disso, pois qualquer movimento, mesmo com roupa camuflada, será facilmente identificado pelas marrecas, que batem em retirada. A perdiz, com as suas penas tigrinas de amarelo, marrom e preto, permanece tranquila em seu sítio. A vista do caçador e do cão não conseguem facilmente localizá-la. Isso só ocorrerá — a localização — através do faro apurado do perdigueiro. Mesmo que o cão fosse pintado de verde o resultado não seria satisfatório, pois ao se movimentar seria facilmente observado.

Moral da história: o cão, se possível, tem que ser branco ou de cor clara para evitar a incidência dos raios solares que prejudicam o seu desempenho. Em segundo lugar, em vez de pequeno o perdigueiro deve ter grande porte, pois na caçada de perdiz, principalmente com o Pointer inglês que tem o hábito de caçar em disparada afastando-se às vezes do caçador, será mais fácil localizá-lo em campo de vegetação alta.

[ALVES, Luiz Flores. Caçadas. Reprodução parcial do livro publicado em Vitória-ES, pelo Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo e Prefeitura Municipal de Vitória em 1999. Reprodução autorizada pelo autor.]

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Luiz Flores Alves nasceu em Vitória, em 1920, e mudou-se no mesmo ano para Cachoeiro de Itapemirim-ES. Trabalhou na CVRD de 1942 a 1946 como administrador na construção de vários trechos da estrada de ferro. No Rio de Janeiro trabalhou em várias obras públicas e formou-se em Economia. Aposentou-se em 1985 como diretor do Centro Jurídico e Econômico da Universidade Federal do Espírito Santo. Faleceu em Guarapari, ES, no ano de 2003.

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